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Salvar empresas para salvar empregos

Por Carlos Alberto Sardenberg
Atualização:

Quem já teve responsabilidades na condução de uma empresa sabe que a decisão de demitir é um dos piores momentos. Mais ainda quando a demissão não tem nada que ver com o desempenho das pessoas e decorre apenas das condições do mercado. Além da dolorosa questão pessoal - tirar o salário de pessoas de bem, bons funcionários -, tem o lado da gestão. A demissão de grupos grandes, como está ocorrendo nestes meses, desmonta equipes e processos de produção, joga fora energia e investimentos. A empresa, portanto, só vai à demissão quando está convencida de que o mercado não vai melhorar. Ela pode ficar algum tempo ali, no fio da navalha, sem produzir lucros, desde que seja um momento passageiro. Mas não quando as projeções indicam demanda reprimida por vários trimestres. No momento atual, há um fator que piora o quadro. Quando a crise eclodiu, o mundo vinha de um período simplesmente brilhante de crescimento. Foram vários anos de expansão forte, sem inflação, capital abundante e barato. Muitos países ganharam renda, expandiram o consumo de todos os tipos de produtos, de carnes a celulares e aviões. Milhões de pessoas alcançaram a condição de classe média global. Hoje é fácil dizer que havia exageros por toda parte. Mas naquele momento o espírito era de franco otimismo e expectativas de contínuo crescimento. E não apenas nos mercados financeiros. Na economia real, as companhias foram à luta para atender à demanda crescente e - este o ponto - investiram pesadamente. Mas ganharam muito dinheiro, é o que se diz. Verdade. E o que fizeram com esse dinheiro? Pagaram impostos, por exemplo. As estatísticas globais mostram que todos os governos ganharam dinheiro e tiveram a oportunidade de devolver isso em benefícios à sociedade. As empresas contrataram pessoas, pagaram salários crescentes, que formaram classes médias e elevaram o consumo global, cujo atendimento gerou ainda mais empregos. As empresas remuneraram seus acionistas, que de novo pouparam, investiram, consumiram. E de novo, e mais importante, as companhias investiram. As brasileiras e as do mundo todo ampliaram sua capacidade de produção. A crise, portanto, veio num momento em que muitas empresas estavam concluindo seus investimentos ou no meio do caminho, com recursos e, sobretudo, empréstimos já tomados. Claro que há atitudes oportunistas de executivos que escondem erros de gestão ou demitem para tentar chantagear o governo. Mas não é a regra. O quadro é bem outro. Como houve uma forte restrição do crédito e, pois, do consumo, as companhias, na média, foram apanhadas na seguinte situação: endividamento elevado num ambiente agora de restrição do crédito, e capacidade de produção claramente acima da demanda. Ou seja, é preciso adequar receitas decrescentes a custos elevados. Na verdade, com demissões ou sem demissões, muitas empresas não vão resistir. Se a crise for mais longa, com o consumo permanecendo baixo, muitas empresas no mundo não conseguirão resistir. Haverá fechamentos, fusões e incorporações, essas comandadas pelas que se mantiveram mais saudáveis, por sabedoria ou por sorte. O governo Lula deveria ter esse quadro na cabeça quando lida com a crise. Se quer salvar empregos, precisa salvar empresas. Ficar reclamando das companhias que demitem não apenas não devolve os empregos, como piora o ambiente. Hostilizar as empresas que visivelmente passam por momentos difíceis, como a Embraer, põe mais tensão na relação já complicada das empresas com seus trabalhadores. Além de ser uma atitude demagógica e voltada para a torcida, como costuma fazer o presidente Lula. Na rádio CBN, o jornalista Merval Pereira observou com precisão: o presidente se vangloria dos milhões de empregos criados nos últimos anos, como se fossem seus, e ataca as empresas quando há perda de empregos. Mas as mesmas empresas que agora demitem são as que investiram e contrataram. Seria preciso um comportamento mais sereno e mais efetivo. O que se pode fazer para ajudar as empresas? É possível criar demanda? Por que o governo, por exemplo, não vende o Aerolula e compra mais aviões da Embraer? Sem contar a óbvia questão da legislação trabalhista. Vários advogados trabalhistas estão recomendando às empresas que não façam os acordos de redução de salários e de jornada, porque, dizem, são baseados numa lei frágil. Ou seja, é muito possível que as empresas venham depois a ser condenadas a pagar os salários integrais, com multas e tal. Uma lei que ampliasse o espaço seguro de negociação entre empresas e trabalhadores certamente economizaria empregos. Nos EUA - Consideram, a propósito, o caso da GM. O governo Obama estuda emprestar mais US$ 12,6 bilhões para a GM demitir 26 mil trabalhadores nos EUA. Seriam US$ 484 mil que a companhia receberia por emprego destruído. Por que o governo Obama não determina que a empresa não pode demitir se receber dinheiro público? A GM perde dinheiro todos os dias. Não se salvará se não conseguir uma brutal redução de custos. Precisa fechar fábricas, operar com menos marcas e... reduzir o número de trabalhadores para continuar operando. Assim, o governo Obama, emprestando à GM, estaria na verdade comprando empregos. Sem a ajuda federal, a GM vai à falência, circunstância em que o encolhimento da empresa e a destruição de empregos serão devastadoras. Com o dinheiro do contribuinte americano - e mais um tanto dos contribuintes de outros países onde tem fábricas - a GM acredita que se estabiliza com 200 mil trabalhadores pelo mundo. Empregos salvos. É politicamente difícil, mas aí é que aparecem os grandes governantes. *Carlos Alberto Sardenberg é jornalista Site: www.sardenberg.com.br

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