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O cartel de câmbio no Brasil

Por Roberto Gianetti da Fonseca
Atualização:

Em julho de 2015, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu um processo administrativo para investigar um cartel de 15 bancos estrangeiros acusados de manipulação de taxas de câmbio, envolvendo o real e moedas estrangeiras, e muito especialmente se houve alguma influência direta deste cartel na fixação da denominada taxa Ptax. Essa taxa é divulgada diariamente pelo Banco Central (BC) e corresponde a uma média das taxas de compra e venda de dólar. Sua relevância deriva do fato de que é a principal referência tanto para o mercado financeiro quanto para o comércio exterior. Com base num acordo de leniência já assinado com uma instituição estrangeira, o Cade afirmou que, até agora, a investigação identificou práticas irregulares em operações no mercado offshore, mas que continua investigando a prática direta ou indireta destes bancos no mercado cambial brasileiro. Não se trata mais de verificar a existência ou não do cartel, pois isso já resultou do acordo de leniência, mas, sim, de entender a extensão do dano causado pelos seus atos ilícitos à economia brasileira e aos seus agentes econômicos privados, tais como os exportadores brasileiros, que por muitos anos receberam menos reais para cada dólar exportado, especialmente no período investigado, de 2009 a 2013. A inexistência da conversibilidade da moeda para os residentes no Brasil está por detrás da assimetria regulatória entre os segmentos à vista e o de derivativos do mercado de câmbio brasileiro. Enquanto no mercado à vista atuam apenas os bancos autorizados pelo BC, cumprindo ordens de compra ou venda à vista de moeda estrangeira em nome próprio ou de terceiros clientes, no mercado futuro de câmbio seu caráter non-deliverable permite a todos os agentes participantes a movimentação livre de posições em moeda estrangeira. Essa assimetria determinou ao longo do tempo uma hipertrofia do mercado futuro de câmbio no Brasil, o qual passou a ter papel preponderante na formação da taxa de câmbio do real, reforçado ainda por outras duas condicionantes combinadas, quais sejam: o elevado diferencial entre as taxas de juros interna e externa e o acesso ilimitado dos investidores estrangeiros às operações com derivativos cambiais. A esta operação especulativa de arbitragem do diferencial de taxas de juros e de câmbio dá-se o nome de carry trade, e, por causa de sua lucratividade relativa no Brasil, assumiu proporções gigantescas de dezenas de bilhões de dólares por dia! Em resumo, sem que a grande maioria dos brasileiros se desse conta, o palco estava montado para a prática de um dos maiores crimes contra a economia brasileira, que foi a aguda e prolongada sobrevalorização cambial no Brasil, que aniquilou milhares de indústrias, milhões de empregos e fragilizou nossa economia. Sabemos, agora, que a valorização do real ocorreu não exclusivamente pela flutuação do mercado, mas, sim, de forma induzida pelo cartel de câmbio. A especulação em qualquer mercado do mundo é benigna quando ela é bidirecional, na compra e na venda, e quando confere liquidez e anula a arbitragem de preços pela própria dinâmica do mercado. Neste caso do carry trade, o que observamos foi uma especulação maligna, pois era unidirecional, na qual quase todos os agentes privados estavam sempre na posição vendida de dólares e comprada de reais para prazos de 60 a 90 dias, e, na outra ponta, invariavelmente o Banco Central. Enquanto isso, a arbitragem de juros internos e externos permanecia fixa, tendo como base a taxa Selic, sempre nas alturas. Desta forma, o “suposto cartel” agiu impunemente por anos a fio valorizando o real a cada rolagem nos finais de mês, influenciando a fixação da taxa Ptax e, assim, ganhando um bônus cambial extra. Impressionante que as autoridades monetárias à época não tenham visto o elefante na sala. Por meio dos acordos de leniência assinados com o Cade, e assim como ocorreu nos Estados Unidos recentemente, em julgamento semelhante, aqui também deverão ser impostas bilionárias multas indenizatórias aos agentes envolvidos, 15 instituições financeiras e 30 pessoas físicas. O cartel de câmbio está sendo finalmente desmascarado.*Roberto Gianetti da Fonseca é empresário e economista, presidente da Kaduna Consultoria, ex-secretário executivo da Camex (2000-2002), é autor do livro 'Memórias de um trader' (Iob Thomson, 2002)Celso Ming volta a publicar sua coluna amanhã.

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