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Roberto Viana, o filósofo que explora petróleo

Fã de Schopenhauer, considerado excêntrico por seus pares, o empresário pernambucano Roberto Viana construiu, sem chamar atenção, uma das maiores petroleiras do País

Por Naiana Oscar e de O Estado de S. Paulo
Atualização:

Se tem uma coisa que Roberto Viana detesta é ver seu nome no jornal. Desde que abandonou a efêmera carreira política no início da década de 90 em Pernambuco, quando foi secretário do governo estadual, ele decidiu que não iria mais aparecer na mídia - nada de fotos, nem entrevistas. Nos últimos dois anos, Viana abriu duas exceções: uma para defender o sócio Eike Batista, que vem sendo penalizado pelo mercado financeiro. A outra entrevista, a um jornalista alemão, foi para atender a um pedido especial do grande amigo Paulo Coelho. O esforço para ser um desconhecido fez com que esse pernambucano, fã de filosofia e colecionador de arte, criasse em torno de si uma aura de mistério. Pouquíssimas pessoas no setor de petróleo e gás, onde atua desde 2001, conhecem sua trajetória. Até entre alguns funcionários, Viana se tornou um grande ponto de interrogação. O fato é que, mesmo contra sua vontade, a empresa Petra Energia, fundada por ele em 2008 para explorar petróleo e gás, começou a chamar a atenção do mercado. Nos últimos cinco anos, muito silenciosamente, a petroleira virou a maior concessionária de blocos em terra do País, com uma área de 80 mil km² nos Estados de Minas Gerais, Maranhão e Amazonas - o equivalente a quase duas Suíças. E o mais impressionante: sem ter produzido uma gota de petróleo ou gás (portanto com faturamento zero), a Petra Energia encerrou o ano de 2011 com lucro de R$ 1,1 bilhão, segundo o último balanço disponível. Por trás do caixa robusto estão altas doses de risco e de sorte. Nos últimos leilões da Agência Nacional de Petróleo (ANP) para concessão de blocos, o dono da Petra adquiriu áreas em regiões pouco atrativas, que já haviam sido exploradas pela Petrobrás no passado e que exigiam um grande empenho logístico para valerem a pena. No leilão de 2005, por exemplo, ele comprou 21 blocos na bacia do Rio Solimões pelo lance mínimo, desembolsando R$ 420 mil. "Na época, ninguém entendeu direito o que eles estavam fazendo, porque aquela área era um dos patinhos feios da rodada", lembra um geólogo que presta consultoria no setor. Em 2009, veio a sorte: a ANP protelaria por quatro anos a realização de novos leilões, o que inflacionou o valor dos blocos que já estavam concedidos. Naquele ano, Viana vendeu uma participação de 51% no Solimões para a petroleira HRT, hoje de capital aberto, por US$ 30 milhões. E, em 2011, transferiu seus 45% restantes para a gigante russa TNK por R$ 1,2 bilhão. Na Bacia do Parnaíba (MA), o empresário pernambucano se associou a Eike Batista, que adquiriu 70% dos blocos e assumiu os investimentos para iniciar a produção de gás. Na mesma região, os dois estão construindo juntos um complexo termoelétrico, que começou a operar comercialmente no mês passado. "Essa é uma das grandes sacadas de Roberto Viana: ele sabe ganhar dinheiro colocando muito pouco a mão no bolso", diz um ex-executivo da Petra. As sociedades estratégicas feitas pela Petra renderam à Viana fama de especulador. Na visão de alguns concorrentes, ele estaria mais interessado em comprar áreas baratas para vender a um preço mais alto do que em se aventurar na arriscada atividade de exploração de petróleo e gás. A imagem começou a mudar quando, em 2010, a empresa iniciou na Bacia do São Francisco (MG) a maior campanha sísmica e de perfuração de poços já realizada em terra no País. Até agora, 16 poços já foram perfurados na região. A quantidade não é trivial, já que a perfuração de um poço pode exigir investimentos de até R$ 50 milhões e levar de dois a cinco meses para ser concluída. A Petra já descobriu na região a existência de gás natural não convencional, encontrado em rochas pouco porosas e, por isso, mais difícil de ser extraído. "A expectativa agora é para saber se esse gás será comercial ou não", afirma um geólogo que conhece bem a região. Enquanto explorava o interior mineiro, Roberto Viana partiu discretamente - como lhe é de praxe - para o continente africano. No ano passado, o empresário comprou quatro blocos no Sudão e sete no Chade, com área total de 580 mil km². Aos mais próximos, ele costuma dizer que está investindo na África com os olhos voltados para a Índia - um dos países que mais consome petróleo no mundo e onde Viana pretende viver depois que se aposentar. "Em oito anos, nossa operação na África deve representar 60% do total", diz Philip Yang, um dos fundadores da Petra. Mas o Brasil continua nos planos. Segundo fontes de mercado ouvidas pelo Estado, Viana já está fazendo parcerias para participar do próximo leilão da ANP, marcado para os dias 14 e 15 de maio. Será a quarta rodada de licitações que terá a presença do grupo comandado pelo pernambucano. A primeira foi em 2005, quando Viana se associou à argentina Oil M&S para disputar os blocos. Perfil   Embora tenha sido criada dois anos antes da OGX de Eike Batista, a petroleira de Roberto Viana é bem menos conhecida - apesar de sua trajetória ser tão ou mais curiosa que a da concorrente. Viana é o oposto de Eike. Diz que o dinheiro destrói a vida das pessoas. Não gosta de iates, nem de jatinhos particulares, helicópteros e carrões. Aprecia rodas de samba. Coleciona quadros e esculturas desde os 16 anos de idade. Estudou filosofia na Suíça, depois de abandonar a faculdade de medicina em Pernambuco. Assim, rompeu com a tradição familiar iniciada pelo avô, que foi o primeiro médico da região de Timbaúba, sua cidade natal, localizada a 100 km de Recife. Do tipo que monopoliza a conversa, Viana fala o tempo inteiro com um sorriso no rosto e uma cadência pernambucana. Sempre cita Goethe, Nietzsche ou Schopenhauer - para o desespero de banqueiros pragmáticos que se sentam à mesa para negociar com ele. "As reuniões levam três, quatro vezes mais tempo do que o normal", diz um executivo de banco. Ao voltar da Suíça, estudou economia na Universidade Federal de Pernambuco e depois fez mestrado em Cambridge, onde conheceu o banqueiro canadense Vincent Parkin, que por muitos anos foi chefe do Credit Suisse no Brasil. Parkin seria o primeiro a colocar dinheiro na Petra para a aquisição dos blocos no leilão de 2005. Depois da temporada na Inglaterra, Roberto Viana regressou a Recife no início da década de 90 e assumiu o cargo de secretário de governo e infraestrutura no mandato de Joaquim Francisco (ex-Arena, ex-PFL, hoje PSB e atual suplente do senador Humberto Costa, do PT). Nessa época, Viana teve os primeiros contatos com o setor de energia, ao presidir por dois anos o conselho de administração da Companhia Energética de Pernambuco (CELPE). Política   Ao deixar o governo em 1993, o ex-secretário virou consultor de empresas e prometeu que nunca mais assumiria um cargo político. Viana abandonou a linha de frente, mas não os bastidores. No ano passado, o empresário foi um dos responsáveis por articular a aliança histórica de dois inimigos políticos: o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) e o governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB). Jarbas tem um parentesco distante com Viana e Campos é primo de Malu, com quem o empresário está casado há mais de 30 anos. "Sabemos pouco sobre Roberto Viana mas não há dúvida de que ele é um sujeito muito bem relacionado", diz Adriano Pires, consultor na área de infraestrutura. A própria estrutura de executivos e fundadores da Petra é reflexo da vasta rede de relacionamentos do empresário. Aos mais próximos, ele diz que não poderia ser diferente, porque "negócio é confiança". O sobrinho Bruno Guedes e Pedro Oliva, filho do ministro da Educação Aloizio Mercadante, atuam na área internacional. Um dos sócios, Marcelo Fonseca é sobrinho do economista Eduardo Giannetti, que estudou em Cambridge com Viana. Winston Fritsch, CEO da Petra Energia desde janeiro do ano passado, também esteve em Cambridge e contratou os serviços do pernambucano na década de 90, quando comandava o banco Kleinwort Benson no Brasil. Fritsch foi secretário de política econômica do Ministério da Fazenda de Fernando Henrique Cardoso. Uma das contratações mais recentes na Petra foi a do advogado Maurício Rands, amigo de infância de Viana. Em julho do ano passado, ele renunciou ao mandato de deputado federal por Pernambuco e se desfiliou do PT, depois que o partido determinou que ele retirasse sua candidatura para prefeito de Recife. Desde então, Rands desapareceu da vida pública. Vive em Amsterdã com a família e cuida de assuntos jurídicos e internacionais da empresa. A origem   Foi como consultor de empresas que Roberto Viana caiu no mundo do petróleo. Da Inglaterra, para onde se mudou no fim da década de 90, ele começou a assessorar a petroleira Petrogal, que pertence à estatal portuguesa Galp. A empresa tinha planos de construir uma refinaria em Pernambuco. Na época, a estatal chegou a anunciar o investimento mas ele acabou não se concretizando. A partir da experiência com os portugueses, Viana decidiu entrar definitivamente nesse mercado, mas desta vez com os chineses. À procura de um sócio entendido em China, ele conheceu Philip Yang - formado em piano pela USP, com mestrado em composição de música clássica no Instituto Franz Liszt de Budapeste e uma carreira de dez anos no Itamaraty - onde era o único diplomata brasileiro de origem chinesa. Juntos, eles fecharam um acordo para trazer a Petro China ao Brasil e à Argentina. Trabalharam com os chineses por dois anos e decidiram, por fim, investir sozinhos no setor. Viana e Yang não se deram bem por acaso. Os dois têm motivações muito parecidas, ligadas a projetos pessoais. Viana é fascinado por natureza e meio ambiente. Yang, por urbanismo e São Paulo, sua cidade natal. "Nos dedicamos a projetos intergeracionais, de longo prazo", diz o ex-diplomata. É preciso conhecê-los para entender a complexa estrutura organizacional que está por trás da Petra Energia. Em 1996, Roberto Viana comprou uma área de 5 milhões de metros quadrados na região Metropolitana de Recife com o objetivo de preservar a Mata Atlântica. O local foi batizado de Santuário dos Três Reinos (vegetal, animal e mineral). Lá dentro, Viana está criando um museu de esculturas de pedra ao ar livre - já existem 500 produções, mas a área só deve ser aberta ao público em 2020. Uma boa parte do tempo de Viana é dedicado ao Santuário - agora, ele está às voltas com a plantação de mudas de pau- brasil. Philip também tem uma atividade "paralela". Ele preside o Urbem, uma entidade sem fins lucrativos que desenvolve grandes projetos de intervenção urbana em São Paulo, envolvendo a iniciativa privada e o setor público.A Petra e a mineradora Vicenza, que está em fase pré-operacional, integram a holding STR Projetos, que por sua vez é controlada pela Fundação Santuário dos Três Reinos, dona de uma participação de 60%. A Urbem detém 10% e os executivos 30%. No estatuto da holding, constam como compromissos dos fundadores "viabilizar" a Fundação Santuário dos Três Reinos além de "desenvolver, implantar e manter painel escultórico em monolitos graníticos" ao longo do santuário. Viana e Yang imprimiram seus estilos de vida também na sede da Petra em São Paulo. No escritório, as cozinheiras só usam produtos orgânicos e fazem pratos sem sal. Os sócios optaram por um modelo de gestão bem diferente dos concorrentes, que apostaram no pagamento de bônus milionários aos seus funcionários. Na Petra, os executivos são convidados a enviar diariamente uma autoavaliação aos superiores. Quem recebe "excelente" por cinco anos consecutivos tem o direito de se tornar sócio. Até agora, ninguém conseguiu. Formado em filosofia e em economia, Roberto Viana já foi secretário de governo em Pernambuco e prestou consultoria para empresas até fundar a Petra Energia, companhia de petróleo e gás controlada por uma fundação que tem como finalidade preservar a mata atlântica.

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