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Redshift e blueshift

Efeito Doppler simboliza o que pode acontecer nas eleições americanas

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Por Paulo Leme
Atualização:

De acordo com o efeito Doppler relativístico, quando uma fonte de luz se afasta da Terra em alta velocidade, a frequência da luz aumenta em relação a nós e vira vermelha (redshift). Quando a fonte de luz volta em direção à Terra, a frequência da luz diminui e vira azul (blueshift). 

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o candidato democrata à presidência do país, Joe Biden, durante primeiro debate para as eleições de 2020 Foto: Jim Watson/AFP

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Nos Estados Unidos, o vermelho representa o Partido Republicano e o azul, o Partido Democrata. O efeito Doppler simboliza o que poderá ocorrer nas eleições presidenciais americanas marcadas para o dia 3 de novembro. Devido à covid-19, pela primeira vez, os americanos poderão votar em massa pelo correio. O problema é que nem os correios nem a Justiça Eleitoral estão preparados para processar tempestivamente esses votos.

Analistas políticos estimam que a maioria dos republicanos vão às urnas votar, enquanto que mais da metade dos eleitores que votarão pelo correio são democratas. Se isso se confirmar, a primeira contagem de votos a sair das urnas terá um viés Republicano (redshift), indicando inicialmente a vitória de Trump. Na medida em que votos pelo correio sejam divulgados, é possível que o resultado vire a favor de Biden (blueshift). 

Esse é o cenário que preocupa os americanos: uma eleição muito próxima e uma virada súbita do resultado. As pesquisas de intenção de voto popular são favoráveis para Biden: desde o debate, a média das pesquisas mostra que a sua vantagem sobre Trump subiu de 7% para 8,2%. 

Nos EUA, o candidato tem de ganhar pelo menos 270 dos 539 votos do colégio eleitoral. A maioria dos Estados já escolheu o seu candidato. Em Massachusetts, Biden tem mais de 30% de vantagem, enquanto que em Idaho, Trump lidera com 25%. Portanto, a eleição será decidida em seis “swing states” (Arizona, Flórida, Carolina do Norte, Michigan, Pensilvânia e Wisconsin).

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Como ambos os candidatos já têm 75% dos 270 votos necessários para vencer, a Casa Branca será decidida pela partilha desses 101 votos vindos dos “swing states”.

Historicamente, o cenário mais provável é que um dos candidatos vencerá por maioria absoluta, tanto no voto popular como no colégio eleitoral. Nesse cenário, afora a volatilidade até novembro, independentemente de quem vença, no longo prazo, o resultado eleitoral não terá nenhum efeito expressivo para o mercado financeiro. 

No entanto, há dois precedentes históricos em que o sistema eleitoral levou o país a uma crise institucional. A pior delas foi em 1876, quando houve um impasse no colégio eleitoral de quatro Estados e faltavam 20 delegados para eleger o presidente. O impasse foi negociado pelo Congresso, que declarou Rutherford Hayes (republicano) o vencedor. 

A segunda crise foi no ano 2000, quando Al Gore venceu G.W. Bush no voto popular, mas o resultado dependia de quem venceria os 29 delegados da Flórida. Dado que a margem de diferença entre os candidatos era de apenas 10 mil votos, isso levou a uma batalha jurídica que durou dois meses. A disputa começou na Flórida e só foi terminar em janeiro na Suprema Corte, que declarou G.W. Bush o vencedor, por 537 votos. 

Em novembro, a história pode voltar a se repetir. O cenário mais provável é o de uma disputa eleitoral acirrada nos “swing states”, levando à recontagem de votos e exigindo a intervenção dos governos estaduais, da Suprema Corte e talvez da Câmara. O cenário menos provável é aquele em que alguns Estados não conseguem entregar a tempo os seus resultados para compor o colégio eleitoral no dia 6 de janeiro, levando a decisão à Câmara.  Para o mercado, o pior cenário é a incerteza institucional. Isso explica por que a Bolsa americana vem caindo e o mercado de opções cobra um prêmio elevado para os contratos entre novembro e janeiro.  Em janeiro de 2001, ao conceder a vitória a G. W. Bush, Al Gore disse: “...eu digo ao presidente eleito Bush que, agora, todo e qualquer rancor partidário tem de ser posto de lado, e que Deus abençoe o seu comando desta nação. Nós não prevíamos este longo e árduo caminho. Certamente, nenhum de nós desejava que isso acontecesse. No entanto, assim como esta disputa veio, ela se foi, tendo sido resolvida, como deve ser, através das nossas honradas instituições democráticas.” Al Gore concluiu: “A América é isso, o país está acima de qualquer partido; estamos todos unidos em apoio ao nosso novo presidente”. O primeiro debate presidencial sugere que esse espírito democrático ainda não se manifestou nesta eleição.

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