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Reacionários unidos podem ser vencidos

Por Roberto Luis Troster
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Opinião Um espectro ronda o País: o espectro da mediania. Parcelas crescentes da sociedade e de formadores de opinião conjuram para consolidar a visão de que a oportunidade do desenvolvimento brasileiro foi inexoravelmente postergada. A capa da prestigiosa revista inglesa The Economist de três semanas atrás é emblemática. Mostra uma passista de escola de samba entrando cabisbaixa num lamaçal. A imagem representa um Brasil resignado a um desempenho pífio no futuro. É unânime que este ano o País tenha uma recessão, todavia o que preocupa é o que vai acontecer depois. As projeções de crescimento da economia brasileira para 2016 e os anos seguintes são inferiores à média mundial e estão mais distantes ainda das de vizinhos como o Paraguai, a Bolívia e o Peru. Essas estimativas levam em conta que o ajuste fiscal em curso está bem estruturado e tem os requisitos para evitar uma crise de solvência do Brasil. Caso contrário, pode-se esperar um resultado pior ainda e mais uma década perdida. O florão da América, gigante pela própria natureza, está assistindo ao sonho intenso de um futuro grandioso virar um pesadelo. Há oito dias, multidões protestaram para exorcizar o espectro da mediania que assombra o País. Um cartaz emblemático tinha os dizeres: "Eu não quero viver em outro país. Eu quero viver em outro Brasil". Paradoxalmente, a raiz dos problemas é que Brasília parece estar em outro país e não quer outro Brasil. O ponto nevrálgico é que o governo federal é reacionário. Seus membros defendem com unhas e dentes o status quo, se opõem a mudanças estruturais e apenas reagem a pressões. Alguns exemplos são oportunos. O clamor das ruas para acabar com a corrupção ilustra o que acontece. A causa da podridão é que as nomeações para altos cargos de estatais e de autarquias são "políticas", e não "técnicas". A solução óbvia e permanente é simplesmente indicar profissionais gabaritados para gerir o patrimônio público. Mas a saída é outra: é lançado um pacote de punição a corruptos, todavia o uso político de empresas e autarquias vai continuar, é considerado imutável. A bem da verdade, corrupção é "oferecer algo para obter vantagem em negociata", portanto é discutível até que ponto as nomeações "políticas" e o loteamento dos ministérios são do interesse do governo ou do País. O ajuste fiscal em curso é outro exemplo da preservação do status quo. Pouco antes de o ajuste ser anunciado, membros dos Três Poderes tiveram seus rendimentos aumentados acima da inflação. Por outro lado, é cláusula pétrea não reduzir os "direitos adquiridos", como universidades públicas gratuitas para alunos de renda alta, aposentadorias precoces e outros privilégios. A consequência disso é que o ajuste é injusto, recai sobre os não residentes em Brasília, que vão ter mais inflação, menos renda e veem o futuro do País encolher. As prioridades da capital não são as do resto do Brasil. Ilustrando a afirmação: este ano, o índice Serasa de Inadimplência de empresas bateu recorde histórico de alta. Absolutamente nada é feito a respeito, apesar de o problema afetar dezenas de milhões de pessoas. O discurso de que o Brasil é democrático é outro ponto passível de discussão. O conceito de democracia diz que é um regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente. Não é o nosso caso. Os atuais representantes têm recursos (só este ano, as verbas do Fundo Partidário foram aumentadas em mais de R$ 500 milhões), canais de televisão aberta e emendas parlamentares para se promoverem e perpetuarem no poder. É cristalino que a participação nos pleitos eleitorais é injusta e favorece os que querem se reeleger. É antidemocrático.Projeto. O mais grave de tudo é que os reacionários não têm um projeto de Brasil do século 21 crível e colocam o País na mediania. O quadro institucional está obsoleto e é inadequado para o País crescer. O Brasil da criatividade está cada vez mais preso a um passado exportador de matérias-primas e mais dependente do humor do mercado financeiro. Só em juros da dívida pública foram pagos mais de 5% do PIB e de empréstimos, mais do que o dobro. Outro dos dizeres das manifestações foi "Muda Brasil". Isso é possível e é viável. Nesse sentido, a capa da The Economist é oportuna, mostrando um símbolo do poder de criação e organização dos brasileiros: uma passista do carnaval. A festa é um evento insuperável e admirado no mundo inteiro. São milhares de integrantes, que ensaiam durante meses e executam milimetricamente uma coreografia que se renova a cada ano. O detalhe a destacar: é um evento amador e rentável. O País tem todas as condições para voltar a ser protagonista, em vez de espectador, no cenário global. O Brasil está com problemas, não é problemático. Tem capital humano e riquezas naturais para superar as dificuldades e surpreender. Não é um ou outro governante, mas a escolha de um projeto de país que vai fazer a diferença. Quanto mais consensual for, maior será a pressão popular sobre os reacionários, abrindo espaço para os revoltados acabarem com o Brasil da mediania. É um processo demorado, que tem como mais urgente fazer a álgebra da dívida pública dar certo. Quanto mais rápido e contundente for o ajuste fiscal, menor será o seu custo social. A agenda é parecida com a de outros países que deram certo. Resumidamente, é corrigir distorções, acabar com privilégios, adequar o quadro institucional ao século 21 e parar de acreditar na mediania. É um desafio grande, mas viável. Um projeto Brasil é um processo, não um produto. É importante demais para ser confeccionado em Brasília. Não pode ser delegado aos políticos profissionais, tem de ser feito por todos os insatisfeitos com pouco. E pode mostrar resultados palpáveis já em 2016 e mudar as expectativas sobre o futuro desde agora. Bora trabalhar! *Roberto Luis Troster é sócio da Troster & Associados, doutor em Economia, foi economista-chefe da Febraban e professor da USP e da PUC-SP. E-mail: robertotroster@uol.com.br 

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