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Reestatização da previdência derruba mercado na Argentina

Projeto de Cristina Kirchner sofre rejeição de investidores e da oposição.

Por Marcia Carmo
Atualização:

Um dia depois de a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, ter enviado ao Congresso Nacional um projeto de lei para reestatizar o sistema de previdência social, o índice Merval da Bolsa de Buenos Aires registrou a maior queda dos últimos quatro anos - 10,11%, depois de chegar a superar os 17% negativo. Ao mesmo tempo, o Banco Central teria feito fortes intervenções para conter a alta do dólar e a taxa de risco-país - que mede a confiança internacional e capacidade de pagamento - chegou a superar os 2 mil pontos, fechando pouco abaixo. Para diferentes analistas econômicos, a queda das ações, nesta quarta-feira, não esteve ligada diretamente à crise internacional, mas à desconfiança dos investidores na Argentina. "As bolsas no mundo estão caindo hoje entre 4%, 5% e 6% e a Argentina registra queda muito mais forte. Ou seja, pelo menos 10% desta retração de hoje está ligada à decisão anunciada ontem pelo governo", disse o ex-presidente do Banco Central Aldo Pignanelli, pouco antes do fechamento do mercado. Vários economistas, entre eles Pignanelli e o ex-ministro da Economia, Roberto Lavagna, sugeriram que o governo pretende contar com os recursos da reestatização para pagar a dívida externa que vence em 2009. "A Argentina precisa pagar US$ 20 bilhões no ano que vem e, para isso, deveria recorrer ao mercado financeiro. Mas este mercado está fechado para o país. Por isso, faz sentido pensar que o governo decidiu fazer isso (reestatizar) para pagar estes vencimentos de 2009", disse Pignanelli. Especialistas explicam que a Argentina teria parte dos recursos que necessita, mas não tem acesso ao mercado financeiro porque ainda está em default com o Clube de Paris e com os investidores individuais que sofreram com o calote de 2001. Eletrodomésticos A decisão do governo poderia afetar ainda a compra de eletrodomésticos a crédito, com cartões de crédito, já que estes vinham sendo financiados por um fundo com recursos das AFJPs. "O dinheiro das AFJPs tem um papel decisivo no crédito ao consumo no país", disse o jornal Clarin. Estima-se que 40% dos créditos para o consumo estão financiados pelas AFJPs. O economista Miguel Kiguel, da consultoria Econviews, disse à BBC Brasil que o lado positivo é que a Argentina está insinuando que pretende evitar novo default. "Mas o mercado financeiro, pelo menos hoje, não vê nada de positivo na medida anunciada ontem", disse. E afirmou: "Os fundos de pensão e aposentadorias são os únicos investidores de longo prazo no mercado argentino e vão desaparecer. A pergunta é: quem comprará os títulos argentinos?". Medida abrupta Os recursos das chamadas AFJPs (Administradoras de Fundos de Pensão, na sigla em espanhol) estavam aplicados em parte em ações e em títulos públicos. Autor da idéia das AFJPs, implementadas em 1994, o ex-ministro da Economia do governo do ex-presidente Carlos Menem, Domingo Cavallo, criticou a medida anunciada por Cristina escreveu em seu blog. "Outro engano (de usar recursos da previdência). O governo enfrenta um buraco fiscal para os próximos três anos (e por isso teria optado pelos recursos)". Apesar das críticas, outras vozes afirmam que o sistema previdenciário argentino vinha mostrando falhas não apenas pela queda na rentabilidade dos recursos aplicados no mercado, mas pelas altas taxas de comissão que minguavam a previdência dos contribuintes. "Sabíamos que este sistema como estava não podia continuar, mas não precisava ser uma medida assim tão abrupta", disse Lavagna, ex-ministro no governo do presidente Nestor Kirchner, marido de Cristina. Para Lavagna e para Kiguel, a Argentina não está vivendo outra grave crise. Mas Kiguel observa: "Essa taxa de risco-país de hoje mostra que nos vêem muito mal lá fora. Sinal de que daqui estão saindo notícias que devem estar preocupando". Lavagna, por sua vez, afirmou que o crescimento econômico já vinha diminuindo no ano passado, e que havia preocupação com a inflação. "Agora, com a crise internacional e os efeitos da medida (desta segunda) o medo é que ocorra um freio nas vendas internas", disse à TV América. Na opinião dos analistas, a queda no mercado financeiro argentino nesta quarta mostra ainda preocupação do setor com a redução deste mercado, já que as AFJPs tinham forte representação na Bolsa de Buenos Aires. "Agora, mais do que nunca, a Argentina está fora do mercado", disse o economista Ricardo Delgado, da consultoria Ecolatina. Segundo ele, a situação atual é diferente da histórica crise de 2001. "Hoje os bancos estão com saúde e recursos para cobrir os depósitos, o que não aconteceu em 2001", disse. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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