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Queda do investimento e recessão

Os últimos dados das contas nacionais mostraram que o País está mergulhado numa recessão profunda, com quedas expressivas tanto dos investimentos (produção de máquinas, equipamentos e construções) quanto do consumo das famílias. Comparados a igual trimestre de 2014, esses componentes da demanda agregada caíram inacreditáveis 15% e 4,5%, respectivamente. Há evidências sólidas de que o principal elemento desencadeador do atual ciclo recessivo foi a queda dos investimentos. Modelo estatístico simples mostra que 86% da taxa de variação da média móvel de 4 trimestres do PIB é explicada pelas flutuações do investimento, ou Formação Bruta de Capital Fixo, no jargão técnico. Isso torna a atual recessão brasileira particularmente perversa. Quedas persistentes do investimento não só contraem a demanda agregada (efeito de curto prazo), como reduzem a capacidade de crescimento futuro da economia, ou seja, o PIB potencial. Permita-me o leitor começar a análise com um pouco de teoria.Teoria do investimento. Segundo John Maynard Keynes (1883-1946), o primeiro estudioso a elaborar uma teoria para entender o comportamento do investimento privado, o empresário toma a decisão de investir com base na comparação entre a taxa de retorno esperada do investimento (eficiência marginal do capital) e o custo de oportunidade dos recursos a serem investidos, que é dado pela taxa para obtenção de fundos ou de aplicação deles no mercado financeiro. Em qualquer decisão de investimento, o agente econômico se vê obrigado a antever a evolução futura e, portanto, incerta do mercado para o seu produto. Assim, investir envolve tomar decisões sob condições de incertezas, daí a enorme importância das expectativas. As ideias de Keynes foram ampliadas e parcialmente modificadas por outros economistas, mas em sua essência permanecem como o principal arcabouço teórico para a compreensão das flutuações do investimento. Com essa base teórica em mente, é fácil de entender por que instabilidades macroeconômicas, como as vividas atualmente pelo Brasil, caracterizadas por descontrole inflacionário, desajuste das contas públicas, crise política, fragilidades institucionais e intervenções arbitrárias do governo na economia são fatores inibidores dos investimentos.Políticas públicas. Para analisar melhor a despencada recente do investimento no Brasil, utilizarei excelente trabalho de pesquisa elaborado pelo Centro de Estudos do Ibmec (Cemec), sob a coordenação do professor Carlos Antonio Rocca, recentemente divulgado. O Cemec trabalhou com dados dos balanços de uma amostra de 761 empresas, composta pela totalidade das companhias de capital aberto e pelas maiores sociedades de capital fechado, para o período de 2010 a 2014. A amostra é altamente representativa do setor empresarial brasileiro, pois, em 2010, essas empresas respondiam por mais de 63% dos investimentos apurados pelas contas nacionais, porcentagem que cai para 40% em 2014, ainda assim significativa. Os principais achados desse trabalho são resumidos a seguir: Metade da queda do investimento como proporção do PIB apurada na amostra ocorreu nas empresas afetadas diretamente pelas políticas públicas empreendidas no primeiro mandato da presidente Dilma. Fazem parte desse grupo 40 empresas, sendo 19 de energia elétrica, 9 petrolíferas e 12 do setor de etanol. A indústria de transformação, por sua vez, respondeu por 34% da queda do investimento na amostra. Somada às empresas afetadas diretamente pelas políticas públicas, apenas esses dois grupos explicam 84% da queda do investimento no período analisado. Houve forte contração do lucro líquido nas empresas da amostra, principalmente no grupo das afetadas pelas políticas públicas, que explicam 64,3% dessa queda. No caso das empresas afetadas diretamente pelas políticas públicas, boa parte delas estatais, a redução dos lucros não foi acompanhada por queda dos dividendos na mesma proporção. Pior: esse grupo pagou dividendos maiores que os lucros, o que exauriu suas poupanças (lucros retidos) e, portanto, afetou perversamente sua capacidade de gerar fundos para financiar o investimento. Essas constatações ilustram de forma contundente o desastroso efeito sobre o investimento provocado pelas políticas públicas empreendidas pelo governo até o ano passado. Estamos falando, é claro, do controle de preços dos combustíveis para conter artificialmente a inflação, da obrigatoriedade de conteúdo nacional nos investimentos do setor de petróleo, do cabide de emprego em que se transformou a Petrobrás, da corrupção que está sendo apurada pela Operação Lava Jato, da canetada nas tarifas de energia elétrica e da má gestão dos investimentos em geração e transmissão que deixou o setor elétrico muito dependente da meteorologia, dentre outras muitas atrocidades. De certa forma, tudo isso já era de amplo conhecimento dos analistas, mas o estudo quantifica, com rara acurácia, o tamanho do estrago provocado pelos equívocos da política econômica do primeiro mandato Dilma.Propostas. Mas as constatações do estudo do Cemec não devem ser vistas só pelo lado negativo. O aumento dos principais preços administrados, especialmente energia elétrica e gasolina, ao recompor a rentabilidade desses setores, já marca o início do processo corretivo. Mas é preciso que a prática de reajustes realistas desses preços seja mantida e que sejam estabelecidas regras claras para essa política. O aumento da Cide, que tenho defendido, além de dar uma perspectiva positiva ao setor de etanol, também poderia ajudar significativamente o ajuste fiscal. Além disso, é preciso retomar as concessões em infraestrutura, com taxas de retorno realistas para tornar possível o financiamento pela modalidade de project finance e assim reduzir o peso do crédito subsidiado do BNDES. Finalmente, há que resolver, ou pelo menos mitigar, a crise política, o desajuste das contas públicas e a escalada da inflação. Como nos ensinou Keynes, a redução das incertezas é crucial para encorajar o investimento.

Por Claudio Adilson Gonçalez
Atualização:

*Economista, diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda