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Reformas agrícolas na UE atingirão o Brasil

Por Agencia Estado
Atualização:

A reunião ministerial da União Européia (UE) desta segunda-feira, em Bruxelas, para discutir o plano de reforma da Política Agrícola Comum (PAC), anunciado na semana passada, poderá levar a uma histórica recomposição no debate sobre o comércio agrícola global, forçando o Brasil a repensar sua estratégia na área, se os aspectos mais importantes da proposta forem preservados. A previsão é do economista agrícola Marcos Sawaya Jank, professor da Universidade de São Paulo e que atualmente trabalha no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington. "Vistas em conjunto, a lei agrícola (Farm Bill) adotada este ano pelos Estados Unidos e a reforma proposta pelos burocratas da UE apontam para uma inversão dos papéis das duas grandes potências agrícolas do mundo desenvolvido, em relação às últimas décadas", disse Jank. "Os norte-americanos, que no passado defenderam arduamente a liberalização do comércio agrícola, caminham agora na contramão do livre comércio com elevados pagamentos garantidos aos produtores baseados na quantidade produzida, o subsídio mais distorcivo que existe e, por isso, limitado pela Organização Mundial de Comércio (OMC)." Alguns estudos sugerem que a nova Farm Bill poderá até exceder os atuais limites impostos aos EUA na OMC. "Os europeus, que inventaram esses subsídios nos anos 60, vão no rumo oposto, ao aumentar os pagamentos diretos aos produtores, permitidos pela OMC", disse Jank. O efeito da inversão será sentido na rodada de negociações globais lançada na reunião ministerial da OMC, em Doha, em novembro, prevê o especialista. O crescimento dos subsídios com a nova Farm Bill e as limitações para concessões na área agrícola previstas no projeto da Autoridade de Promoção Comercial (TPA ou "fast track"), em negociação no no Congresso, limitam drasticamente a ação dos negociadores americanos. Em contraste, "se a reforma da PAC passar, os europeus poderão fazer mais concessões e engajar-se de forma mais efetiva na redução dos subsídios à produção", disse Jank. A redução dos subsídios é um objetivo estratégico do Brasil e dos demais países exportadores de produtos agrícolas na rodada de negociações na OMC. O aspecto mais importante do plano apresentado pelo comissário agrícola da UE, o alemão Franz Fischler, é a quebra do vínculo entre os pagamentos governamentais e a quantidade produzida. Com a redução dessa modalidade de pagamentos, os agricultores serão obrigados à orientar-se pela demanda do mercado, reduzindo a necessidade de se usar dinheiro público para comprar excedentes de produção e de dar subsídios à exportação dos excedentes. Na realidade, o volume total de subsídios internos vai manter-se. Mas os pagamentos serão desvinculados da quantidade produzida e passarão a vincular-se a rígidos padrões ambientais e de qualidade do alimento. Refletindo a crescente influência dos ecologistas na política européia (eles são parceiros na coalizão que governa a Alemanha, a maior potência econômica da UE), os burocratas de Bruxelas pretendem introduzir um novo conceito de "ecocondicionalidade" na distribuição dos subsídios. Pela proposta em discussão, a ajuda só será concedida se o agricultor obedecer a determinados padrões mínimos de preservação ambiental e da paisagem, de qualidade e sanidade do alimento e de respeito ao bem-estar dos animais. Se for aprovada, a reforma começa a vigorar em 2005. "Não está claro como isso tudo vai ser administrado, uma vez que há mais de 6 milhões de propriedades rurais na Europa, mas o conceito claramente rompe com o paradigma produtivista do passado e indica a opção da UE por um modelo de produção menos intensivo em tecnologia e capital", disse Jank. Ele alerta que, para o Brasil, "há o risco de a Europa, no futuro, querer estender esse padrão para as suas importações, o que na prática significaria o recrudescimento das barreiras não tarifárias". A UE é o destino de quase metade das exportações brasileiras na área da agricultura. Para Jank, o fato de a proposta de Fischler não mencionar mudanças nos subsídios à exportação indica que os europeus "querem deixar o assunto para as negociações da rodada da OMC, mas é óbvio que, se a reforma passar, ficará bem mais fácil eliminar esses subsídios, porque haverá menos intervenção no mercado e, portanto, menos necessidade de subsidiar exportações". Mesmo com limitações, a proposta de reforma articulada por Fischler já é considerada como "revolucionária" por alguns grupos europeus. Do ponto de vista estratégico, ela é necessária porque viabiliza o alargamento da UE aos países do Leste Europeu. A extensão da atual PAC a futuros países membros seria proibitiva em termos orçamentários. As primeiras reações sugerem que as maiores resistências virão dos países que mais se beneficiam da atual política, principalmente França, Irlanda, Espanha e Portugal. Alemanha, Holanda e Inglaterra, que pagam mais do que recebem na PAC, são os principais defensores de uma reforma mais liberal. "Para o Brasil, o principal significado da reforma está na nova configuração que ela dá à questão do comércio agrícola", disse Jank. "Tradicionalmente, o Brasil e os grandes países exportadores agrícolas do Grupo de Cairns alinharam-se com os americanos e contra os europeus nas negociações, porque, em matéria agrícola, a Europa era o bastião protecionista do mundo", explicou. "Agora estamos diante de novas tendências que precisam ser profundamente analisadas pelo governo no sentido de definir as melhores estratégias a serem seguidas na OMC, na Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e no acordo com a UE."

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