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Quem são os vilões da crise financeira mundial?

Por Michael Prest
Atualização:

Quando uma crise econômica irrompe, geralmente há uma premência para identificar os perpetradores e vê-los sofrer. Deixar os especuladores falirem parece justo, além de gratificante. Os mercados dão e tomam. Mas a crise de crédito deste verão (no Hemisfério Norte) é uma lição sobre as complexidades do gerenciamento do mercado - se você não intervir, arrisca-se a arruinar o mercado todo e a prejudicar inocentes e culpados; se você socorrer financeiramente os especuladores, arrisca-se a incentivar o comportamento imprudente da próxima vez - o que é conhecido como ''''risco moral''''. Certamente que o mais recente drama do capitalismo está repleto de vilões. A trama desenvolveu-se mais ou menos assim: entre 2001 e 2006, os Estados Unidos viveram um surto de crescimento imobiliário fomentado pelas baixas taxas de juros. O mito dos preços sempre em crescimento seduziu especuladores e pessoas com antecedentes duvidosos de crédito a acorrerem aos montes ao mercado. Os corretores de hipoteca e bancos ficaram felizes em servi-los. Há seis meses, no pico máximo do mercado, o valor das hipotecas de alto risco no país era US$ 1,3 trilhão, ou seja, 13% do total. Os financiadores venderam as hipotecas para bancos de investimentos, onde modeladores matemáticos as desmontaram e remontaram como novos investimentos ''''estruturados'''' com retornos atraentes e - supostamente - baixo risco. As agências de classificação de risco conferiram aos investimentos classificações de crédito otimistas. Os bancos de investimentos, então, as venderam a clientes tais como fundos hedge, que financiaram suas operações levantando dinheiro (freqüentemente dos mesmos bancos de investimentos) por meio da emissão de valores mobiliários de curto prazo respaldados por suas propriedades de ativos lastreados por hipotecas reestruturadas. Todo mundo estava alegremente mantendo a Veuve Clicquot e a Versace em operação até que as taxas de juros dos EUA subiram e os preços das casas pararam de crescer. O pagamento das hipotecas começou a falhar. Como era a entrada desses recursos que, em última análise, lastreava os instrumentos que, a essa altura, já haviam mudado de mãos muitas vezes, o valor dos instrumentos tornou-se questionável. As estimativas de valor sempre dependeram de modelos matemáticos complexos e obscuros, mas as pressuposições que alicerçavam os modelos não mais se sustentavam. Quando o valor das propriedades dos fundos hedge desapareceu num buraco negro estatístico, os bancos que tinham emprestado dinheiro a eles exigiram mais garantia para seus empréstimos. Não havia mais mercado para os instrumentos recém-renovados porque os modelos de computador não conseguiam cotá-los em circunstâncias que não haviam sido previstas. Assim, os fundos tentaram levantar dinheiro vivo liquidando suas propriedades, tais como ações, precipitando um colapso que minou ainda mais sua credibilidade. Nessa etapa, o mercado estava inundado de boatos de falências. Sem saber quem merecia crédito, os bancos pararam de emprestar dinheiro uns aos outros e os mercados se contraíram. Bancos centrais como o Federal Reserve dos EUA tiveram de injetar centenas de bilhões de dólares no mercado para impedir uma paralisia. Alguns nomes importantes sofreram baixas. O Bear Stearns, um dos principais bancos de investimentos de Nova York, foi obrigado a fechar dois de seus fundos. Uma porcentagem significativa dos empréstimos hipotecários era fraudulenta - tomadores de empréstimos que superestimaram sua renda e ativos ou até mesmo mentiram que tinham um emprego. Os corretores de hipotecas fizeram vista grossa e recolheram suas comissões dos financiadores. Os financiadores incharam seu balanço patrimonial com empréstimos duvidosos e depois rapidamente transferiram o risco para os bancos de investimento. Para não serem sobrepujados, os bancos de investimentos criaram instrumentos impossíveis de serem avaliados adequadamente. Impassíveis, as agências de crédito abençoaram os investimento estruturados em troca de taxas mais altas que as usuais. Os bancos de investimento embolsaram a diferença substancial entre o preço das hipotecas compradas dos financiadores e o preço ao qual eles conseguiram descarregar investimentos estruturados nos fundos hedge. Os fundos hedge tomaram emprestado até nove vezes o seu capital para ''''engrenar'''' seus modelos de investimentos. Fundos de pensão e companhias seguradoras investiram em fundos hedge para tentar elevar os retornos dos mantenedores de sua política. O Fed estima que, quando a poeira baixar, os investidores terão perdido entre US$ 50 bilhões e US$ 100 bilhões - e isso exclui processos judiciais obrigatórios. Definitivamente, eles são vítimas. Mas existem criminosos? Legiões de regulamentadores e incontáveis páginas de normas não conseguiram impedir que a crise acontecesse. Punir os perpetradores será difícil. Algumas cabeças rolaram, incluindo a de Warren Spector, co-presidente do Bear Stearns, e mais fundos provavelmente vão fechar. Mas essas conversas sobre a economia mundial estar fundamentalmente sólida e o risco estar amplamente disperso deixa uma desconfortável sensação de que os mercados financeiros não podem esperar pela diversão de começar de novo. *Michael Prest escreveu este artigo para ''''Prospect Magazine''''

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