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Quebrando o tabu da crise

Por SUELY , CALDAS , JORNALISTA , PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR , SUELY , CALDAS , JORNALISTA e PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR
Atualização:

Os representantes de 187 países reunidos na assembleia anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) produziram muito blá-blá-blá e não conseguiram esboçar sequer um início de proposta para tentar resolver a crise que se espalha perigosamente pelo mundo. O pessimismo quanto ao futuro foi a tônica de todos, mas não avançaram e ficaram só na constatação, expressa nas análises dos dirigentes de organismos multilaterais. A diretora-geral do fundo, Christine Lagarde, alertou: "A situação global está entrando em momento perigoso, o caminho da recuperação está mais estreito, em 2008 era mais largo". O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, aconselhou países emergentes: "Não façam coisas estúpidas, não naveguem para o protecionismo". E o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, descreveu o óbvio: "O ajuste fiscal dos países não pode ser tão rápido que mate o crescimento nem tão devagar que mate a credibilidade". E perdeu-se a oportunidade de discutir uma saída viável aproveitando a presença de 187 países.Os motivos que levaram Europa e EUA à crise - desequilíbrio nas contas públicas e incapacidade de pagar a dívida soberana dos governos - são os mesmos vividos pela América Latina nos anos 80. Para esses países, na época chamados "em desenvolvimento", o dilema começou em 1982, com a moratória do México (o Brasil recorreu duas vezes à moratória, nos governos Figueiredo e Sarney), e a solução só veio sete anos depois, em 1989, por meio de um plano arquitetado pelo então secretário do Tesouro dos EUA, Nicholas Brady.O Plano Brady consistia na troca da dívida externa dos países em crise por bônus novos, os bradies, que incorporavam o abatimento da dívida, com redução do principal e alívio nos juros. Na verdade, era um perdão parcial da dívida e alongamento dos prazos de pagamento. Como na crise atual, na época os devedores eram os governos dos países; os credores, bancos privados; e a participação dos dois lados se dava por adesão. Muitos países aderiram, entre eles o Brasil. E o plano funcionou. Tirou os governos do sufoco, deu-lhes tempo para reorganizar e recuperar suas economias e construir condições para seguir pagando seus compromissos. Se hoje o País vive a confortável situação de credor líquido externo, deve em parte à adesão ao Plano Brady, embora ela tenha sido concluída só em 1994.No cenário político e social, a nossa "década perdida" dos anos 80 é reprisada hoje na Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália, que vivem ameaças de desinvestimento, recessão e empobrecimento. As greves e protestos de rua contra desemprego, cortes de salários, redução das aposentadorias e muitos outros dramas sociais da Europa de hoje foram cenas também vividas pela América Latina nos anos 80. Nós perdemos a década, é passado. Eles podem perder, é presente. É apenas o início. Mas, antes que a crise se torne global, é preciso encontrar uma solução. Os governos dos EUA e da União Europeia, o FMI e os países do G-20 têm responsabilidade na busca de uma saída. E que seja rápida.O Plano Brady só chegou em 1989, uma década após a América Latina mergulhar no caos social - empobrecimento, privações e sofrimento da população - decorrente do desequilíbrio financeiro dos governos e de uma dívida que ficava mais impagável à medida que crescia. Se a Europa não quiser viver tal agonia, que construa rápido uma solução.A francesa Christine Lagarde convocou ainda os países emergentes a contribuírem com dinheiro para uma operação de salvamento da Europa. Dilma Rousseff respondeu cobrando uma decisão rápida, mas restrita à Europa. Alemanha, França e FMI já socorreram a Grécia, mas não foi suficiente, há uma segunda ameaça de calote. E haverá uma terceira, com grande chance de contaminar Portugal e os demais.Moratória é solução ruim para todos, mas não deve ser tratada como tabu. É sempre o último recurso. Porém, se ela surge como inevitável, que seja amigável, organizada, negociada, consentida. Como o Plano Brady. Todos vão perder, mas a perda será maior se tardar demais. Será o caso da velha Europa?

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