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Reforma cambial brasileira seduz empresas e meio financeiro

Regras que entram em vigor em dezembro prometem menos travas e mais oportunidades

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Por Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - A reforma cambial brasileira entra em vigor só no final de dezembro, mas já movimenta o mundo empresarial e financeiro de olho nas novas oportunidades de modelos de negócios, tecnologia e atração de investimento estrangeiro diante da maior liberdade para as operações com moeda estrangeira. Os setores de infraestrutura, fintechs, mineração, exportadores, empresas de tecnologia e bancos em geral estão entre os que mais têm apresentado interesse na nova legislação. 

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Depois do Pix nacional, a regulamentação da lei cambial abrirá as portas para o pagamento instantâneo internacional – realidade cada vez mais próxima.

A nova lei também permite a compra e a venda de moeda estrangeira entre pessoas físicas (prática atualmente vedada), com limite de até US$ 500. O objetivo é possibilitar a venda de sobras de moedas estrangeiras após o fim de uma viagem internacional, por exemplo. Transações realizadas por profissionais de forma recorrente, ou seja, pelos chamados “doleiros”, continuam proibidas.

A declaração de moeda em espécie para viagens internacionais, na entrada e na saída do Brasil, passará a ser obrigatória a partir de US$ 10 mil. O argumento é que o limite anterior de R$ 10 mil, instituído em 1995, está defasado. O novo limite, referenciado em dólares, está em linha com o que acontece no resto do mundo.

Nada disso seria possível sem a modernização da arcaica e complexa legislação cambial (o Brasil tem uma lei de 1920 em vigor), comparada às grandes reformas estruturantes da economia, com o maior uso internacional da moeda brasileira, o real. O que se espera é um comércio exterior com menos amarras e maior financiamento para a compra de produtos brasileiros pelos importadores.

Os detalhes da implementação da lei serão conhecidos neste mês, quando o Banco Central colocará em audiência pública a proposta. A implantação da lei será também a ponta de lança da segunda fase da Agenda BC#, a ser lançada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para os próximos anos no rastro das medidas que já deram frutos, como o open banking (compartilhamento dos clientes entre os bancos) e o Pix. Com a autonomia do BC, Campos Neto tem mandato garantido até 2024.

Para o BC, a lei cambial estimula a maior inserção das empresas brasileiras – inclusive pequenas e médias – nas cadeias globais de valor, eliminando restrições para que exportadores possam utilizar livremente seus recursos, além de contar com mais mecanismos de financiamento aos compradores de seus produtos.  

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Do lado das compras externas, permite que, no caso de importação financiada, o produto não precise entrar fisicamente no País antes do início dos pagamentos. A oportunidade de uma inserção maior do Brasil nas cadeias globais de produção e bens ganhou com a guerra da Rússia com a Ucrânia, como vem sendo enfatizado pelo BC.

A expectativa no mercado é grande com a regulamentação, diz Pedro Eroles, sócio do escritório Mattos Filho. Segundo ele, a lei abre o mercado de câmbio e torna o comércio internacional mais simples e menos oneroso. Um dos pontos centrais da regulamentação a que está todo mundo de olho é quais as hipóteses em que serão permitidas a chamada compensação privada no exterior.

Eroles destaca, por exemplo, a expectativa em torno da possibilidade de celebrar contratos em moeda estrangeira. Já há na nova lei indicação de que exportadores que celebrem contratos com prestadores de serviços, como concessionários, possam fazê-lo em contratos em moeda estrangeira. Outra permissão é que bancos no Brasil possam captar no Brasil em reais e fazer empréstimos fora do País.

“Qualquer empresa que tenha pagamento internacional envolvido (na sua atividade) vai ser impactada pela nova lei”, diz o advogado. Ele aposta que o Pix internacional, quando implementado no futuro, vai baratear as remessas internacionais, com uma diminuição do chamado custo Brasil.

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Pela legislação ainda vigente, as instituições financeiras são obrigadas a classificar as remessas em moeda estrangeira sob pena de multas e sanções. Essa responsabilidade passa a ser do cliente, e a instituição financeira vai apresentar o suporte para essa classificação. Hoje, existem cerca de 200 códigos de classificação e a intenção do BC é reduzir para apenas seis.

As mudanças estão casadas com a redução em etapas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de câmbio até ser zerado em 2028 – uma das exigências para o País integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

BC descarta o risco de dolarização; objetivo é atualizar a lei e melhorar o ambiente de negócios. Foto: Clayton de Souza/Estadão

Para Rubens Sardenberg, porta-voz da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), a avaliação tem sido muito positiva porque a legislação é muito antiga, com custos altos. Segundo ele, permite que o banco passe a fazer avaliação de risco com maior foco em seus clientes e menos em cada operação, além da livre utilização das receitas de exportação no exterior (pelo exportador) e o financiamento a estrangeiros que compram do Brasil, sem que estes estejam ligados a alguma empresa brasileira.

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Analista da Unidade de Capitalização e Serviços Financeiro do Sebrae, Giovanni Beviláqua destaca a importância para as micro e pequenas empresas. A operação comercial com o exterior é hoje muito complicada para os pequenos negócios, pois envolve a troca de moedas submetidas a uma taxa de conversão, a taxa de câmbio, que sofre altos e baixos tornando o planejamento financeiro das empresas mais difícil. Agora, poderão ter contas bancárias em dólar; assim, uma empresa que vende para o exterior algo por US$ 1.000 irá receber esse valor em sua conta, sem ter de convertê-lo em reais. 

Entrevista com Otavio Damaso, diretor de Regulação do Banco Central 

O BC permitirá que pessoa física abra conta em dólar?

Não temos intenção de permitir que pessoas físicas tenham conta em dólar no País. Mesmo porque há outras implicações em que sequer pensamos. Por exemplo, qual seria o relacionamento do banco com o BC, que opera em real? Como também, do nosso ponto de vista, não há nenhuma expectativa de a Receita Federal fazer alguma regulação da lei cambial. 

Quem será beneficiado?

O BC, em nenhum momento, pensou em fazer nada de diferente do que já existe para conta em dólar no País. Alguns segmentos são autorizados a ter conta em dólar no País, como seguradores e a indústria do petróleo e segmentos do mercado financeiro. São casos a casos que vamos autorizando conforme a demanda e a necessidade. Em janeiro (antes da vigência da lei), o CMN (Conselho Monetário Nacional) aprovou dois casos para empréstimos de organismos internacionais a Estados e municípios e à indústria de petróleo.

O que a economia ganha com essa reforma?

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Havia uma confusão na legislação cambial que trazia muita insegurança para os atores desse mercado, importador, exportador e sistema financeiro. Tínhamos um decreto de 1920 que tratava do jogo de câmbio e ainda estava em vigor. Transformamos 440 artigos em 29. A nova lei traz muito mais clareza, eficiência, efetividade e segurança às transações.

Qual a maior vantagem?

Flexibilidade para a contratação de câmbio. Esse é um aspecto que é muito importante e que terá muita reverberação (na economia). Acabamos com a figura do tradicional contrato de câmbio, do formulário-padrão. A formalização será entre as partes. O que vamos exigir é que alguns tipos de informação estejam presentes. Isso elimina uma burocracia imensa, principalmente para aquelas operações de baixo valor e eventuais. A legislação atual (que acaba no fim do ano) exige uma série de informações ao contrato que não faz sentido para cada operação.

Novos instrumentos de negócios podem surgir?

O mercado tem poucos participantes, e esse sempre foi um segmento em que temos muita dificuldade de dar curso ao processo de inovação. A nova lei abre uma avenida para trabalhar novas tecnologias e modelos de negócios que a legislação antiga não permitia. Hoje, existe um processo de remessas de recursos para o exterior avançando muito rápido e que tinha muita dificuldade de operar. Para cooperativas de crédito, também não tínhamos espaço para regulamentar. Empresas de leasing também não. A lei dá mais musculatura para os modelos de negócio. O mercado vai começar a demandar o BC. É o que aconteceu com o open banking (compartilhamento de informações dos clientes entre os bancos) e o Pix (sistema de pagamentos instantâneo).

Como ficará a classificação da finalidade da operação?

Hoje, cabe às instituições financeiras classificar pelo cliente. É uma grande dificuldade porque, se ela classifica, por exemplo, como pagamento de mensalidade de curso e, na verdade, o cliente mandou o dinheiro para comprar outra coisa, a instituição é punida. O que estamos pensando é definir que a responsabilidade pela classificação seja do cliente.

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Há risco de dolarização da economia brasileira?

Não é nosso objetivo, e não vai acontecer. A lei vai favorecer investimentos privados no País, não só financeiros, mas de infraestrutura. Vem para a melhoria do ambiente de negócios. 

Perguntas & respostas sobre o novo marco cambial 

O que é?

A Lei 14.286 foi sancionada em dezembro de 2021 e entra em vigor em dezembro de 2022. É um novo marco legal de câmbio e de capitais internacionais para reduzir a burocracia e simplificar as operações com a modernização de uma legislação arcaica que completou 100 anos. A ideia por trás é maior movimentação. 

Quem poderá ter conta em dólar no País?

Caberá ao BC definir quem poderá e quais requisitos para ser titular de conta em moeda estrangeira no Brasil. Cresce a lista de setores em que é permitido o pagamento em moeda estrangeira no Brasil. O BC já permite seguradoras, indústria do petróleo e gás e segmentos do setor financeiro.

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As pessoas físicas poderão ter contas em dólar?

O BC não tem intenção em permitir contas em dólar no País para as pessoas físicas. Essa ideia se espalhou erroneamente, de acordo com o BC.

O que a Lei Cambial tem a ver com o Pix?

Ela abre caminho para a implementação do Pix internacional no futuro, permitindo a transferência de dinheiro em tempo real para o exterior.

Como fica o limite para viagens?

Muda de R$ 10 mil para US$ 10 mil o limite a partir do qual o viajante que ingressar ou sair do Brasil deve declarar o porte de valores em espécie de moeda estrangeira. 

Como será liberada a compra e venda de dólares por pessoas físicas?

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Permite que pessoas físicas realizem no País operações de compra ou venda de moeda estrangeira em espécie até US$ 500 ou seu equivalente em outras moedas, de forma eventual e não profissional. Muita gente não sabe, mas hoje essa prática é proibida.

O que muda para os exportadores?

Elimina restrições para que possam utilizar livremente seus recursos, além de contar com mais mecanismos de financiamento aos compradores de seus produtos.

O que muda para a compra e venda de moeda estrangeira no Brasil?

Permite que a compra e venda possa ser feita com outros agentes, e não apenas bancos e corretoras; facilita que bancos e instituições financeiras possam investir no exterior.

Será possível usar o real no exterior?

Contribui para o maior uso internacional do real, facilitando a utilização da moeda brasileira em operações financeiras internacionais. Permite o ingresso e a remessa de ordens de pagamento em reais a partir de contas em reais de instituições do exterior mantidas em bancos no País.  

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