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Saiba o que mudou no Brasil em um ano de crise

Alguns indicadores já voltaram a níveis pré-turbulência, mas outros ainda sofrem com impacto.

Por Fabrícia Peixoto
Atualização:

Nem uma marolinha, como chegou a prever o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nem um tsunami, como esperavam muitos empresários. É assim que analistas descrevem o resultado da crise no Brasil, pelo menos até o momento. Um ano depois da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, alguns indicadores econômicos, entre eles o crédito e o desemprego, já voltaram aos níveis pré-turbulência. Mas nem tudo são flores: as exportações estão 30% menores, e a dívida pública não para de subir. Ainda é cedo para análises conclusivas sobre o impacto da crise no país, já que alguns indicadores podem levar mais tempo para mostrar os sinais da turbulência. No entanto, já é possível ter uma ideia de como o país vem se comportando. Afinal, houve recuperação? Onde? Por quê? A BBC Brasil selecionou alguns indicadores - sociais, econômicos e políticos - para ilustrar como estava o país antes da crise e como se encontra agora, um ano depois. Clique nos links abaixo para saber mais sobre cada tópico: Emprego Antes: O ano de 2008 foi um dos melhores da história do país em termos de geração de empregos, seja com carteira assinada ou no setor informal. A geração de empregos com carteira assinada bateu recorde no 1º trimestre do ano passado, com 554 mil contratações. Com a economia brasileira aquecida, praticamente todos os setores foram beneficiados, com destaque para a indústria de transformação e de construção civil. O resultado foi um ano de contratações e, como consequência, de redução do desemprego. O índice de desocupados, que ficou em 9,3% na média em 2007, caiu ainda mais em 2008: para 7,9% - o menor índice da série histórica do IBGE. Depois: Em dezembro de 2008, o mercado de trabalho começou a mostrar os sinais da crise. Somente naquele mês, 655 mil pessoas foram demitidas do mercado formal, o pior resultado desde 1999. A situação se agravou nos quatro meses seguintes. De janeiro a abril, o desemprego no país subiu de 8,2% para 8,91%. O pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcelo Neri, diz que a crise atingiu principalmente os trabalhadores com maiores salários. "A crise certamente foi pior para os ricos", diz. Neri avalia que os setores mais afetados - financeiro e indústria de exportação - costumam pagar salários maiores do que outros setores, como o de serviços. "Os que ganham menos acabaram sendo poupados, pelo menos até o momento", afirma. Mas os especialistas já veem sinais de retomada. Ainda que lentamente, o desemprego vem caindo e chegou a 8% em julho - o melhor resultado deste ano. Desigualdade e renda Antes: O ganho real do brasileiro apresentava uma trajetória de crescimento expressivo desde 2003, em função principalmente da queda da inflação no período e de aumentos significativos do salário mínimo. Um estudo do Ipea indicava que os ganhos foram ainda maiores para os trabalhadores de menor renda. De 2003 a 2007, esse grupo recebeu quatro vezes mais do que os ocupados de maior renda, o que ajudou a reduzir a desigualdade no país. Em 2008, não foi diferente. O brasileiro chegou ao mês de dezembro do ano passado recebendo, em média, R$ 1.284,90 - com ganho de 3,4% no ano, já descontada a inflação. Segundo o Ipea, todas as categorias tiveram ganho acima da inflação em 2008. Os servidores públicos foram os mais beneficiados, com aumento real de 4,8%. No setor privado, o ganho foi de 2,4%. Depois: A partir de janeiro, no entanto, o país registrou uma forte inversão dos números. A crise se agravou no país, o desemprego aumentou e, como consequência, a renda do trabalhador passou a ficar negativa. A renda caiu de forma contínua de janeiro a junho, com uma perda acumulada de 2,5% no semestre. Uma das hipóteses para a queda do rendimento nos primeiros meses do ano foi a troca de empregos em meio à crise. Segundo economistas, a situação fez com que as empresas não só demitissem, como também contratassem novos funcionários por um salário menor. Um levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que a pobreza e a desigualdade - que vinham caindo de forma constante de 2003 a 2008 - voltaram a subir nos primeiros quatro meses de 2009. A partir de maio, porém, o cenário volta a melhorar. De acordo com Marcelo Neri, pesquisador da FGV, os indicadores de pobreza já voltaram ao patamar de 12 meses atrás. "Empatamos o jogo, pelo menos", diz o economista. Contas do governo Antes: O ano de 2008 foi de recorde para o caixa do governo federal, que arrecadou R$ 685,6 bilhões, volume 7,6% maior que o de 2007, já descontada a inflação. O resultado foi impulsionado principalmente pelo bom desempenho das empresas, que lucraram mais e, portanto, pagaram mais impostos. Em 2008, o resultado primário (economia feita pelo governo para pagamento de juros) ficou em 4,07% do PIB - ou seja, um superávit de US$ 118 bilhões. A conta inclui as três esferas de governo e as empresas estatais. O resultado foi maior do que a meta definida pelo governo, de 3,8% do PIB. A dívida líquida em relação ao PIB, outro importante indicador da solvência de um país, também caiu ao longo de 2008. De janeiro a dezembro, a dívida caiu 4,3 pontos para 38,8%. Depois: A crise, no entanto, acertou em cheio as contas públicas. Para manter a economia aquecida, o governo federal lançou mão de medidas fiscais, como a redução do IPI sobre os carros, que diminuíram o dinheiro em caixa. Além disso, houve uma abrupta redução dos impostos arrecadados das empresas, que sofreram com lucros menores. Já são nove meses de quedas seguidas na arrecadação. Somente neste ano (de janeiro a julho), a receita está 7,3% menor do que a do mesmo período de 2008. O resultado prejudicou a economia do setor público. De janeiro a julho, o superávit primário foi de 2,25% do PIB - menos da metade do valor economizado no mesmo período do ano passado. A dívida líquida vem crescendo mês a mês. De acordo com o Banco Central, a dívida do país chegou a 44,1% do PIB em julho, o que representa uma alta de 4,5 pontos percentuais desde janeiro. Crescimento econômico Antes: Até o agravamento da crise financeira, em setembro, o desempenho da economia brasileira vinha de um período de pelo menos cinco anos de crescimento e estabilidade, com a inflação sob controle. No primeiro semestre de 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 6% em relação ao mesmo período de 2007. Com juros mais baixos e renda maior, as famílias brasileiras tiveram mais acesso ao crédito, impulsionando o consumo interno. A indústria e a agropecuária também acumularam bons resultados nos últimos anos, graças à valorização de algumas commodities no mercado internacional. De janeiro a setembro de 2008, o PIB do setor industrial cresceu 6,4%, e o da agropecuária, 4,2%. Depois: Em setembro, porém, a crise financeira prejudicou o acesso das empresas ao crédito e desestabilizou as exportações brasileiras. Além da falta de crédito, as empresas exportadoras enfrentaram a redução da demanda no mercado internacional. De setembro a dezembro, o PIB da indústria brasileira encolheu 7,4% em relação ao mesmo período de 2008. As famílias também sentiram o baque da crise. Com crédito escasso e mais caro, o consumo interno registrou uma queda de 2% no último trimestre de 2008, a primeira queda em seis anos. Com todos esses efeitos negativos, o PIB do 4º trimestre caiu 3,6% em relação ao trimestre anterior, a maior queda desde 1996. No primeiro trimestre de 2009, a economia voltou a cair, dessa vez em 0,8%, confirmando a recessão técnica no país. Estimulada principalmente pelo consumo interno, a economia brasileira saiu da recessão no 2º trimestre deste ano, com crescimento de 1,9% - e o governo já estima expansão de 1% em 2009. Aprovação ao governo Lula Antes: A aprovação ao governo Lula, assim como à figura do presidente, crescia mês a mês desde novembro de 2005, de acordo com levantamento do Instituto Sensus, a pedido da Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Em novembro de 2005, a avaliação positiva do governo era de 31,1%. Em setembro de 2008, a poucos dias da quebra do banco Lehman Brothers, esse número chegou a 68,8%. No mesmo período, a aprovação (ou popularidade) ao presidente saiu de 46,7% para 77,7%, o maior nível até então registrado pelo instituto. Pela pesquisa Datafolha, mais antiga que a Sensus, a aprovação máxima atingida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso durante seu governo foi de 47%. Cientistas políticos creditavam o bom desempenho do presidente Lula nas pesquisas ao crescimento econômico do período. Depois: Tanto a aprovação ao governo como ao presidente Lula continuaram crescendo nos meses imediatamente após o agravamento da crise financeira. A popularidade do presidente, por exemplo, chegou a 84% em janeiro. Na pesquisa seguinte, no entanto, o número caiu. O brasileiro tomou maior conhecimento da crise e, em março, a aprovação do presidente perdeu quase oito pontos percentuais, para 76,2%. Ainda assim, um número considerável, especialmente para um presidente em 2º mandato. A queda, no entanto, mostrou-se passageira. As medidas adotadas pelo governo, como a redução de impostos sobre carros e eletrodomésticos, foram bem recebidas pelo brasileiro: em maio, a aprovação do governo subiu sete pontos, para 69,8%, e a do presidente ganhou cinco pontos, para 81,5%. Na pesquisa mais recente realizada pelo Sensus/CNT, a aprovação ao governo e ao presidente voltaram a oscilar para baixo - mas, desta vez, o motivo apontado não foi mais a crise financeira, e sim a crise política. Em setembro, a aprovação ao governo foi de 65,4%, e a do presidente ficou em 76,8%. Papel do Estado na economia Antes: A história recente dos mercados vinha sendo marcada pelo liberalismo econômico, corrente que nasceu nos Estados Unidos, na década de 1980, e que foi sendo gradualmente aceita e adotada, sobretudo nas democracias ocidentais. Uma de suas principais bandeiras é a auto-suficiência dos mercados. Ou seja, agentes econômicos seriam capazes, por conta própria, de prevenir o surgimento de novas crises financeiras. Um dos maiores defensores dessa linha foi o então presidente do Banco Central americano, Alan Greenspan. Sob sua tutela, o governo dos Estados Unidos adotou um modelo que permitiu maior liberdade à atuação de instituições financeiras. O discurso defendido pela maior economia do mundo acabou influenciando o mercado internacional. Ainda que com ênfases diferentes, os principais países também passaram a defender a política econômica de não-intervenção do Estado na economia. Depois: O surgimento de uma crise no centro financeiro dos Estados Unidos colocou em xeque o pensamento liberal até então vigente. O próprio Greenspan admitiu, durante uma audiência no Congresso americano em novembro passado, ter errado "parcialmente" na condução da política monetária e financeira. Com o agravamento da crise, os principais países do mundo passaram a defender abertamente uma maior participação do Estado na economia. Essa tem sido, por exemplo, uma das principais bandeiras nas reuniões do G20 (grupo dos principais países ricos e emergentes). O discurso também vem sendo adotado no Brasil. Nas palavras do presidente Lula, o Estado passou a ter um papel "extraordinário". Em entrevista à BBC Brasil, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo deve ser "indutor" de alguns setores. "Não é o velho estatismo, mas é uma maior participação do Estado do que os liberais pregam", disse. Juros Antes: Antes de a crise financeira aportar no Brasil, a equipe econômica do governo tinha outra preocupação: a volta da inflação. Ao longo de 2008, o consumo do país vinha crescendo a uma taxa anual de 9%, o que - para o Banco Central - demonstrava um aquecimento excessivo. Com juros em queda desde 2003, o brasileiro pegou mais empréstimos. O crédito para pessoa física, que - no início de 2005 - correspondia a 7% do PIB, subiu para 12% em janeiro de 2008. Desde o início de 2008, o Banco Central passou a alertar sobre um provável desequilíbrio: o consumo andava mais rápido do que a produção, pressionando os preços para cima. Por esse motivo, em abril de 2008, o Banco Central decidiu aumentar a Selic para 11,75%, a primeira alta desde 2005. O fantasma da inflação justificou ainda mais três elevações dos juros ao longo do ano, chegando a 13,75% em dezembro de 2008. Depois: Com o agravamento da crise financeira, a partir de setembro, o Banco Central enfretou um dilema: era preciso decidir o que preocupava mais, se a inflação ou uma possível recessão. A decisão foi aguardar: nas reuniões de setembro e dezembro de 2008, a Selic foi mantida em 13,75%. O setor produtivo, como a Confederação Nacional da Indústria, e até parte dos analistas de mercado, criticaram a elevação dos juros em meio à crise econômica - em movimento contrário ao adotado nas principais economias do mundo. A partir de janeiro, a política monetária passou a ser usada para diminuir o impacto da crise no Brasil. Desde então, a taxa caiu de 13,75% para 8,75%. O consumo interno, que havia caído no 1º trimestre do ano, voltou a impulsionar a economia no 2º trimestre, com alta de 2,1%. Em agosto, os juros para pessoas físicas cobrados pelos bancos no país chega a 7,57% ao mês, o menor nível desde 1995. Comércio Exterior Antes: A valorização de commodities no mercado internacional, aliada a uma política de diversificação de mercados, contribuiu para a expansão das exportações brasileiras nos últimos anos. De 2003 a 2008, as vendas de produtos brasileiros no exterior cresceram 174%, ajudando a impulsionar a indústria no país. Com o consumo no país em alta, as importações tiveram um desempenho ainda mais significativo, com alta de 258% no mesmo período. No acumulado de janeiro a setembro de 2008, ou seja, até o agravamento da crise financeira, as exportações bateram recorde, com vendas de US$ 150,8 bilhões. Depois: A quebra do banco Lehman Brothers acertou em cheio a oferta de crédito internacional. Com isso, as empresas exportadoras brasileiras enfrentaram sérias dificuldades para encontrar financiamento no exterior. O setor teve de lidar ainda com a redução do consumo mundial, diante da possibilidade de uma recessão generalizada. O comércio internacional foi fortemente afetado pela crise. O resultado tem sido a queda nas exportações brasileiras. De janeiro a agosto, houve retração de 24% sobre o mesmo período de 2008. A crise não só diminuiu o volume das vendas, mas também mudou o perfil dos produtos exportados: os industrializados vêm perdendo espaço para os produtos básicos (commodities) - o que alguns economistas descrevem como um "empobrecimento" das exportações brasileiras. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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