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Recontratar com salário mais baixo é improvável, apontam especialistas

Nomes ouvidos pelo 'Estadão' dizem que demitir e readmitir é custoso por causa de gastos de rescisão e que prazo curto dificulta adoção da medida

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Por Luciana Dyniewicz
Atualização:

A autorização concedida pelo governo federal para que empresas demitam e recontratem funcionários em um prazo inferior a 90 dias com possibilidade de redução salarial no segundo contrato não deve – ao menos imediatamente – resultar em uma precarização do mercado de trabalho, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão. 

Para que haja a recontratação com salário mais baixo, a portaria assinada na terça-feira pelo secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, determina que seja feita negociação coletiva com o sindicato dos trabalhadores. O diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, diz ser improvável que os sindicatos deem aval para uma medida como essa.

Para Zylberstajn, empresas não vão demitir para recontratar por causa dos custos. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

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“O prazo é curto para empresas adotarem a medida”, diz ele. A portaria é retroativa a 20 de março e válida enquanto durar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia, que, por enquanto, se encerra em 31 de dezembro. “O maior risco da portaria é ela continuar no pós-pandemia, estabelecendo um novo marco que autorize salário rebaixado”, diz Augusto Júnior. Para ele, ainda que a portaria tenha duração prolongada, a questão deverá gerar discussões na Justiça.

O diretor do Dieese vê, porém, a possibilidade de que, para poderem ser recontratados, trabalhadores demitidos acabem pressionando sindicatos a aceitarem a redução salarial. “Essa pode ser uma armadilha”, diz ele, para quem, por ora, a maior preocupação está na autorização para recontratação em prazo inferior a 90 dias sem modificação no salário.

“Setores como comércio, em que a rotatividade é alta, em vez de a empresa colocar o funcionário em suspensão de contrato ou em redução de jornada (medidas autorizadas pelo governo por 90 dias e agora prorrogadas por mais 30 dias), ela vai demitir e daqui a pouco contratar de novo”, acrescenta. 

Já para o economista Hélio Zylberstajn, professor sênior da Universidade de São Paulo (USP), as empresas não deverão demitir e recontratar trabalhadores por salários inferiores por causa dos custos de rescisão contratual. Segundo seus cálculos, a estratégia só valeria a pena se o corte na remuneração fosse superior a 50%. “Nessa caso, levaria quatro meses para a empresa compensar os gastos da demissão. Dependendo da economia que fizer na readmissão, pode levar até três anos para que haja compensação.”

 Zylberstajn diz que a portaria parece ser feita mais para beneficiar empresas que já demitiram e que podem querer recontratar seus funcionários antigos conforme a economia comece a se mover.

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O economista Sergio Firpo, professor do Insper, vê como positiva a possibilidade de que a empresa que, por ora, não consegue manter a folha de pagamentos possa recontratar um funcionário rapidamente. “Seria pior se a inflexibilidade fosse mantida e gerasse um número ainda maior de desempregados.” Ele destaca que medidas que ajudam a manter o vínculo entre empresas e funcionários são importantes também para não se desperdiçar capital. “Tem muito que você aprende dentro de uma firma que só pode ser usado ali. Quando se desfaz o vínculo, perde-se o investimento feito por ambas as partes.”

O economista José Pastore, da USP, também não acredita que possa haver uma precarização do trabalho e considera a portaria benéfica para empresas e trabalhadores. “O sindicato estará na defesa do trabalhador, e uma empresa que puder recontratar vai querer empregar quem já conhece.

Entenda:

O que diz a nova portaria?

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Ela permite que um empregado seja demitido e recontratado em um prazo inferior a 90 dias. Caso haja negociação coletiva com o sindicato dos trabalhadores, os termos do novo contrato podem ser diferentes dos do antigo, o que permite, por exemplo, que o salário seja mais baixo ou que os benefícios antes garantidos sejam modificados.

Quando a portaria entra em vigor?

Ela foi assinada na última terça-feira, mas tem efeitos retroativos a 20 de março, quando foi editado o decreto de calamidade pública decorrente da pandemia da covid-19. Por exemplo, se um trabalhador foi demitido por determinada empresa em meados de maio, ele pode ser readmitido pela mesma companhia hoje. 

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A alteração na regra de recontratação é permanente?

Não. Ela vale enquanto durar o estado de calamidade pública, que, por ora, será encerrado em 31 de dezembro de 2020. A partir dessa data, demitir e recontratar um funcionário em um prazo inferior a 90 dias volta a ser considerado fraudulento, conforme estabelecido por uma portaria de 1992.