Produtividade em baixa, demanda morosa, fuga de capitais, preço do petróleo em retrocesso, uma crise internacional profunda e uma guerra para pagar. Esse cenário marcava a economia mundial e, em particular, a da Rússia, em 17 de agosto de 1998 - dia em que o Kremlin e o Banco Central em Moscou cederam à pressão dos mercados e desvalorizaram a moeda nacional, o rublo, em 33%. Por ora parece apenas coincidência, mas grande parte daqueles fatores estavam reunidos em 16 de dezembro de 2014 - o dia em que os russos temeram uma nova falência.
Dezesseis anos depois, a nova turbulência do rublo, que perdera 17% do valor entre segunda e terça passadas, não resultou em um default de pagamentos públicos e privados, como em 1998, muito menos na bancarrota do país. Mais sólida, a gestão de Vladimir Putin não dá margens para déficits públicos elevados, e mantém as reservas monetárias elevadas - em US$ 413 bilhões. Mas, no imaginário da opinião pública e na opinião de analistas de Moscou, o risco de uma crise maior ainda não pode ser afastado.
O susto pelo qual passou a economia da Rússia na semana passada foi causado por uma conjunção de fatores políticos e econômicos. Dentre eles, dois são mais importantes: as sanções da Europa e dos Estados Unidos contra Moscou, em retaliação à crise na Ucrânia, e a queda abrupta do preço do petróleo. A primeira deve causar em 12 meses um buraco de US$ 40 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) do país, pelos cálculos do Ministério da Economia. O segundo abala o orçamento russo. Dependente das exportações de petróleo e gás, o governo de Putin financia cerca de 50% das despesas com a venda da matéria-prima. Mas o cálculo tinha como base um barril de Bent a US$ 100, quando ele hoje pode valer menos de US$ 60.
A conjunção de fatores resulta em uma previsão de recessão da ordem de 4,5% do PIB em 2015, segundo projeções do Ministério da Economia. O efeito prático é que toda a economia russa está desestabilizada. Enquanto a inflação pode chegar a 15%, o rublo já perdeu 40% de seu valor de face frente ao dólar em 2014, em parte pela fuga de capitais, que chega a US$ 180 bilhões. Com isso, as reservas internacionais vêm sendo gastas - mais de US$ 80 bilhões desde janeiro - para impedir a degringolada da moeda.
Para analistas, o risco é de que a turbulência atual não seja apenas uma recessão passageira, com duração máxima de dois anos, como previu Putin na quinta-feira. "Ainda estamos longe da crise de 1998. Mas a combinação de fatores declinantes da economia, com sanções, que ficarão piores em 2015, e com a queda do rublo, que atinge mais as camadas desfavorecidas da sociedade, podemos esperar o aprofundamento da crise em 2015 e 2016", afirmou ao
Estado
o economista Simeon Djankov, reitor da New Economic School, a maior instituição de ensino e pesquisa econômica privada e independente do país. "O que estamos passando pode se tornar muito rapidamente um cenário semelhante ao de 1998. Basta que o governo cometa erros que façam o ambiente econômico piorar."
Para Djankov, não se trata apenas de uma turbulência econômica, mas da crise de credibilidade de uma política interna e externa - a da Ucrânia -, que gera incerteza entre os investidores internacionais. "O problema monetário não é só econômico ou financeiro, mas de perda de credibilidade de um ambiente que é cada vez menos percebido como seguro pelos investidores", adverte o expert.
Diagnóstico idêntico fez o economista russo Sergei Guriev, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (SciencesPo), de Paris, em entrevista à rede de TV britânica BBC. "Os mercados não confiam mais no Banco Central. A cada hora a situação muda", alertou.