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Retaliação pode não ser o melhor caminho

Por Marcela W. Ejnisman e Andreia de Andrade Gomes
Atualização:

Com o Projeto de Lei nº 1.893/07, do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), o Brasil poderá legalizar a chamada "retaliação cruzada" aos países que descumprirem determinações da Organização Mundial do Comércio (OMC), por meio de medidas restritivas ou até mesmo pela extinção da proteção aos direitos de propriedade intelectual. Tais direitos incluem, por exemplo, os direitos autorais, marcas, indicações geográficas, patentes e modelos de utilidade, desenhos industriais, programas de computador, informações confidenciais, cultivares e topografias de circuitos integrados. Essa prática poderia ser aplicada, por exemplo, às empresas ou cidadãos americanos, como retaliação pelos subsídios que os Estados Unidos fornecem aos produtores de algodão. A suspensão dos direitos de propriedade intelectual pela "retaliação cruzada" pode ocorrer no âmbito de outro acordo e não necessariamente deve ser feita no mesmo setor. Atualmente, o principal mecanismo de punição da OMC é a permissão de medidas de retaliação que, em geral, criam dificuldades de acesso ao mercado, como a adoção de sobretaxas que inviabilizam, por ônus excessivo, o desrespeito às regras comerciais. Essa prática é usual desde a década de 90, com o claro intuito de obrigar o cumprimento de acordos comerciais pelas nações. Já o projeto de lei prevê que o Poder Executivo federal poderá suspender, por um período determinado, os direitos da propriedade intelectual previstos no Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips, na sigla em inglês), internalizado pela legislação brasileira em 1994. O texto do projeto traz, sem dúvida, um inédito instrumento de pressão para os países em desenvolvimento. A aplicação será ampla e eventualmente cumulativa para rejeitar pedidos de registros, interromper procedimentos de análises de pedidos de registro já depositados, bloqueio de remessa de royalties, licenciamento compulsório de direitos, incremento de retribuição aos órgãos registrais, impossibilidade de cobrança retroativa na cessação das medidas e até mesmo a extinção dos direitos de propriedade intelectual. Conseqüentemente, a possibilidade de causar danos aos detentores de direitos de propriedade intelectual pode ser arma eficaz para obrigar os governos de determinados países, como os Estados Unidos, a cumprir com as normas da OMC. É de supor, porém, que haverá reação, caso o projeto vire lei. Os países estrangeiros poderão contestar as ações brasileiras em cima de dois pontos cruciais: possível confronto com a Constituição Federal e com o Trips. A Constituição Federal garante a igualdade entre nacionais e estrangeiros quanto à propriedade - e é inimaginável que quem tiver seus direitos restringidos não invoque esse princípio. Pode-se imaginar ainda a pressão por meio da mídia e o lobby para proposta de Ação Direta de Inconstitucionalidade, visando a levar a disputa judicial às vias extremas do Supremo Tribunal Federal. Há, ainda, diversas disposições a favor dos estrangeiros no Trips, que também garantem tratamento igual a todos os integrantes do acordo, impossibilitando sua proteção diferenciada em relação aos nacionais. A questão mais delicada realmente está na interpretação do Trips. Esse acordo, em disposições subjetivas, reconhece a necessidade de países de menor desenvolvimento implementarem leis internas flexíveis para possibilitar uma base tecnológica sólida e viável. Mas não define as bases para a caracterização do menor desenvolvimento de uma nação. Dessa forma, se considerarmos o Brasil como um país de menor desenvolvimento, a implementação da "retaliação cruzada" seria permitida. A importância que os direitos de propriedade intelectual possuem, especialmente patentes, marcas e o direito autoral, além da inovação tecnológica, torna esses ativos intangíveis merecedores de proteção adequada, por serem fatores incontestáveis ao desenvolvimento tecnológico e econômico de um país. De outro lado, não se discute que a questão da "retaliação cruzada" possa ser abarcada pelo planejamento estratégico nacional, mas uma decisão apressada, sem a devida análise da base legal vigente, pode gerar resultados temerários e contribuir para o desestímulo aos investimentos internacionais em pesquisa no Brasil. *Marcela W. Ejnisman e Andreia de Andrade Gomes são advogadas

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