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Queixas de consumidores no Brasil crescem junto com a classe média

Especialistas observam discrepância entre recursos que empresas investem em publicidade e estrutura.

Por Jefferson Puff
Atualização:

Os recentes indicadores de insatisfação dos consumidores com a qualidade de serviços, produtos e atendimento no Brasil apontam um aumento nas reclamações em nível semelhante ao crescimento da classe média, que está em franca ascensão. De acordo com a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), que agrupa informações enviadas por 24 Procons estaduais e 146 municipais, o número de queixas de consumidores insatisfeitos subiu de 476 mil em 2010 para 535 mil no ano passado. Apenas no primeiro semestre de 2012, a entidade registrou 341 mil reclamações. Diferentes rankings apontam que os serviços que mais têm deixado os consumidores insatisfeitos são os de telecomunicações (telefonia móvel e fixa, internet e TV por assinatura), transportes, energia, saneamento, bancos e outras instituições financeiras. Entre as queixas registradas pela Senacon nos primeiros seis meses deste ano, 87% dizem respeito a empresas dos setores bancários ou de telecomunicações. Não por acaso, esses dois setores foram os que mais cresceram com o sistemático aumento das classes C e D nos últimos anos. E a "nova classe média" deve aumentar: estudo conduzido pelo pesquisador Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), indica que 118 milhões de pessoas estarão na classe C (renda familiar mensal acima de R$ 1.750) até 2014, perfazendo 60% da população brasileira. De acordo com o estudo, o número de integrantes da classe média saltou de 65,9 milhões para 105,4 milhões entre 2003 e 2011. Para Neri, há muitos fatores envolvidos na relação entre o crescimento da classe C e a incapacidade de empresas e prestadoras de serviços de melhorar padrões de qualidade. "Houve o movimento de 'dar pessoas aos mercados', e isso ajudou a manter as rodas da economia girando", avalia o economista. "Agora é preciso 'dar mercados decentes às pessoas'." Investimento Especialistas ouvidos pela BBC Brasil também apontam que, entre as razões para os problemas com a qualidade de serviços no país, evidenciada na recente punição da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) às operadoras de celular, está uma crônica defasagem de investimento. Segundo os analistas, há uma discrepância entre o volume de recursos destinados a publicidade e marketing, para atrair cada vez mais clientes, e os dispensados na expansão estrutural e de atendimento pós-venda, sobretudo na telefonia móvel. Para Juliana Pereira, secretária nacional do consumidor, a origem do problema é simples: há cada vez mais pessoas com poder aquisitivo na "nova classe média", e não houve investimento nem planejamento para absorver essas novas demandas. "Venderam mais do que tinham condição de suportar", afirma a secretária. "Isso é ilegal, fere o princípio mais básico da relação de consumo." Pereira lembra ainda que há 256 milhões de linhas de celular ativas no país, mais do que os 191 milhões de brasileiros. "O novo sonho de consumo das classes C e D é o smartphone", avalia. "Há pessoas que chegam a ter três chips no mesmo aparelho, e nossa telefonia é uma das mais caras do mundo, com alta universalização. Só não temos qualidade." "Além das falhas de planejamento, há a questão matemática", acrescenta a secretária. "Telecomunicações e bancos são serviços de massa, de uso diário, capilarizados por todo país. Faz sentido que tenham o maior número de queixas." Bancos Maria Inês Dolci, coordenadora da associação de consumidores ProTeste, diz que o boom da classe média também é explorado por bancos e instituições financeiras, que muitas vezes chegam a omitir dos novos clientes a gama de serviços básicos gratuitos disponíveis. "Há muita propaganda, muito estímulo, e pouca informação", afirma. "Constatamos que, para muitos clientes, pouco depois torna-se difícil até manter a conta aberta, devido às taxas. Os gerentes empurram um pacote de tarifas ao correntista, omitindo os serviços gratuitos." "As classes C e D estão tendo cada vez mais acesso a bens de consumo e serviços sem estarem preparadas para isso", avalia Dolci. "A maior distribuição de renda é positiva, mas é preciso haver uma educação para entender o mercado", acrescenta a coordenadora da ProTeste. "Precisamos aproveitar esse momento para aperfeiçoar as relações de consumo no Brasil." Para o diretor do Procon de São Paulo, Paulo Arthur Góes, os prestadores de serviço no Brasil não estão sabendo "absorver" os novos clientes que entram no mercado ao conquistar a ascensão social. "O investimento foi totalmente canalizado para aumentar as vendas. Os gargalos vão aparecer cada vez mais, em setores como aviação, transportes, bancos, telecom e e-commerce", diz. Na visão dele, as medidas recentes da Anatel (que temporariamente proibiu a venda de chips de Claro, Oi e TIM, por considerar que faltavam investimentos em infraestrutura para atender os consumidores) são bem-vindas, mas ainda é muito cedo para saber se constituem algo isolado ou se indicam o início de um movimento que pode se solidificar no governo e até se espalhar para outras agências. "Sem dúvida é uma novidade, porque foram anos de inércia das agências. É cedo para determinar se isto vai ser a tônica ou se é algo isolado. Elas têm atuado de forma muito distante dos consumidores, dos usuários, e mais próximas dos agentes econômicos." BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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