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Reforma trabalhista na crise?

Por José Pastore
Atualização:

Nos tempos de maré cheia, poucos se lembram de modernizar as leis do trabalho. Na crise, o quadro se inverte, ao se constatar que leis cunhadas com o melhor dos propósitos mais instigam do que evitam as dispensas de trabalhadores. Vejam o caso da redução de jornada com redução de salário. Para que isso seja objeto de negociação coletiva, as dificuldades econômicas da empresa têm de ser "devidamente comprovadas" (Lei 4.923/65). Convenhamos, não pode haver expressão mais vaga do que essa. O que é comprovar devidamente? A empresa precisa chegar perto da falência? Quais são os indicadores que satisfazem essa exigência? Ademais, o que é aceito como devidamente comprovado pelas partes na negociação coletiva hoje pode não ser aceito pelos empregados, pelo sindicato laboral ou pelo Ministério Público do Trabalho amanhã. Isso pode ensejar a anulação do acordo coletivo dentro de um ou dois anos, o que exigirá da empresa o pagamento de todas as parcelas salariais não pagas, acrescidas de encargos sociais da ordem de 102%, mais juros e atualização monetária. Esse passivo trabalhista tende a assumir proporções gigantescas, suplantando, em muitos casos, o próprio patrimônio da empresa. A insegurança jurídica é colossal. Para corrigir esse problema, não é preciso fazer nenhuma reforma revolucionária e nem mesmo mexer na Constituição Federal. Basta mudar o artigo 2º da referida lei, definindo claramente indicadores objetivos para captar as dificuldades econômicas da empresa como, por exemplo, uma queda do faturamento ou das vendas, abaixo de certo nível e por três ou quatro meses consecutivos. Trata-se de uma melhoria simples e que pode ser feita até mesmo por Medida Provisória. Com maior segurança jurídica, as empresas usariam essa medida com mais tranquilidade, evitando dispensas precipitadas. Sem isso, muitas partem logo para a dispensa, pagando as verbas rescisórias e evitando passivos trabalhistas ocultos. Como está, essa lei estimula as dispensas em lugar de evitá-las. O mesmo ocorre com a suspensão do contrato de trabalho que muitas empresas gostariam de usar com o fim de reter seus empregados. Durante o período de suspensão do contrato e do salário, o empregado recebe uma Bolsa Qualificação do Ministério do Trabalho e Emprego. Uma boa medida para situações de emergência. E por que poucas empresas a utilizam? Porque, para usar esse expediente, o Ministério do Trabalho e Emprego exige que as empresas realizem um curso baseado em um plano pedagógico e metodológico a ser aprovado pela Delegacia do Trabalho, em que se prevê o uso de laboratórios, seminários e oficinas, com carga horária de 120 a 300 horas. Quanta burocracia! Há mais. O trabalhador a ser beneficiado deve comparecer à Delegacia do Trabalho munido de uma cópia do acordo coletivo, carteira de trabalho, CPF, carteira de identidade e comprovante de inscrição no PIS. Mais burocracia! O artigo 476-A da CLT que rege a matéria já é complicado em si mesmo. Com tais exigências, fica praticamente impossível de ser usado. O risco de ter o curso rejeitado ou de cometer um equívoco é grande, o que mais tarde pode ensejar a anulação da medida, gerando, novamente, um passivo trabalhista de grande monta. Por isso, em lugar de se arriscar, muitas empresas preferem despedir, pagar as verbas rescisórias e usufruir da necessária segurança jurídica. É mais um exemplo de regulação que, ao pretender proteger, acaba desprotegendo. Outra vez, a sua modificação é simples. Os exemplos são infindáveis. O Brasil perdeu a oportunidade de modernizar as leis trabalhistas na hora do crescimento, quando os empregos eram fartos. Muitas mudanças poderiam ter sido aprovadas para entrar em vigor no futuro, o que geraria menos insegurança. Mas nem tudo está perdido. A crise também proporciona condições para mudanças. Aliás, a crise impõe mudanças. Vivemos nos dias de hoje uma oportunidade para se fazer ajustes de baixa resistência política e de alto efeito prático. Porém, não podemos nos iludir. Desemprego só se corrige com emprego. Mas a legislação pode ajudar a atenuar e reduzir as dispensas que hoje são praticadas em consequência da insegurança criada por leis de má qualidade. *José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo. Site: www.josepastore.com.br

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