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Ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore e Associados

Opinião|Riscos políticos e a sociedade de leões

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Atualização:

A indicação de Joaquim Levy para a Fazenda provocou grande alívio. Afinal, é um economista de reconhecida competência e experimentado em funções públicas, nas quais sempre teve sucesso. Com estas credenciais ele recebeu apoios públicos de economistas, empresários e políticos, que foram abundantes e efusivos, mas não foi capaz de passar pelo teste impessoal e livre de emoções do comportamento do Credit Default Swap (CDS) brasileiro, que é uma medida de risco do País. No gráfico anexo vê-se que em 2011 e 2012 o CDS brasileiro tinha cotações quase iguais às do México e bem inferiores às da Turquia, mas nas últimas semanas - mesmo com Levy à frente da Fazenda - as cotações brasileiras superaram as da Turquia e abriram um spread superior a 140 pontos em relação ao CDS do México. Houve um aumento, e não uma redução na percepção de riscos. O que explica isso?Se Levy fosse ministro de um governo politicamente unido em torno de um diagnóstico comum, com uma sólida base de sustentação no Congresso, haveria pouca dúvida sobre sua a capacidade de entregar a meta inicialmente proposta de 1,2% para o superávit primário deste ano que, no entanto, ainda é insuficiente. Mas, além de pertencer a um governo politicamente enfraquecido, que tende a se enfraquecer ainda mais devido aos custos da recessão e da inflação elevada, teve sua tarefa dificultada pela herança das pedaladas e outros expedientes que aumentaram o esforço fiscal necessário para cumprir a meta. No jantar com o PMBD Levy reconheceu que devido aos efeitos das pedaladas precisará gerar uma economia de R$ 80 bilhões, que é bem superior às estimativas anteriores. O esforço fiscal terá de ser maior e provocará uma desaceleração da economia mais intensa do que se julgava há algumas semanas, o que dificulta ainda mais sua tarefa. Este não é um quadro que contribua para uma queda na percepção de riscos. A percepção de riscos cresceu ainda mais com os desdobramentos econômicos da crise da Petrobrás. A perda do grau de investimento não se deve apenas ao reconhecimento de que quando forem corrigidos os valores superavaliados dos ativos a queda do patrimônio líquido da empresa gerará uma relação dívida/patrimônio incompatível com aquela avaliação de risco. Ou seja, o problema não vem apenas da rapinagem da qual a empresa foi vítima. Deve-se, também, ao fato de que os reajustes de preços dos combustíveis abaixo dos preços internacionais levaram a uma perda estimada em R$ 60 bilhões, cuja drenagem sobre o caixa da empresa teve de ser evitada com aumento do endividamento, levando a relação dívida/Ebitda acima dos limites compatíveis com o grau de investimento. Apesar disso, havia no mercado financeiro a noção ingênua de que a Petrobrás não perderia o grau de investimento. A vã esperança foi atropelada pela decisão da Moody's no dia 24 de fevereiro, e agora o mercado se preocupa com possíveis desdobramentos que isto possa ter sobre o risco soberano. Outra fonte crescente de risco se refere aos reflexos da depreciação cambial sobre a inflação, vinda do descompasso entre o déficit nas contas correntes e os fluxos de capitais. Devido a um real sobrevalorizado e aos excessos expansionistas nas políticas fiscal e monetária dos últimos anos, o déficit anual nas contas correntes situa-se em torno de US$ 90 bilhões. O baixo crescimento das exportações mundiais e a queda dos preços intencionais de commodities não dão esperanças de uma melhora significativa em 2015. Como financiar este déficit? Os investimentos estrangeiros diretos situam-se atualmente em torno de US$ 60 bilhões por ano. Significa que admitindo - com boa dose de otimismo - que o nível dos investimentos diretos não sofra queda, o País precisaria de ingressos de portfólio de US$ 30 bilhões. Mas, devido à combinação da recessão, que diminui a atratividade das ações de todas as empresas, com a crise da Petrobrás dificilmente teremos esses ingressos na forma de ações. Teremos, portanto, de contar com o ingresso de capitais em renda fixa. Percorrendo as estatísticas do Banco Central encontramos períodos nos quais em 12 meses ocorreram ingressos de renda fixa desta magnitude, e tanto naqueles períodos quanto agora as taxas de juros no Brasil superaram as taxas internacionais de juros. Embora a generalização da prática do quantitative easing e de juros baixos gerem forte complacência dos investidores internacionais, que precisam encontrar algum lugar no mundo para estacionar o seu dinheiro, é preciso lembrar que suas decisões não são influenciadas apenas pelo diferencial de taxas de juros, mas também pela percepção de riscos. Neste sentido sabemos que cotações mais elevadas do CDS brasileiro significam um desestímulo aos ingressos de renda fixa, criando um círculo vicioso. Numa palestra recente Levy afirmou que não se deve utilizar as intervenções no mercado de swaps cambiais para mudar a tendência do câmbio. Tais intervenções servem apenas para reduzir a sua volatilidade. A mensagem da sua afirmação é que, se os fundamentos apontarem para uma depreciação, esta terá de ocorrer. E tanto o elevado déficit nas contas correntes quanto o movimento de valorização do dólar com relação às demais moedas apontam nesta direção. Porém, contrações nos ingressos de capitais podem acentuar a depreciação acima destes limites, e temos de nos lembrar que recentemente a maior fonte de volatilidade da taxa cambial vem das oscilações na percepção de riscos, como mostram as flutuações do CDS. Muito mais eficaz do que as intervenções em swaps cambiais para retirar a volatilidade da taxa cambial é uma política fiscal fortemente respaldada no plano político, garantindo o cumprimento das metas. Com ela caem os riscos, atraindo capitais e suavizando o ajuste da taxa cambial. A política fiscal não é importante apenas para garantir a sustentabilidade da dívida pública, mas também para reduzir a volatilidade cambial. Neste ponto teremos de testar uma outra faceta da competência de Levy: a de convencer os políticos, e principalmente o PMDB, a dar pleno suporte às medidas de cortes de gastos e de elevação de receita. A seu favor está a natureza das medidas. Ele quer cortar despesas derivadas de desperdícios, e elevar receitas removendo incentivos que não atingiram os seus propósitos. São portanto, correções bem-vindas. Mas mesmo assim acentuam a recessão e contrariam interesses, o que intensifica a oposição política, que não seria suficiente para impedir a sua aprovação caso estivéssemos diante de um governo politicamente forte. Na selva, um leão enfraquecido pelos anos é facilmente vencido por um mais forte, deixando-o à mercê das hienas que rapidamente põem fim à sua vida. A moral dessa história, no plano político, é que um leão enfraquecido se expõe ao ataque de outros, mais fortes, e perde o poder de controlar o grupo. O fim dessa história é triste para quem por muito tempo foi o rei da selva. Mas o final de uma história é apenas o início de outra. Numa nova sociedade de leões, um leão mais forte assume o lugar daquele que se foi, e a vida continua.

Opinião por Affonso Celso Pastore
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