PUBLICIDADE

'Quem muda o mundo são os não conformistas', diz fundador do RenovaBR

Eduardo Mufarej conta a luta do grupo, criado em 2017, para capacitar novas lideranças que ‘desafiem o status quo das realidades’

Por Sonia Racy
Atualização:

A política brasileira “tem um problema estrutural de governança” que não se resolve com eleições democráticas a cada quatro anos. É preciso formar novos líderes – e foi com essa ideia que o empresário Eduardo Mufarej* decidiu criar, em 2017, o RenovaBR, já que renovar “não é o forte do mundo político”. Em 2018, o grupo emplacou 17 eleitos – um senador, nove deputados federais e sete estaduais, somando 4,5 milhões de votos. Em 2020, mais 147, entre prefeitos e vereadores.

PUBLICIDADE

Nesta conversa com Cenários, Mufarej dá o tom da mensagem passada até agora a seus mais de 2 mil “alunos”: “Sejam não conformistas, desafiem a realidade”. Pois o que se vê hoje no País, adverte, é “toda uma estrutura criada para remunerar um sistema já montado”. E o Brasil tem “um enorme espaço para inovação”.

Paulistano e filho de um imigrante sírio-libanês, Mufarej fez carreira na área de investimentos. Participou em 2003 da criação da gestora de recursos Tarpon, presidiu a Somos Educação, que mais tarde incorporou a Abril Educação. Em 2017, decidiu “tirar um sabático cívico” para montar o projeto do RenovaBR – uma “escola” apartidária, que contribui para a formação de quem deseja entrar na política. Não impõe opiniões, não proíbe ninguém de entrar em partido algum e não cobra realizações. Quer, simplesmente, formar lideranças “que desafiem o status quo da realidade”. Seu olhar é para as futuras gerações: “As pessoas precisam entender que o real valor está no agora, e na sua disposição de serem bons ancestrais”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

'Precisamos de um movimento da sociedade, muita gente engajada num processo de transformação', diz Eduardo Mufarej. Foto: Karine Barbosa - 19/8/2021

Você começou no mercado financeiro e chegou à criação do Renova. Como foi essa caminhada?

Comecei a trabalhar em 1995, portanto há milhares de anos atrás. Fiz estágios e acabei me consolidando na área de investimentos. Em 2003, me juntei a outros sócios para criar uma pequena gestora de recursos, a Tarpon Investimentos. Ela fez todo tipo de investimento – em Bolsa, em empresas privadas, plataformas, pipelines. Em seguida, assumi a Somos Educação, na qual investimos. E de lá saí disposto a dedicar dois anos ao Brasil – uma espécie de sabático cívico para liderar a criação do RenovaBR, onde ajudei a formar a primeira turma.

A ideia do RenovaBR saiu do nada? Ou viu antes algo parecido lá fora?

Quando a gente criou, não havia nada parecido. Apenas algumas ações próximas, como os institutos de formação dos partidos Democrata e Republicano, nos Estados Unidos, e do Partido Socialista francês. Mas, veja, essas são todas entidades partidárias. A nossa inovação é ser apartidário. A ideia é acolher sabendo que tem gente boa nos diferentes espectros ideológicos da política brasileira. 

Publicidade

Explica um pouco como isso funciona no concreto.

O Renova começou em 2017, com a vocação de receber e qualificar gente boa disposta a entrar na política. O programa lembra um pouco esses bootcamps, um cursinho pré-vestibular, com um processo seletivo super-rígido, onde concedemos bolsa para quem foi aprovado – quer dizer, sem custo financeiro. Desde 2018, formamos quase 2 mil alunos, dos quais, até aqui, mais de mil viraram candidatos. E muitos outros foram trabalhar no setor público. 

E como funciona a arrecadação? Quem paga?

O Renova se sustenta com doações de pessoas físicas e entidades filantrópicas. Daí já perguntam: ‘Como é que pode, as pessoas vão influenciar...’ É porque muitos partem do princípio de que está todo mundo à venda. Isso não é uma realidade. Tem gente que projeta nos outros os seus conceitos. A ideia no Renova é que, se a gente não abrir um caminho para pessoas que queiram participar da política, elas não vão. E não achamos justo cobrar pela formação. Se depois a pessoa vai ser eleita ou não, o eleitorado é que vai decidir.

Vocês não financiam campanha, né?

Não. Nem poderíamos, tem uma proibição para essa atividade. A população é que vai para a urna e escolhe. Depois, que essa mesma população cobre do seu candidato.

Tem limite de idade?

Publicidade

Não. O processo de seleção que implantamos é muito difícil, pode crer.

E como as pessoas são selecionadas? Onde entra, nisso, a avaliação ética?

A gente tem um processo supersofisticado de avaliação, sete etapas, e ainda assim não garante tudo. Você vai avaliando o indivíduo, como ele se comporta diante de dilemas éticos. Vai se testando um pouco da flexibilidade ética de cada pessoa. E a gente não quer o cinza, é branco ou preto, isto aqui pode, aquilo não pode. 

Dos candidatos que já foram eleitos, vocês exigem algo depois de formados?

Não. 

Fazem um acompanhamento das ações e atitudes de cada um eleito? 

Temos um programa de formação continuada para quem quiser prosseguir na rede. Recentemente, fizemos um workshop de planejamento de meio de mandato para quem está na esfera municipal. Temos também ferramentas para prefeitos. Fizemos um intercâmbio grande com a Dinamarca. A participação nessas iniciativas é voluntária, entra quem quiser. 

Publicidade

Você sente que tem havido maior conscientização do eleitor? E mais transparência, nestes tempos de redes sociais?

Acho que, se o eleitor quiser fazer uma pesquisa melhor sobre candidatos, ele faz. Mas, se ele reagir de forma cínica, dizendo que ‘político não presta’, ou ‘tanto faz eu votar neste ou naquele’, e achar que sua vida pode mudar, está profundamente equivocado. Mas as ferramentas estão aí. Em 2020, apoiei uma iniciativa chamada Tem Meu Voto. Ela vai existir em 2022. Nela você coloca suas dúvidas, os candidatos respondem e você tem um ‘match’ por afinidade. A tecnologia pode ajudar muito a se votar melhor. Basta querer.

Por que você não participou até agora do processo eletivo brasileiro?

Porque eu acho que uma andorinha só não faz verão. Precisamos é de um movimento da sociedade, coletivo, muita gente engajada num processo de transformação. Vemos o Renova como um potencializador de atores, de empreendedores cívicos. Se eu virasse candidato a qualquer cadeira no Congresso ou do Executivo, iria subverter todo o programa.

Existe alguma projeção do tipo: daqui a 10 anos o Renova terá “x” pessoas no Congresso, algo assim?

Nossa projeção é sobre aquilo que a gente controla, a formação de pessoas. Quantos entram, quantos se formam, quantos se candidatam. Nosso principal indicador é o número de candidatos entre os que cursaram o programa. 

Como gestor de investimentos, de que forma vê a economia mundial nessa confusão de pandemia e liquidez?

Publicidade

Estamos num momento diferente de tudo o que se viveu desde o pós-guerra. Temos ao mesmo tempo um cenário de pandemia mais um ciclo de expansão, de bancos centrais pelo mundo imprimindo dinheiro. O debate é se essa inflação de agora é transitória ou estrutural. Minha visão é mais para o transitório. 

Você acredita que um novo tipo de capitalismo está surgindo? Ou ele vai voltar a ser como antes? 

Vamos separar a resposta em duas partes. Primeiro, o custo do dinheiro está no menor nível da história. O que é bom para o Brasil, porque aqui o dinheiro sempre foi muito caro, é difícil você ter acesso a capital para empreender, ter acesso a créditos. Então, o atual cenário de liquidez global é positivo, ele financia a produção, a infraestrutura, e garante uma taxa de juros mais baixa. Quanto ao comportamento do capitalismo, ele precisa ser aperfeiçoado, isso é óbvio. E que não se pense na prosperidade sem inclusão, sem equidade, sem meritocracia. Essa meritocracia deve ter como premissa que todos comecem de uma mesma base – o que, hoje, não é a nossa realidade. Acredito que essa é a grande questão deste nosso tempo. Traduzindo: o campo tem de ser igual para todos. Nesse sentido, acho que o juro baixo de agora é uma bênção.

Mas ele tá subindo...

Está, sim, mas perto do que a gente já viu... O Brasil sempre teve um apetite de risco muito baixo, porque os investidores, aqui, sempre obtiveram retorno do capital com um risco muito pequeno. 

O que você, Eduardo, pessoa física, acha da atual política brasileira? Faria um retrospecto rápido?

A política brasileira tem hoje um problema estrutural de governança. Temos eleições a cada quatro anos, e períodos de turbulência. E um cenário partidário muito fragmentado, no qual qualquer governante tem enorme dificuldade para compor maioria – e assim não se avança. E não é o voto impresso que vai mudar esse quadro.

Publicidade

Acredita que o voto distrital traria maior equilíbrio ao Congresso?

Acho que sim. O modelo que temos, de voto proporcional em lista aberta, leva a uma enorme quantidade de candidatos. É um sistema ruim. E creio que o distritão em si não resolve, sou mais o distrital misto. O que precisamos é reduzir o volume de candidaturas e o custo da eleição.

Com tudo o que as pessoas estão passando, depois da pandemia, teremos adiante um mundo melhor?

Creio que alguns lugares vão se sair melhor, outros não. E que essa recorrência da pandemia tende a se acelerar. E acho que o Brasil precisa fazer a lição de casa na questão do aquecimento global, que está ganhando enorme peso. Determinados pontos terão de ser trabalhados. Por exemplo, como se vai promover a produtividade.

Mas como fazer as pessoas pensarem nas crianças e no futuro, num tempo em que elas mesmas não vão estar por aqui?

As pessoas precisam entender que o real valor está no agora, e na sua disposição de serem bons ancestrais. Todos deveríamos ter essa preocupação, a de sermos bons ancestrais. Às vezes, você planta uma árvore que nunca vai ver, mas alguém vai ver e usufruir. 

Além desse, qual recado você deixa, aqui, para quem pensa no futuro?

Publicidade

Vou lembrar que os não conformistas é que têm o poder de mudar o mundo. No Brasil, a gente sempre se conforma com as coisas, dizemos que ‘sempre foi assim, nada vai mudar’ etc. Mas o País pode, eu vejo assim, ser um grande espaço de inovação e transformação, as oportunidades estão aí. O convite que deixo é: não sejam conformistas, desafiem o status quo das realidades. Como fez o Renova. Mercados emergentes como o nosso podem ser grandes hubs e vetores de inovação. 

*QUEM É: GESTOR DE INVESTIMENTOS, FUNDOU E COMANDOU A TARPON INVESTIMENTOS (2003-14), DIRIGIU A ABRIL EDUCAÇÃO (2014-18), CRIOU O RENOVABR (2017) E O GOOD KARMA VENTURES (2020)

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.