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Que Obama nos ajude!

Por Sandra Polónia Rios
Atualização:

A posse de Barack Obama suscitou na imprensa brasileira variadas especulações sobre como o Brasil será afetado pelos novos rumos da política externa norte-americana. Como costuma acontecer em épocas de mudanças relevantes na condução da maior potência mundial, a ansiedade quanto à prioridade que será conferida à América Latina e, em particular, ao Brasil na política externa dos EUA dominou os debates. A presumida preferência dos democratas por políticas comerciais protecionistas esteve presente na maioria das análises. Mas no cenário atual essas não são as perguntas relevantes. O que de melhor pode acontecer para o Brasil no médio prazo é que o novo governo dos EUA seja capaz de liderar um processo de rearrumação da economia mundial. Os riscos de maior protecionismo não vêm da instalação de um governo democrata nos EUA, mas estão centrados no desequilíbrio entre o excesso de oferta e a demanda nos mercados internacionais de bens, instaurado com a crise financeira internacional. Caso esse desequilíbrio persista, os riscos de que os países com excedente de oferta busquem eliminar essa situação com subsídios - que indiretamente favoreçam as exportações - e restrições à demanda de produtos estrangeiros, e que isso desencadeie uma onda de reações defensivas generalizadas, não são pequenos, como chamou a atenção o colunista do Financial Times Martin Wolf em seu livro Fixing Global Finance. Se o esforço de recuperação da demanda mundial fracassar, o resultado poderá ser o ressurgimento do protecionismo de forma muito mais generalizada do que eventuais preferências do Partido Democrata norte-americano poderiam sugerir. Esses riscos se somam a uma tendência que já se fazia notar na economia mundial desde o início desta década. O final dos anos 90 trouxe uma mudança ambiental importante no que se refere às visões sobre liberalismo econômico e benefícios da globalização. Nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ganhou força a percepção de que a globalização teria ido "longe demais" e que o crescimento da interdependência econômica promove a convergência para padrões ambientais e sociais mínimos, ameaçando valores culturais das sociedades desses países. A maior hostilidade das sociedades aos processos de liberalização comercial e as críticas crescentes à globalização - nos países desenvolvidos e nos em desenvolvimento - já vinham dificultando a conclusão das negociações da Rodada Doha, como também de qualquer acordo regional ou bilateral envolvendo países relevantes no comércio internacional. As respostas dos países desenvolvidos à disseminação dos non-trade concerns vinham se apresentando sob a forma de estabelecimento de novos regulamentos técnicos ou de medidas que implicam barreiras ao comércio para produtos de países que não adotem legislações sobre mudança do clima compatíveis com as implementadas nos países do Norte. O risco agora é que a essas barreiras ao comércio sejam agregadas velhas formas de proteção, como uma nova onda de subsídios industriais - sob a roupagem de ajuda a grandes empresas - ou mesmo a imposição de formas mais rudimentares de barreiras às importações, como a elevação de tarifas alfandegárias ou a intensificação do uso de instrumentos de defesa comercial. No Brasil, a cultura protecionista, moldada pelas características de baixo coeficiente de comércio, vinha apresentando nos últimos anos sinais de mudança. A partir do início desta década, o "amadurecimento" de transformações iniciadas nos anos 90 - consolidação de um agronegócio competitivo e integração, por grandes empresas, da exportação a suas estratégias de crescimento -, o dinamismo da economia mundial e o apetite chinês por commodities convergiram para produzir um boom exportador que aumentou substancialmente o coeficiente de comércio da economia brasileira. Esse processo tem sido acompanhado por um movimento de investimentos diretos de empresas brasileiras no exterior. A evolução propiciou a emergência de interesses mais ofensivos quanto à perspectiva de integração internacional do País, tanto no setor privado quanto no público. O crescimento das exportações brasileiras na década atual respondeu aos ganhos de produtividade internos e ao cenário internacional favorável. A política comercial empreendida pelo País nesse período não apoiou esse processo. Ao contrário, as negociações comerciais regionais ou bilaterais em que o País esteve envolvido desde meados da década de 90 não geraram nenhuma melhoria relevante nas condições de acesso a mercados externos para produtos brasileiros. O processo de aprofundamento da inserção internacional das empresas brasileiras - fundamental para impulsionar ganhos de competitividade, eficiência e inovação - está em risco diante do novo contexto internacional. A pior resposta que o País pode dar neste momento é fomentar movimentos protecionistas ou a construção de blocos econômicos como fortalezas comerciais, como propôs o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, em artigo publicado no Valor Econômico de 22 de janeiro: "O estreitamento do Mercosul com a Unasul pode permitir o reforço de acordos supranacionais que agilizem a integração produtiva, esvaziando a subordinação das trocas com os países desenvolvidos, atualmente em recessão." Como mostram os dados da balança comercial brasileira, desde o segundo trimestre de 2008 as exportações do Brasil para América do Sul vêm crescendo a taxas inferiores às exportações totais do País. Nossas respostas ao atual contexto internacional devem ser a busca de mais comércio com o mundo todo, a diversificação de mercados e a firme atuação em todos os foros internacionais na luta contra o retorno do protecionismo. Enfrentar esses desafios será mais fácil se os desequilíbrios reinantes na economia mundial forem enfrentados com maior coordenação e cooperação internacional. Que Obama nos ajude! *Sandra Polónia Rios, economista, é diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes)

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