Relatório da Aneel diz que ONS contratou por R$ 300 mil 'lobby' de ex-diretor da agência

Levantamento feito pela agência aponta ainda que o Operador Nacional do Sistema Elétrico bancou de massagista a restaurantes de luxo com o dinheiro da conta de luz

Publicidade

PUBLICIDADE

Por André Borges
Atualização:
4 min de leitura

BRASÍLIA - A auditoria realizada por técnicos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que passou um pente-fino nos gastos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) registrados entre 2014 e 2018, afirma que o órgão contratou serviços do escritório do ex-diretor da Aneel, o advogado Julião Coelho, para que ele atuasse como um tipo de “lobista” na defesa do ONS, em um processo que tramitava no Tribunal de Contas da União (TCU)

Ex-diretor da Aneel, advogado Julião Coelho Foto: Celso Junior/AE - 2011

Leia também

Segundo a Aneel, o contrato foi firmado em 2016, após “sumária e direcionada pesquisa de mercado” para escolha do escritório de advocacia. Na ocasião, o ONS contratou, sem a realização de licitação, os serviços advocatícios do escritório Julião Coelho Advocacia, pelo valor de R$ 300 mil. A contratação, afirmam os técnicos da Aneel, envolvia “apenas a defesa administrativa do ONS junto ao TCU, não incluindo, portanto, quaisquer ações judiciais posteriormente necessárias”.

Reportagem publicada nesta quinta-feira, 30, pelo Estado, baseada em um pedido feito por meio da Lei de Acesso à Informação, revelou que o ONS, segundo levantamento da Aneel, incorreu em uma série de gastos sem relação com suas atividades, como a contratação, sem licitação, de duas empresas de massoterapia, para prestarem serviços de “shiatsu expresso” a seus funcionários, ao custo total de R$ 307 mil, além de mais R$ 106 mil para que seus funcionários participassem de corridas de rua e outros R$ 70 mil para bancar contas de hotéis e restaurantes de luxo.

Na avaliação dos técnicos da agência, o processo de contratação do escritório de advocacia também teria incorrido em irregularidades, porque foi restrito e se baseou apenas a uma consulta feita a três empresas “predefinidas”, sem incluir demais análises de mercado. A Aneel declara ainda que, após a escolha do escritório de Julião Coelho, este se uniu a um segundo escritório para prestar o serviço, o Galvão, Jobim e Vieira de Carvalho Advogados Associados, que não tinha participado da pesquisa inicial feita pelo ONS.

“A justificativa apresentada pelo ONS a fim de que se viabilizasse a referida contratação se assemelha muito mais à contratação de ‘lobby’ do que efetivamente serviços técnicos e jurídicos a serem prestados no âmbito daquele tribunal de contas”, afirma a área técnica da agência, ao mencionar que a contratação se baseou na “necessidade de realização de articulação, despacho diretamente com os ministros (do TCU) o que requerem profissionais que possuam experiência e conhecimento dos trâmites dentro do Tribunal, (...), incluindo a realização de articulação/despachos com os Ministros do TCU envolvidos”.

O ONS chegou a fazer um pagamento inicial de R$ 100 mil pelos serviços advocatícios que recebeu. Os demais R$ 200 mil não chegaram a ser pagos, porque estavam atrelados ao sucesso que os advogados poderiam ter no processo administrativo que em andamento no TCU. O tribunal, no entanto, acabou rejeitando as argumentações levadas pelos advogados do ONS, o que anulou o pagamento de “honorários de êxito”.

Continua após a publicidade

Por meio de nota, o advogado e ex-diretor da Aneel Julião Coelho repudiou as afirmações da área técnica da agência. “A nota técnica da superintendência da Aneel é um desrespeito não apenas ao meu escritório, mas também ao ONS e ao próprio TCU. Somos um escritório reconhecido e ranqueado nacional e internacionalmente pela especialização em Direito e regulação de energia elétrica” declarou.

O advogado encaminhou à reportagem uma série de documentos sobre sua atuação no caso. “Colocarei à disposição todo o material que produzimos no âmbito dessa contratação, que envolvia discussão essencialmente regulatória (expertise do escritório). Tais documentos serão mais do que suficientes para comprovar que a insinuação feita pela área técnica da Aneel é infundada e dissociada dos fatos.”

O diretor-geral do ONS, Luiz Eduardo Barata Ferreira, também reagiu às comparações feitas pela Aneel a respeito de contratação de lobby. “Tal alegação coloca em evidência atos praticados não só pelo ONS, mas também pelo escritório contratado, invocando suposições acerca dos profissionais sérios e renomados no ramo do Direito e para o setor elétrico”, afirmou, em uma resposta sobre o assunto que encaminhou à Aneel no dia 26 de dezembro do ano passado. 

O diretor-geral do ONS, Luiz Eduardo Barata Ferreira Foto: Bruno Spada/MME

Segundo o ONS, os advogados dos escritórios contratados estiveram, presencialmente, nos gabinetes de ministros do TCU para apresentar memoriais. “Essa é uma atividade comum, legalmente prevista nas esferas administrativa e judicial e jamais configurando uma atitude de ‘lobby’. Ademais, a realização de ‘lobby’ pressupõe troca de favores, tornando ainda mais evasiva a alegação da SFF (Superintendência de Fiscalização Econômica e Financeira da Aneel), sobre a qual o ONS refuta veementemente”, declarou.

Gastos polêmicos

Engenheiro eletricista, Barata chegou ao comando do ONS em maio de 2016, assumindo o posto antes ocupado por Hermes Chipp, que comandava o Operador Nacional desde dezembro de 2005. O levantamento da Aneel, portanto, inclui contratações realizadas pela gestão dos dois diretores, já que trata de operações feitas entre 2014 e 2018.

Continua após a publicidade

Essa não é a primeira vez que os gastos do ONS causam polêmica. Em abril de 2016, antes de Hermes Chipp deixar o cargo, reportagem do Estado revelou que o órgão vinha utilizando recursos pagos pela conta de luz para bancar a compra de roupas em lojas de grife, almoços frequentes em restaurantes de luxo, lanchinhos diários e sucessivos abastecimento de tanques de combustível nos fins de semana.

Eram diversos os casos de mais de uma lavagem de carro em menos de 24 horas e abastecimento de carros em quantidade superior à capacidade do tanque do veículo, além de pagamentos indevidos de valores de taxas de aluguel.

A diretoria do ONS é integrada por um diretor-geral e quatro diretores, que são eleitos por uma assembleia-geral. Desses, três membros, incluindo o diretor-geral, são indicados pelo Ministério de Minas e Energia. Outros dois são indicados pelos agentes do setor elétrico. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.