Só não vê quem não quer. O populismo se alastra. No governo, na oposição, no Congresso e no Judiciário. O alastramento salta aos olhos na celeuma em torno da Petrobras. Alarmado com as dificuldades da reeleição, Jair Bolsonaro parece mais e mais enfurecido com sua incapacidade de sustar os reajustes de preços de combustíveis que, na esteira da elevação dos preços internacionais, continuam a ser feitos pela empresa.
A oposição festeja a impotência de Bolsonaro. Lula alega que, se tivesse “coragem”, o presidente poderia resolver o problema com uma canetada (Estado, 9/6, A13). Mas não deixa de se mostrar perfeitamente alinhado com a irritação de Bolsonaro com a Petrobras: “Por que impor um preço internacional a um produto nacional? Isso é perda de soberania” (Folha, 18/6).
No Congresso, campeiam, sob o signo do populismo, os cavaleiros do Centrão. A cada dia, suas hostes saem em campo para resolver a ferro e fogo as urgências eleitorais do momento. Com o Poder Executivo fragilizado, o Centrão já nem disfarça a truculência com que se dispõe a anarquizar arranjos institucionais duramente construídos para se livrar de inconveniências eleitorais momentâneas.
Diante de autorizações, eleitoralmente inoportunas, de reajuste de tarifas de energia elétrica em vários Estados, o Centrão se dispôs a recorrer a um Projeto de Decreto Legislativo para atropelar a agência reguladora, romper contratos, dar o dito por não dito e adiar os reajustes para 2023.
Na mesma linha, o Centrão decidiu, da noite para o dia, propor intervenções brutais na cobrança do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações. Sem se preocupar com a eficácia das medidas ou com seus efeitos sobre as finanças dos Estados. É nesse vale-tudo que se insere o ataque do presidente da Câmara à Petrobras, prenúncio da nova missão a que agora se propõe o Centrão, em sua cruzada de desconstrução institucional: desmantelar as exigências legais de boa governança na empresa para que ela possa ser reintegrada à “família”. E Gleisi Hoffmann, presidente do PT, já deixou claro que seu partido está de pleno acordo com essa iniciativa do Centrão de rever a Lei das Estatais (Valor, 23/6).
Não há como ter ilusões. Nessa celeuma, Bolsonaro, Lula e o Centrão estão irmanados no mesmo propósito. Querem todos, cada um à sua maneira, voltar a poder “botar as mãos” na Petrobras. É preciso resistir à onda populista e preservar a blindagem da empresa para que o circo de horrores dos últimos 20 anos não seja remontado.
*ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO