BRASÍLIA - A auditoria realizada por técnicos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que passou um pente-fino nos gastos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) registrados entre 2014 e 2018, afirma que o órgão contratou serviços do escritório do ex-diretor da Aneel, o advogado Julião Coelho, para que ele atuasse como um tipo de “lobista” na defesa do ONS, em um processo que tramitava no Tribunal de Contas da União (TCU).
Leia também
Segundo a Aneel, o contrato foi firmado em 2016, após “sumária e direcionada pesquisa de mercado” para escolha do escritório de advocacia. Na ocasião, o ONS contratou, sem a realização de licitação, os serviços advocatícios do escritório Julião Coelho Advocacia, pelo valor de R$ 300 mil. A contratação, afirmam os técnicos da Aneel, envolvia “apenas a defesa administrativa do ONS junto ao TCU, não incluindo, portanto, quaisquer ações judiciais posteriormente necessárias”.
Reportagem publicada nesta quinta-feira, 30, pelo Estado, baseada em um pedido feito por meio da Lei de Acesso à Informação, revelou que o ONS, segundo levantamento da Aneel, incorreu em uma série de gastos sem relação com suas atividades, como a contratação, sem licitação, de duas empresas de massoterapia, para prestarem serviços de “shiatsu expresso” a seus funcionários, ao custo total de R$ 307 mil, além de mais R$ 106 mil para que seus funcionários participassem de corridas de rua e outros R$ 70 mil para bancar contas de hotéis e restaurantes de luxo.
Na avaliação dos técnicos da agência, o processo de contratação do escritório de advocacia também teria incorrido em irregularidades, porque foi restrito e se baseou apenas a uma consulta feita a três empresas “predefinidas”, sem incluir demais análises de mercado. A Aneel declara ainda que, após a escolha do escritório de Julião Coelho, este se uniu a um segundo escritório para prestar o serviço, o Galvão, Jobim e Vieira de Carvalho Advogados Associados, que não tinha participado da pesquisa inicial feita pelo ONS.
“A justificativa apresentada pelo ONS a fim de que se viabilizasse a referida contratação se assemelha muito mais à contratação de ‘lobby’ do que efetivamente serviços técnicos e jurídicos a serem prestados no âmbito daquele tribunal de contas”, afirma a área técnica da agência, ao mencionar que a contratação se baseou na “necessidade de realização de articulação, despacho diretamente com os ministros (do TCU) o que requerem profissionais que possuam experiência e conhecimento dos trâmites dentro do Tribunal, (...), incluindo a realização de articulação/despachos com os Ministros do TCU envolvidos”.
O ONS chegou a fazer um pagamento inicial de R$ 100 mil pelos serviços advocatícios que recebeu. Os demais R$ 200 mil não chegaram a ser pagos, porque estavam atrelados ao sucesso que os advogados poderiam ter no processo administrativo que em andamento no TCU. O tribunal, no entanto, acabou rejeitando as argumentações levadas pelos advogados do ONS, o que anulou o pagamento de “honorários de êxito”.
Por meio de nota, o advogado e ex-diretor da Aneel Julião Coelho repudiou as afirmações da área técnica da agência. “A nota técnica da superintendência da Aneel é um desrespeito não apenas ao meu escritório, mas também ao ONS e ao próprio TCU. Somos um escritório reconhecido e ranqueado nacional e internacionalmente pela especialização em Direito e regulação de energia elétrica” declarou.
O advogado encaminhou à reportagem uma série de documentos sobre sua atuação no caso. “Colocarei à disposição todo o material que produzimos no âmbito dessa contratação, que envolvia discussão essencialmente regulatória (expertise do escritório). Tais documentos serão mais do que suficientes para comprovar que a insinuação feita pela área técnica da Aneel é infundada e dissociada dos fatos.”
O diretor-geral do ONS, Luiz Eduardo Barata Ferreira, também reagiu às comparações feitas pela Aneel a respeito de contratação de lobby. “Tal alegação coloca em evidência atos praticados não só pelo ONS, mas também pelo escritório contratado, invocando suposições acerca dos profissionais sérios e renomados no ramo do Direito e para o setor elétrico”, afirmou, em uma resposta sobre o assunto que encaminhou à Aneel no dia 26 de dezembro do ano passado.
Segundo o ONS, os advogados dos escritórios contratados estiveram, presencialmente, nos gabinetes de ministros do TCU para apresentar memoriais. “Essa é uma atividade comum, legalmente prevista nas esferas administrativa e judicial e jamais configurando uma atitude de ‘lobby’. Ademais, a realização de ‘lobby’ pressupõe troca de favores, tornando ainda mais evasiva a alegação da SFF (Superintendência de Fiscalização Econômica e Financeira da Aneel), sobre a qual o ONS refuta veementemente”, declarou.
Gastos polêmicos
Engenheiro eletricista, Barata chegou ao comando do ONS em maio de 2016, assumindo o posto antes ocupado por Hermes Chipp, que comandava o Operador Nacional desde dezembro de 2005. O levantamento da Aneel, portanto, inclui contratações realizadas pela gestão dos dois diretores, já que trata de operações feitas entre 2014 e 2018.
Essa não é a primeira vez que os gastos do ONS causam polêmica. Em abril de 2016, antes de Hermes Chipp deixar o cargo, reportagem do Estado revelou que o órgão vinha utilizando recursos pagos pela conta de luz para bancar a compra de roupas em lojas de grife, almoços frequentes em restaurantes de luxo, lanchinhos diários e sucessivos abastecimento de tanques de combustível nos fins de semana.
Eram diversos os casos de mais de uma lavagem de carro em menos de 24 horas e abastecimento de carros em quantidade superior à capacidade do tanque do veículo, além de pagamentos indevidos de valores de taxas de aluguel.
A diretoria do ONS é integrada por um diretor-geral e quatro diretores, que são eleitos por uma assembleia-geral. Desses, três membros, incluindo o diretor-geral, são indicados pelo Ministério de Minas e Energia. Outros dois são indicados pelos agentes do setor elétrico.