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Reforço de dose

Foto do author Celso Ming
Por Celso Ming e celso.ming@grupoestado.com.br
Atualização:

Não dá pra dizer que virou rotina. O reconhecimento do grau de investimento dos títulos de dívida soberana do Brasil por mais uma das três grandes agências de classificação de risco, a Fitch, reforça um punhado de conseqüências positivas para o País. Já não será a surpresa de antes. Mas traz um risco: o de que o governo ache que já fez tudo e que não precisa mais consertar o que continua torto por aqui. A decisão reforça a percepção internacional de que está substancialmente melhor a arrumação da economia brasileira, que já vinha atraindo a atenção externa, dada a sua excepcional condição de atender a duas das mais prementes demandas externas: alimentos e energia. Assim, o Brasil tem uma razão adicional para atrair mais capitais. Bom número de fundos de investimento, fundos de pensão e seguradoras não tinha tomado a iniciativa de incluir títulos brasileiros em sua carteira de aplicações patrimoniais porque, por procedimento interno, só se atrevem a isso se obtiverem sinal verde de pelo menos duas agências de classificação de risco, condição que ontem se cumpriu. Como títulos confiáveis estão escassos no mercado global, por simples aumento da procura os juros dos títulos brasileiros tendem a cair, o que deve puxar para baixo os juros do resto da economia. A queda acentuada do dólar ontem no câmbio interno (redução de 1,1%) parece confirmar a expectativa de maior entrada de dólares (veja o gráfico e o Confira). No final de abril, ninguém esperava para então o reconhecimento de grau de investimento pela Standard & Poor?s. Por isso, naqueles dias a Bolsa reagiu com força. Desta vez já havia se antecipado à decisão da Fitch e a incluiu nos preços. Por isso chegou até mesmo a ensaiar uma realização de lucros (queda momentânea das cotações). Talvez a melhora mais importante não esteja nas condições objetivas da economia, mas no comportamento dentro e fora do governo. Às vezes, o debate econômico fica tão desencontrado que deixa passar despercebido o quanto o Brasil ficou mais exigente. Depois que ressurgiu a ameaça forte de inflação, não apareceu ninguém disposto a defender uma política passiva em relação a ela. Parece formado finalmente um consenso mínimo de que a inflação é, ao mesmo tempo, agente concentrador de renda e o maior inimigo do assalariado, que precisa ser tratada com mão pesada. Até economistas críticos "de tudo quanto está aí" passaram a reconhecer que é preciso aumentar o superávit primário, a parcela de arrecadação destinada ao pagamento da dívida. Por trás disso está o pressuposto de que um dos principais agentes de inflação é o aumento excessivo das despesas públicas, que cria mais demanda do que capacidade da oferta em supri-la. Haverá problema se o governo tomar os trâmites por findos, entender o reconhecimento do grau de investimento pelo lado errado: o de achar que já obteve boa fama, que pode agora deitar na cama, dispensar as reformas, desistir da austeridade fiscal e engatar a marcha alegre da gastança eleitoreira. Enfim, há muito caminho a andar. Confira E o dólar? A tendência, agora reforçada, de valorização do real deverá aumentar as dificuldades de exportação de manufaturados. A melhor reação seria providenciar as reformas e investimentos em infra-estrutura para reduzir os custos de produção. Com isso, as mercadorias brasileiras poderiam melhorar sua competitividade em relação ao produto importado. Ontem, o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, reconheceu um pedaço desse processo: a necessidade de reduzir as tarifas de importação de matérias-primas e de insumos.

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