Rio de Janeiro vive impasse sobre permanência em programa de socorro fiscal

A renovação é considerada inviável no formato atual, e qualquer negociação dependerá de uma mudança na lei do Regime de Recuperação Fiscal pelo Congresso Nacional

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Por Idiana Tomazelli
Atualização:
4 min de leitura

BRASÍLIA – Ameaçado de expulsão do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) por descumprir regras, o Estado do Rio de Janeiro mergulhou em um impasse para garantir sua permanência no programa de socorro, que concede alívio no pagamento de dívidas em troca de medidas de ajuste e cujo primeiro período de três anos vence no início de setembro de 2020. A renovação é considerada inviável no formato atual, e qualquer negociação dependerá de uma mudança na lei do RRF pelo Congresso Nacional para dar mais tempo ao ajuste nos Estados que aderirem ao plano.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o governo fluminense entende que a prorrogação do socorro por mais três anos é automática, mas a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) avalia que o processo de renovação precisa seguir os mesmos passos da adesão – ou seja, o Estado teria de demonstrar com estudos e projeções minuciosos que conseguiria atingir o equilíbrio até setembro de 2023.

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A cidade do Rio de Janeiro Foto: FOTO: WILTON JUNIOR / ESTADãO

O cenário de equilíbrio nos próximos três anos é considerado inatingível, porque a trajetória de resultado das contas do Rio de Janeiro tem se deteriorado. O déficit nominal saiu de R$ 9,789 bilhões em 2017 para R$ 13,761 bilhões em 2019, tendência contrária à de reversão esperada no plano de recuperação.

Além disso, o Rio ainda tem um estoque de R$ 18 bilhões em obrigações com fornecedores e prestadores de serviços contratadas em anos anteriores e que até hoje não foram pagas. No conceito de “equilíbrio” do plano de recuperação fiscal, todos esses débitos precisariam ser quitados integralmente – o que não poderá ser comprovado pelo governo fluminense.

Outro foco de preocupação é com o risco de extinção do plano de recuperação do Rio diante das violações cometidas pelo Estado. O Conselho de Supervisão alertou ontem que o governo fluminense precisa adotar novas medidas para compensar aumentos irregulares despesas, sobretudo com pessoal, ou poderá ser expulso do socorro. O parecer foi consenso entre os três integrantes do conselho – um deles é representante do próprio governo estadual.

Se o regime de recuperação do Rio for extinto, há quem entenda que o governador Wilson Witzel (PSC) pode ficar impedido de solicitar a prorrogação porque há uma cláusula que proíbe o pedido a quem descumpre o plano. Há uma dúvida jurídica, no entanto, porque não foi Witzel quem fez o requerimento, mas sim seu antecessor no cargo, o ex-governador Luiz Fernando Pezão (MDB).

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Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a avaliação dentro do governo federal é de que a mudança nas regras do RRF se tornou urgente para resolver o problema do Rio de Janeiro. A equipe econômica já vinha discutindo um aumento do prazo do RRF de seis para dez anos e a instituição de metas periódicas para acompanhamento do plano, mas esse projeto, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), acabou ficando de lado com a pandemia da covid-19.

Fôlego

Com o socorro a Estados e municípios, o governo fluminense ganhou um fôlego e tem aproximadamente seis meses para trabalhar pela mudança no Congresso. Sem essa alteração, o Estado ficaria obrigado a reembolsar a União em mais de R$ 50 bilhões a partir de 2021 – o valor é quase um ano inteiro de Orçamento do Rio – ou acabaria recorrendo à Justiça para se blindar das cobranças.

“Por ora o Rio não vai ser excluído, são R$ 31 milhões (que faltaram compensar). O problema que eu vejo são dois. Esses R$ 600 milhões foram compensações para 25 descumprimentos do RRF, mas tem outros 80 procedimentos que estão sendo investigados. Tem aí gratificações dadas a profissionais de educação que somam R$ 100 milhões. O descumprimento do regime de recuperação é algo crônico no Estado. E outro ponto é que resolve agora, mas em setembro tem decisão sobre renovação do regime. Sou capaz de duvidar que algum técnico do Tesouro dê parecer pela renovação”, afirma Pedro Paulo. Segundo ele, sem a mudança nas regras, “vai ser impossível o Rio renovar.”

Cedae

A alteração no RRF ainda é considerada essencial para resolver o impasse em torno da Cedae, companhia estadual de águas e esgotos dada como garantia à União de que o Estado pagará um empréstimo bilionário contratado no fim de 2017 para colocar em dia a folha de pagamento de servidores. A prestação vence no fim deste ano, e o Rio não tem dinheiro para pagar. Nesse caso, a União honraria o compromisso e teria direito a federalizar a Cedae.

A alternativa que está sendo considerada é permitir que, em vez de entregar a estatal (que vale mais que o empréstimo contratado pelo Estado), o Rio possa incorporar a dívida ao saldo de débitos mantido junto à União. Na prática, o Tesouro pagaria o valor devido no fim de dezembro, e o Estado teria aproximadamente 30 anos para reembolsar o governo federal.

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Entenda a situação do Rio

Ao todo, o Estado deve R$ 599,7 milhões para a União. Essa é a soma total dos efeitos financeiros das violações que o Estado do Rio cometeu no plano de recuperação fiscal, firmado em setembro de 2017 no âmbito do Regime de Recuperação Fiscal (RRF). As violações foram identificadas em 105 processos de monitoramento do Conselho Superior do RRF.

Contudo, na última segunda-feira, 22, o Estado ofereceu ao Conselho Superior do RRF apenas R$ 568,7 milhões em medidas para compensar o impacto negativo, nas contas públicas, das violações. Assim, falta o governo fluminense propor medidas para compensar os R$ 31 milhões restantes. 

Vale destacar que ao todo, o Conselho Superior do RRF identificou 25 violações, das quais 18 são devido a medidas que levaram ao aumento dos gastos com pessoal, o que é proibido pelas regras do RRF. As principais violações desde setembro de 2017 foram: 

  • Aumento no valor da Gratificação de Encargos Especiais (GEE), no valor de R$ 186 milhões; 
  • Alteração no Plano de carreira dos professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no valor de R$ 24 milhões; 
  • Nomeação de 166 papiloscopistas, no valor de R$ 24 milhões; 
  • Aumento de gratificação da RAS para agentes penitenciários, no valor de R$ 13 milhões;
  • Aumento de gratificação no âmbito do Programa de Estímulo Operacional, no valor de R$ 37 milhões.
  • Aumento no piso salarial regional de 2018, no valor de R$ 165 milhões.