
26 de fevereiro de 2017 | 05h00
WASHINGTON - A elevada impopularidade dos integrantes do Congresso Nacional e o interesse em evitar um desastre econômico que agrave essa situação deverá garantir a aprovação da reforma da Previdência, afirma Ian Bremmer, presidente do Eurasia Group, empresa de consultoria que transformou a avaliação de riscos geopolíticos em uma ferramenta de prognósticos econômicos.
Bremmer diz que o mundo entrou em 2017 em uma “recessão geopolítica”, com retração da atuação global dos Estados Unidos e a inexistência de um país ou grupo de países capazes de ocupar o seu lugar. Em sua opinião, as incertezas criadas por esse cenário serão o maior risco para a economia nos próximos anos. “Nós estamos vendo o fim da Pax Americana.”
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Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Se um investidor perguntar a você se deve colocar dinheiro no Brasil, qual será sua resposta?
Diria sim, sem dúvida. O Brasil tem uma economia diversificada, uma riqueza significativa de recursos naturais, um bom perfil demográfico e estabilidade geopolítica. Vocês não estão na corrida armamentista, não têm problemas com terrorismo. O risco é de governança e dos grandes escândalos que criaram instabilidade nos últimos anos. Mas, em razão do fato de que há investigações reais, um Judiciário independente e pessoas que estão indo para a prisão, a economia brasileira chegará ao fim desse processo fortalecida.
A Eurasia acredita que a reforma da Previdência em 70% de chance de aprovação. Por quê?
O governo e os congressistas entendem que a não aprovação terá impacto negativo sobre a economia brasileira. É a combinação da impopularidade com o fato de que eles querem evitar o desastre. A população reagirá se a economia entrar em queda livre pela não aprovação da reforma, e o Brasil for rebaixado pelas agências de classificação de risco e sofrer um aumento de seus custos de financiamento. Por isso, nós acreditamos que esse será um período produtivo para reformas.
Qual a chance de Temer terminar seu governo?
É bastante alta, já que não é um período muito longo. Dilma Rousseff foi afastada e era óbvio que Temer assumiria. Se Temer for afastado, o rumo do país é muito menos claro.
Quais os principais riscos diante do Brasil?
O principal risco continua a ser a Lava Jato, que tem a possibilidade de surpreender de maneira negativa. A cada 24 horas as pessoas nos perguntam quais são as últimas notícias do Brasil. Isso não ocorre em relação à Rússia, à China e à Índia. Nos Brics, o Brasil tem esse enorme risco político. Mas acredito que vamos começar a ver o preço das commodities subir. Se as relações entre os EUA e a China piorarem, isso pode trazer benefícios na forma de substituição de compras de soja dos EUA.
A Eurasia disse que 2017 terá o ambiente mais volátil de riscos políticos do pós-guerra. Quais são os mais preocupantes?
Estamos entrando em uma recessão geopolítica. Tivemos um boom geopolítico com a arquitetura internacional criada pelos Estados Unidos depois de 1945. Agora, isso está se desmanchando. Trump tomou posse há cinco semanas com uma plataforma de unilateralismo, antiglobalismo e a América em primeiro lugar. Isso significa que o interesse dos EUA de ser a polícia do mundo desapareceu. Pela primeira vez em minha carreira posso dizer que o principal risco para a economia global nos próximos anos não é econômico, mas geopolítico. Estamos vendo o fim da Pax Americana, e não há outro país ou grupo de países preparados para desempenhar o papel global dos Estados Unidos.
Qual o impacto disso sobre a economia mundial?
Um dos principais riscos é a piora na relação entre os Estados Unidos e a China. Ontem (quarta-feira), Trump disse que os chineses são os campeões da manipulação cambial, que poderiam fazer mais em relação à Coreia do Norte, os acusou de práticas comerciais desleais e falou sobre o Mar do Sul da China. Ele está atacando os chineses de maneira muito dura. Veremos medidas comerciais dos EUA contra a China, que serão respondidas.
E o que mais está por vir?
Também há riscos relacionados ao terrorismo. Trump fala o tempo todo de terrorismo islâmico radical e anunciou restrições de entrada nos EUA que atingiam quase exclusivamente muçulmanos. Isso é útil para o Estado Islâmico e outras organizações recrutarem seguidores, levantarem dinheiro e planejarem ataques contra o Ocidente e os Estados Unidos. Obviamente há um risco maior de terrorismo com Trump na Presidência.
A União Europeia sobreviverá?
Ainda é uma questão em aberto. Se (Marie) Le Pen ganhar na França, o que parece improvável, será o começo do fim da UE. Se isso não ocorrer, é provável que a Europa adote dois trilhos distintos. Veremos o cerne da Europa em torno da Alemanha e dos membros originais, e a periferia, com Grécia, Hungria, Romênia, Eslováquia. Esses países não tem o mesmo Estado de Direito que a Alemanha, por exemplo, e não têm a mesma estrutura social. Creio que a integração entre o cerne da Europa e a periferia ficará mais débil. A Europa ficou muito grande. Nunca deveriam ter aceitado a Turquia nem ter expandido tanto o euro.
Qual o impacto de Trump na economia dos EUA?
No curto prazo, deve ser positivo. A redução de impostos para empresas, a eliminação de regulações e o esforço para investir em infraestrutura será favorável. A questão é se isso será sustentável. Se o dólar se fortalecer e o déficit aumentar, em algum momento os mercados sofrerão. É difícil imaginar que Trump terá quatro anos de vento a favor.
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