04 de agosto de 2015 | 03h00
No ensaio Ajuste inevitável, os economistas produzem uma radiografia da forte expansão dos gastos públicos nas últimas duas décadas e meia. Acompanham também a evolução da carga tributária nesse período, que passou de 25% para 35% do PIB, concluindo que a receita de impostos cresceu pouco menos do dobro do crescimento da renda.
Minucioso e devidamente propositivo no lado dos cortes que contribuiriam para conter e acomodar despesas, o texto, contudo, deixa lacunas na parte que se refere às também necessárias reformas no lado da arrecadação. Os economistas ficaram devendo sugestões para o redesenho de receitas que, como se sabe e não é de hoje, são socialmente regressivas e economicamente anticompetitividade. Quando se fala em corrigir defeitos estruturais no campo das contas públicas, uma reforma que altere a natureza das fontes de arrecadação e o perfil dos contribuintes não deveria ficar de fora.
Depois de quatro ajustes fiscais em 16 anos - um, em média, a cada quatro anos -, é preciso incluir reformas no perfil da atual carga tributária, buscando uma solução integrada, capaz de fugir das soluções provisórias e incompletas até aqui tentadas. Quando, concomitantemente, começam a ser divulgadas informações mais amplas e transparentes sobre a formação das receitas tributárias, essa tarefa ganha maior relevância.
Em resposta a críticas do economista-celebridade Thomas Piketty, que lamentou, quando veio lançar no Brasil seu famoso O capital no século XXI, em fins do ano passado, a pouca informação sobre o Imposto de Renda, a Receita Federal acaba de tornar pública uma série de dados mais detalhados, abrangendo o período de 2008 a 2013. Um primeiro estudo com base nessas novas informações, publicado sexta-feira no jornal Valor, confirmou, com números acachapantes, conhecidas distorções do sistema tributário nacional.
No artigo Jabuticabas tributárias e desigualdade no Brasil, os economistas Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, pesquisadores do Ipea, mostram quanto a arrecadação tributária ainda tem potencial de crescimento, sem afetar a competitividade econômica e melhorando sua ação distributiva. Segundo o estudo, em 2013, o topo da pirâmide, formada por exatos 71.440 contribuintes, com rendimento acima de 160 salários mínimos por mês (R$ 1,3 milhão anuais), 0,3% dos declarantes do IR ou 0,05% da população ativa, concentravam 14% da renda total e 22% de toda a riqueza em bens e ativos financeiros. Numa chocante inversão, enquanto 66% da renda desses super-ricos é isenta de IR, na faixa até 5 SMs, a parte isenta não chega a 10%. Para os autores, a distorção se deve à isenção da taxação de dividendos, que passou a vigorar em 1996 e reduz o potencial de arrecadação em cerca de R$ 50 bilhões por ano - valor não tão distante dos R$ 70 bilhões de corte em despesas públicas contidos na meta original de superávit primário de 1,1% do PIB.
É lugar comum comparar a carga tributária brasileira, de 40% do PIB, com a de outras economias de renda semelhante, em torno de 30%, lembrando que nosso nível de tributação rivaliza com o de países ricos. Muito menos comum, infelizmente, é a comparação com a estrutura tributária dos outros países. Enquanto nos países da OCDE, onde a tributação média do lucro total (pessoas físicas e jurídicas) é hoje de 51%, rendas e lucros respondem por um terço da carga tributária, no Brasil mal chega a um quinto.
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