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Quase 600 cidades ultrapassarão limite de gastos com pessoal em 2020

Teto será rompido após exigência do TCU de contabilização de funcionários de Organizações Sociais na folha de pagamentos das Prefeituras

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Por Luciana Dyniewicz
Atualização:

A partir do ano que vem, ao menos 584 municípios descumprirão a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) por ultrapassar o limite dos gastos com pessoal. Atualmente, parte dos trabalhadores dessas cidades, como médicos e professores, prestam serviços públicos via organizações sociais (OS). Por determinação da Secretaria do Tesouro, do Ministério da Economia, e do Tribunal de Contas da União (TCU), no entanto, a remuneração desses funcionários passará a ser incluída no total apurado para verificação dos limites de gastos de pessoal – fazendo com que os municípios ultrapassem o limite.

Segundo a LRF, municípios podem comprometer até 54% de suas receitas com gastos de pessoal. Hoje, de 3.002 cidades que responderam um levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), 1.100 já ultrapassam esse teto.

O relator do processo de investigação deverá ser o ministro do TCU Bruno Dantas. O ministro é relator das contas do governo Jair Bolsonaro Foto: MARCOS OLIVEIRA/AG. SENADO

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As OS foram criadas sob a justificativa de que, em algumas atividades, entidades privadas poderiam prestar um serviço melhor e mais bem administrado que a esfera pública. Logo, porém, viraram uma ferramenta para que Estados e municípios não ultrapassassem o limite da LRF, mas, mesmo assim, pudessem oferecer certos serviços.

Pesquisa da CNM com 4.144 cidades aponta que 32,2% delas possuem contratos com OS. Dessas, 78,6% não contabilizam os salários dos funcionários das organizações na folha de pagamentos do Executivo e 44,1% (ou 584) ultrapassariam o limite caso incluíssem os trabalhadores nos cálculos da LRF.

O presidente da CNM, Glademir Aroldi, afirma que a medida exigida pelo TCU e pela Secretaria do Tesouro terá como efeito colateral o fim da prestação de serviços públicos importantes. “Pessoas menos favorecidas e que mais precisam desses serviços serão as mais prejudicadas”, diz.

Ainda de acordo com a pesquisa da CNM, das cidades que possuem contratos com OS, 79,7% teriam de cancelar a política pública se não pudessem contratar as organizações. A maioria dessas entidades privadas presta serviços nas áreas de saúde, assistência social e educação. Em 85 cidades, no entanto, até a segurança pública é atendida por OS.

Impacto em serviços básicos

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Em Pancas (ES), por exemplo, há organizações sociais em serviços de saúde, assistência social e saúde. São cerca de 100 funcionários trabalhando nessas entidades, enquanto o Executivo contrata aproximadamente 950 servidores. Na cidade de 23 mil habitantes, só há creche pública de OS, conta o prefeito Sidiclei Giles de Andrade (PDT).

A creche do município atende 300 crianças, é tocada por uma fundação ligada à Igreja Presbiteriana e recebe R$ 700 mil da Prefeitura por ano. De acordo com Andrade, no ano que vem, parte dessa estrutura poderá ser desmontada por causa da inclusão dos salários dos funcionários das OS na folha de pagamentos municipal.

“Ainda não tenho um cálculo de quanto aumentaria nosso gasto com pessoal, mas seria impossível manter as atividades sem OS. Estamos em 49% (da receita comprometida com folha de pagamentos); o limite prudencial (a partir dele, aumentos e novos cargos são proibidos) é 51,3%.”

Tanto o prefeito de Pancas quanto o presidente da CNM afirmam que centenas de cidades estão em situação fiscal delicada porque serviços antes prestados pelo governo federal foram transferidos para os municípios sem que houvesse um repasse de verba correspondente.

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Aroldi dá como exemplo a Estratégia da Saúde da Família, em que equipes multidisciplinares atendem comunidades. Apesar de ter sido criado pelo governo federal, parte do programa é bancado pelos municípios. “Transferiram responsabilidades que não eram nossas para nós, mas não transferiram recursos. Por isso, na reforma tributária, vamos brigar para ter uma participação maior (nas receitas)”, diz.

“A sociedade não quer saber se a responsabilidade (de oferecer um serviço) é do município ou da União. Quer uma resposta ao problema, por exemplo, da segurança. O município acaba precisando resolver a situação, muitas vezes através das OS”, acrescenta o presidente da CNM.

Para a economista Ana Carla Abrão Costa, sócia da consultoria Oliver Wyman, no entanto, governadores e prefeitos precisam admitir que existe um problema estrutural: “Os gastos obrigatórios estão em níveis insustentáveis”, diz. “A situação é parecida ao de um empregado de uma empresa quebrada que quer aumento.”

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Segundo ela, em muitos casos, as OS melhoraram os atendimentos públicos, mas resultaram na ampliação dos gastos com pessoal. “Apesar das organizações, os gastos com a área administrativa continuaram aumentando”, afirma.  

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