Quartos de hotéis viram escritórios em meio à crise da covid-19

Redes Accor e Bourbon trocam camas por mesas e oferecem espaços a partir de R$ 2 mil por mês a profissionais e empresas

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Por Fernando Scheller
3 min de leitura

Sem perspectiva de recuperar o nível de ocupação do início deste ano antes de 2023, hotéis aproveitam a reabertura gradual da economia para buscar opções de receita enquanto as viagens a trabalho e a turismo não dão sinais de recuperação. Uma das alternativas encontradas por duas redes – a francesa Accor, dona de marcas como Ibis e Mercure, e a paranaense Bourbon – foi transformar quartos vazios em escritórios. Com uma remodelação rápida – saem camas e criados mudos, entram escrivaninhas e cadeiras –, as companhias já começaram a alugar os espaços por valores mensais a partir de R$ 2 mil. 

Estudo da consultoria Hotel Invest mostrou que a situação é ruim para todo o setor, mas especialmente difícil para os hotéis de médio e alto padrão voltados para o mercado corporativo. Enquanto os hotéis econômicos podem chegar a 35% de ocupação média até o fim do ano, os empreendimentos de maior valor devem ficar próximos à marca de 25%. Ou seja: um hotel de 300 quartos vai ter, em média, 75 unidades ocupadas, resultando em um quase inevitável prejuízo.

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A startup Apps2mart alugou quarto no Bourbon. Foto: Alex Silva/Estadão

Em busca de saídas criativas para conter os efeitos da crise do coronavírus, a Accor – líder no mercado brasileiro – resolveu agir rápido. Em maio, lançou um produto apelidado de “Room Office”, ou quarto-escritório. A operação começou pela rede Ibis, em 25 unidades. “Começamos por São Paulo e logo percebemos uma demanda absurda para replicar em outros Estados”, conta Carlos Bernardo, diretor de hotéis econômicos e de médio padrão da Accor.

Até o próximo dia 12, de acordo com Bernardo, mais 43 hotéis pelo País vão começar a operar o modelo. Como os empreendimentos são independentes, a equipe de administração de cada hotel pode definir o tamanho do “Room Office” – pode separar uma ala de um andar, ou então um piso inteiro. O modelo de locação é flexível: “O cliente pode reservar por dia, por semana ou por mês”, explica o executivo.

Para aluguel mensal, os quartos da Accor saem entre R$ 2,2 mil e R$ 3,1 mil, dependendo do tamanho. Além do escritório, o hotel também oferece como cortesia café e lanchinhos, além de servir refeições pelo serviço de quarto. Cada unidade pode comporta até dois trabalhadores. A Accor ainda busca formas de reabrir seus hotéis no Brasil. Das 300 unidades da rede francesa por aqui, mais da metade está de portas fechadas. 

Segundo maior hotel da América Latina, o Bourbon Convention Ibirapuera, em São Paulo, tem 630 unidades e cerca de 70% do movimento concentrado no turismo de negócios. O hotel é conhecido pela grande área de eventos, que tem capacidade para acomodar até 1,5 mil pessoas. Depois de passar mais de dois meses fechada, o Bourbon Ibirapuera reabriu agora – e também aposta nos “quartos-escritório” para sobreviver.

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Segundo Fabiano Machado, diretor geral do empreendimento, 60 apartamentos estão sendo transformados em escritórios. Cada unidade tem 28 metros quadrados e pode acomodar até quatro pessoas. Além de ocupar quartos ociosos, o Bourbon espera que os escritórios também ampliem o movimento do restaurante do empreendimento, no qual é possível encomendar um almoço executivo por cerca de R$ 50. Como no Ibis, o cafezinho é cortesia.

Privacidade

Machado diz que o espaço privativo é o principal diferencial dos hotéis em relação a outras opções de escritórios temporários. “Além disso, o hotel não exige contrato e nem qualquer obrigação futura. O cliente pode pagar no cartão de crédito.” Um quarto-escritório no Bourbon Ibirapuera sai por cerca de R$ 3 mil ao mês. A empresa deve ampliar a oferta para Curitiba e Campinas (SP).

O empreendedor Rudge Masiero de Aquino, fundador da incubadora de startups Ideas, aderiu à proposta do Bourbon Ibirapuera logo nos primeiros dias. Ele usou a possibilidade de montar um escritório novo sem burocracia para separar uma das cinco empresas de seu portfólio das demais. “É uma forma de fazer o empreendedor ganhar velocidade, pois os custos da companhia não ficam mais misturados às das outras (incubadas). É uma forma de incentivar a busca do break-even (equilíbrio financeiro).”

A empresa de sinalização digital Apps2mart foi a escolhida para ocupar um “quarto-escritório”. A companhia vende uma solução que permite que supermercados façam promoções de determinados itens de seu estoque em telões instalados no ponto de venda. “Em um clique, a empresa pode mostrar a foto do produto, a descrição e o preço a partir da informação que consta do inventário”, explica. 

Aquino explica que prefere o ambiente do hotel a um coworking principalmente também para se proteger da concorrência. “No coworking, além de sua ideia poder ser copiada, existe uma interação entre as empresas. Isso abre a possibilidade de uma outra startup identificar um bom funcionário e levá-lo para trabalhar com ela. Você gasta para treinar um trabalhador e alguém acaba levando a pessoa embora. A gente acaba servindo de filtro de profissionais de outra empresa.”

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