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'Queríamos ter metade da expansão do Brasil'

Esperança dos Estados Unidos é que, 'quando o cálice estiver cheio sobrem algumas gotas para os pobres vizinhos'

Por JAMIL CHADE , CORRESPONDENTE e GENEBRA
Atualização:

A administração de Barack Obama não esconde: quer a abertura do mercado brasileiro para ajudar a recuperar a economia americana. O recado é do representante de Comércio dos Estados Unidos, Ron Kirk, que em entrevista ao Estado, insistiu que a Casa Branca tem como meta abocanhar parte dos contratos bilionários que sairão da Copa do Mundo de 2014, dos Jogos Olímpicos de 2016 e das descobertas de petróleo.

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Para ele, porém, o Brasil terá de abrir seu mercado e aponta a necessidade de o País assumir um novo papel da economia mundial para ajudar toda a região, inclusive a própria economia americana. "Nossa esperança é de que quando o cálice de vocês esteja cheio, algumas gotas caiam para os pobres vizinhos da América do Norte."

A entrevista ocorreu às margens da conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), que apenas serviu para constatar algo que todos já sabiam: a Rodada Doha está enterrada, não existem condições nem sequer de voltar a uma negociação séria no curto prazo e o próprio papel da OMC no mundo passa a ser questionado diante da proliferação de medidas protecionistas.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual é exatamente o papel que a administração Obama espera do Brasil na economia mundial?

Como vizinho, como parceiro, nunca nossas aspirações por uma relação forte foram tão demonstradas como agora. O presidente (Obama) fez sua primeira viagem internacional do ano ao Brasil e tem grande respeito pela presidente Dilma Rousseff. Estou sendo sincero: a maioria de nós nos Estados Unidos olha o crescimento do Brasil e dizemos que queríamos ter metade dessa expansão. E isso é bom. Por mais forte que seja no sul nosso projetos de cooperação com Peru e Chile, quando olhamos o mapa, não podemos ignorar o potencial do Brasil de mudar a vida de milhões de brasileiros. Mas vocês podem também mudar a vida da região. Acreditamos, porém, que, se tivermos uma parceria mais equilibrada e construir uma relação comercial ainda mais forte, não seria uma forma apenas de ajudar a nossa economia a criar mais empregos. Mas seria para toda a região. Mas, para isso acontecer, queremos ver o Brasil demonstrar um compromisso de economia emergente e entender o poder, e não só a responsabilidade, que o Brasil tem para ajudar outros no hemisfério ao abrir sua economia.

Essa abertura deve incluir licitações públicas e compras governamentais?

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Essa é uma boa história. O Brasil está numa posição excelente. Mas, tendo sido um prefeito (de Dallas, Texas), sei que o grande desafio é quando há grandes oportunidades, e o Brasil tem três grandes nos próximos anos. Ganhou o direito de sediar os Jogos Olímpicos, e isso é ótimo para todo o Hemisfério Sul. Sabemos do valor que a Copa tem. Mas, no meio disso, o Brasil fez incríveis descobertas de petróleo e vai precisar de infraestrutura para suas necessidades. Essa será uma das maiores oportunidades que o Brasil poderia ter para dizer: vamos colher os frutos, mas precisamos de ajuda. E essa é uma área que podemos ser parceiros sem ameaçar interesses domésticos.

Então há espaço para todos ?

Nossa esperança é de que, quando o cálice de vocês estiver cheio, algumas gotas caiam para os pobres vizinhos da América do Norte.

Como o sr. vê o clima protecionista no Brasil hoje?

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Para ser justo, essa questão é para (o chanceler Antonio) Patriota. Nós estamos em um momento único de que temos chance de recomeçar a relação entre os dois países e fazer avançar a relação bilateral de forma explosiva. No que se refere ao protecionismo de forma geral, o que eu posso dizer é que, diante de nossa promessa de evitar medidas protecionistas que tomamos há dois dias aqui na OMC com outros 49 países, não entendemos por que não pudemos ter a adesão de outros países que, no G-20, já haviam feito a mesma promessa, como Brasil e China.

Qual o impacto que essa onda protecionista pode ter na economia mundial ?

Já vimos isso e tudo o que gerou durante a Grande Depressão. O risco é de vermos um efeito dominó. Tendo sido prefeito, sei que a primeira responsabilidade de um político é defender seus cidadãos. Acho que todos entendemos medidas de curto prazo para incentivar a economia. Mas sabemos que, quando começa o protecionismo, há risco de entrarmos em um círculo vicioso que vai trazer prejuízos a todos.

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O Canadá quer abrir negociações para estabelecer um acordo de livre comércio com o Mercosul. O governo americano pensa em algo parecido?

O presidente (Obama) já pediu uma relação estratégica com o Brasil. Historicamente, desde que fizemos o Nafta, há muita gente nos Estados Unidos que insiste em saber quando é que vamos fazer isso com a parte sul do hemisfério. Começamos com parceiros como Chile e Peru e esperamos que outros possam aderir a essa iniciativa.

Qual o cenário que o sr. traça para o comércio global em 2012?

A economia americana está em um ponto de inflexão. Por 50 anos, nossa economia consumidora foi tão forte que podíamos usá-la para transformar Europa, África e Ásia. Mas agora não querem que empregos vão a outros lugares. Queremos ter acesso a mercados como os da África, Índia e Brasil. O comércio é um instrumento poderoso para a economia e queremos dobrar nossas exportações. Mas a crise na Europa e o protecionismo podem ser um obstáculo.

Um tema pendente na relação bilateral é a questão do etanol. Qual a perspectiva de uma abertura do mercado americano para o produto brasileiro?

Talvez possa haver espaço, com compromisso de democratas e republicanos de reduzir déficit e com a revisão da Farm Bill (lei que determina os subsídios americanos). Quando Brasil e Estados Unidos entendermos que não estamos em disputa e que temos de alimentar 9 bilhões de pessoas no futuro, vamos ter de trabalhar juntos.

O governo brasileiro insiste que precisa controlar o câmbio e que o assunto deve ser tratado até mesmo pela OMC. Qual a posição dos EUA sobre isso?

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Aplaudimos a forma pela qual o Brasil trouxe isso à mesa. Não disseram: vamos resolver isso lá (na OMC). O que falam é de trazer para a mesa e conversar. Vamos olhar para isso. O presidente (Obama) e o Tesouro já disseram os passos que precisamos seguir nesse tema.

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