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Rastreabilidade bovina é dever de todos

Por Cesário Ramalho da Silva
Atualização:

A Sociedade Rural Brasileira (SRB) vê com bons olhos a medida do BNDES de atrelar a concessão de crédito ou a participação societária em frigoríficos ao rastreamento do gado adquirido de fazendas da Amazônia. O banco vai exigir licenciamento ambiental e regularização fundiária e trabalhista dos fornecedores dos frigoríficos, entre eles os pecuaristas. Todavia, um alerta: a exigência de cumprimento das regras ambientais, fundiárias e trabalhistas como atributos para o embrião da rastreabilidade de processos e produtos - no caso a bovinocultura - precisa levar em conta que as legislações relativas a esses segmentos estão sendo objeto de mudança, em busca de sintonia com a realidade. Embora ainda não haja consenso sobre a amplitude das modificações que serão feitas na legislação ambiental, é fato que ela será alterada. No caso fundiário, a medida provisória de regularização das terras da Amazônia foi um passo importante. Quanto à legislação trabalhista, o desafio é maior, já que nem consta da agenda um debate que mostre ser necessário adequar essa legislação às particularidades da atividade rural. Especificamente sobre o rastreamento do gado - da identificação de sua origem, passando pelo registro dos acontecimentos do seu processo de desenvolvimento (como alimentação, manejo e vacinas), chegando ao abate -, o que se busca, em primeiro plano, é segurança alimentar. A segmentação de qualidade, por meio de características como cortes, precocidade e marmoreio, é outra coisa. A implementação do Serviço Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos (Sisbov) sem consulta e debate com os principais agentes da cadeia produtiva, especialmente o principal ator, o pecuarista, levou à vulnerabilidade e ao colapso do sistema. Tentar identificar individualmente, de uma vez só, mais de 180 milhões de cabeças de gado num país de dimensões continentais foi e é utopia. Pior, foi jogar a conta de um modelo inviável para a realidade da pecuária nacional no bolso do pecuarista. Se a rastreabilidade é o registro do animal desde seu nascimento até a mesa do consumidor, parece-nos claro que a responsabilidade tem de ser de toda a cadeia produtiva. Mas não foi o que aconteceu. O Sisbov configurou-se, na verdade, em mais um custo para o produtor. Lembrando o momento posterior à imposição do Sisbov, como requisito para exportar para a União Europeia, o fato é que o preço da arroba do boi rastreado ficou praticamente igual à cotação do boi não rastreado antes da existência da rastreabilidade. E o boi não rastreado teve seu preço reduzido. Em vez de incentivado, o pecuarista se viu desestimulado. A esperança do ágio se concretizou em deságio. Foram criados programas de bonificação para a carne rastreada, mas são iniciativas individuais, que não têm consistência para estabelecer um conceito nacional de segurança alimentar para o boi brasileiro. É disso que falamos. De uma reputação para o País todo, baseada na confiabilidade de um eixo central que seja flexível para ser aperfeiçoado constantemente. Diferenciais de preço significativos para carne rastreada só virão com o tempo, com a compreensão de que os atributos de segurança alimentar advindos de uma boa rastreabilidade custam, tornam o produto mais confiável e por isso devem ser remunerados. Neste turbulento cenário faltou também disposição ao diálogo de algumas lideranças dos produtores, que privilegiaram o confronto em detrimento do consenso. Isso acarretou na inexistência de um discurso uniforme para os produtores. Sem contar ainda o cartel das certificadoras, que tentaram criar um mercado confiável de validação, que naufragou pela frágil credibilidade. Para que a rastreabilidade vingue é preciso o envolvimento do varejo. Como um elo poderoso e próximo ao consumidor, o setor varejista não pode se manter alheio à questão. Recente encontro entre representantes do varejo e dos frigoríficos sinaliza mudanças. Mas entendemos que os pecuaristas também devem participar das negociações. Até agora, a implantação da rastreabilidade bovina foi muito mais uma questão mercadológica do que um serviço de interesse público. Para ganhar musculatura, a rastreabilidade não pode restringir-se a ser um requisito para o mercado externo. Se ela ainda não encontra ressonância no mercado doméstico, em breve encontrará. E, ao ser valorizada naturalmente dentro de nossas fronteiras, certamente funcionará como um selo de confiança para os mercados internacionais. *Cesário Ramalho da Silva é presidente da SRB Excepcionalmente, Rolf Kuntz não escreve hoje.

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