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Economista e diretor-presidente da MCM Consultores

Opinião|Quanto mais mexer, piora

Muitas das prováveis mudanças na PEC 06/19 no Congresso podem empobrecer a reforma

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Atualização:

É absolutamente legítimo que o Legislativo, no uso de suas prerrogativas constitucionais, debata, analise e promova as alterações que julgar convenientes na proposta do Executivo de reforma da Previdência (PEC 06/19). No entanto, do ponto de vista técnico, muitas das prováveis modificações atingem medidas altamente pertinentes que, se excluídas ou muito alteradas, empobrecerão a reforma, não apenas pela redução do impacto fiscal, como também por prejudicar outros objetivos, tais como equidade, justiça e incentivo ao crescimento econômico. Vejamos alguns exemplos, possíveis de serem citados no espaço desta coluna.

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O fim da obrigatoriedade de depósito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e da multa de 40% para os aposentados que voltam a trabalhar é uma das propostas que já nasceu morta. Foi muito criticada por políticos de todos os partidos e por analistas. Alguns a chamaram de pegadinha. Mas a medida é altamente conveniente. O FGTS faz parte do sistema de proteção ao desempregado e deixa de ser necessário para quem já recebe proventos da aposentadoria. A extinção deste encargo geraria estímulo para as empresas contratarem idosos e estes poderiam obter salários mais elevados. Manter aposentados na força de trabalho é positivo para a economia: eleva o potencial de crescimento, pela maior oferta de mão de obra.

Outro dispositivo natimorto da PEC 06/19 são as novas regras para a aposentadoria rural, cujo déficit, em 2018, alcançou R$ 114 bilhões. Basicamente, são duas alterações: 1) fixação, para o grupo familiar, de contribuição mínima de R$ 600 por ano, caso os recolhimentos pelo valor da comercialização da produção não alcancem tal piso; 2) elevação da idade mínima de aposentadoria das mulheres, de 55 para 60 anos, igualando-a à exigida para os homens.

Quanto à primeira medida, com uma contribuição de aproximadamente 5% do salário mínimo, acessível mesmo para aqueles que vivem da agricultura familiar, praticamente acaba-se com a concessão de aposentadorias sem contrapartida contributiva, prática disseminada no meio rural, dada a grande informalidade lá prevalecente. A elevação da idade mínima é também justificável. Segundo o IBGE, a expectativa de sobrevida das mulheres, aos 55 anos, é de 28,3 anos. Mantida a atual tendência de elevação, a sobrevida, para essa faixa etária, será de 30 anos em 2025. Ou seja, uma segurada que trabalhou 15 anos em atividade rural, com sobrevida igual à média, receberá benefício previdenciário por mais 30 anos, ou seja, o dobro do período supostamente contributivo.

Também estiveram sob forte ataque na Comissão de Constituição e Justiça – e isso deverá continuar na comissão especial – as regras de transição para aqueles que se aposentam por tempo de contribuição, que é de 35 anos para homens e 30 para mulheres. Muitos parlamentares as consideram demasiadamente duras. Tal crítica não procede. Não é o caso de detalhar as alterações aqui, mas basta dizer que o objetivo principal é evitar as aposentadorias precoces. A idade média de aposentadoria, nessa categoria, é de 53 anos para mulheres e de 55 anos para homens, com expectativa de sobrevida próxima a 30 anos. Não há sistema previdenciário que se viabilize dessa maneira. Ademais, só os trabalhadores de maior renda conseguem comprovar tantos anos de contribuição. Cerca de 83% dos aposentados recebem menos de dois salários mínimos e estes, em sua grande maioria, se aposentam por idade.

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Suavizar excessivamente as regras de transição, além de poder acarretar significativa redução na economia fiscal da reforma, tende a perpetuar um sistema de previdência injusto e com pouca equidade.

Em resumo: mesmo que o Congresso aprove a PEC 06/19 com ganho fiscal dentro das expectativas, quanto mais mexer na boa proposta do Executivo, maior será o risco de comprometer sua qualidade. *ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Opinião por Claudio Adilson Gonçalez
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