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Sanções econômicas afetam importações russas de espumantes

Rússia elabora em seu território o equivalente a 6% da produção mundial de espumantes

Por Suzana Barelli
Atualização:

Diz a lenda que Nicole-Barbe Clicquot Ponsardin (1777 a 1866), conhecida como a viúva Clicquot, criou o rótulo laranja de seu champanhe para agradar os consumidores russos. Seria a cor mais próxima dos czares que, no final do século 18, começo dos 19, a viúva Clicquot tanto quis agradar. Se a paixão dos russos pelo mais famoso vinho espumante do mundo resistiu às barreiras criadas por Napoleão Bonaparte, que tentou impedir a venda da bebida para os russos naquela época, agora o país está com menos sorte. Com as sanções econômicas, consequência da invasão à Ucrânia, os russos terão de se contentar com seus próprios espumantes que, dizem, têm aromas e sabores bem diferentes das grandes marcas francesas.

Atualmente, a Rússia já é um importante produtor de espumantes – o termo champanhe deve ser utilizado apenas para aqueles espumantes elaborados na região de Champanhe, que fica ao norte de Paris. Segundo dados da consultoria inglesa IWSR, a Rússia elabora em seu território o equivalente a 6% da produção mundial de espumantes. Deste volume, 99% das garrafas são consumidos no próprio país. 

Funcionário organiza garrafas de espumantesrussos em supermercado de Moscou; segundo dados da consultoria inglesa IWSR, a Rússia elabora em seu território o equivalente a 6% da produção mundial de espumantes Foto: Tatyana Makeyeva/Reuters

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Vladimir Putin é tão cioso da sua produção que no final do ano passado proibiu as maisons francesas de usar a palavra champanhe no rótulo das garrafas exportadas para o país. Na Rússia, a palavra champanhe, em cirílico, só pode ser utilizada pelos produtores locais. Champanhe, alias, champagne na grafia francesa, só no contrarrótulo. 

Na época, a medida presidencial foi vista como uma maneira de incentivar a produção local. Acredita-se que Putin convenceu pessoalmente os investidores russos a colocarem grandes somas de dinheiro em projetos de vinhedos e vinícolas. E uma das regiões com maior potencial para as vinhas é a Crimeia, anexada em 2014 (além da Crimeia, a maioria dos vinhedos russos está localizada no sudoeste do país). No ano seguinte à conquista deste território, por exemplo, Putin levou o ex-presidente italiano Silvio Berlusconi a uma visita pelas vinícolas e adegas da Crimeia.

A importância do mercado russo pode ser medida pelo comportamento dos produtores franceses. Na época, eles aceitaram a nova lei, tiraram o termo champanhe do rótulo e continuaram a exportar suas borbulhas para o país. Nos vinhos, os russos vão passar mais sede: sua produção equivale a apenas 2% da produção mundial e é toda consumida localmente. Na vodca, está um pouco mais fácil: o país elabora 30% da produção global, segundo o IWSR.

Relatório da Federação dos Exportadores de Vinhos e Destilados da França, de 2021, mostra que a Rússia importou 198 milhões de euros de vinhos franceses. Isso coloca o país na 15a. posição no ranking dos maiores importadores de vinhos da França. “A questão é que grande parte deste vinho é exportado primeiro para os países bálticos e depois reexportado para a Rússia”, pondera Felipe Galtaroça, CEO da Ideal Consulting. Ou seja, isso torna impossível saber ao certo qual o tamanho do mercado consumidor russo para os vinhos. Galtaroça acrescenta que destinos como Letônia, Lituânia e Estônia são exemplos de países com volume de importação de vinhos europeus muito semelhantes aos da Rússia, mesmo tendo uma população bem menor. 

Não é fácil encontrar dados precisos no Ocidente sobre os vinhos e o consumo russo. Sabe-se que as leis do país permitem a mistura de vinhos não russos, assim como o vinho local não precisa ser vinificado em sua origem. Pode vir de um vinhedo na Crimeia e ser engarrafado em São Petersburgo, por exemplo. Mais: pelas leis russas, que são diferentes das do Ocidente, muitos dos vinhos podem ser elaborados com uvas de outras origens. Até 2020, quando a importação de vinhos a granel foi proibida, Espanha e África do Sul exportavam grandes volumes para o russo, segundo estudo da Meininger Wine Business. 

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Além disso, os russos consomem mais vinhos do que produzem. Dados da consultoria inglesa Wine Intelligence mostra que o consumo de vinho na Rússia cresceu mais de 10% ao ano no período de 2015 a 2020. E continuava aumentando antes de o país decidir invadir a Ucrânia.

Agora, cabe às vinícolas internacionais que viam a Rússia como um mercado promissor encontrar novos destinos para os seus brancos, tintos e, principalmente, espumantes. Neste universo, há até uma vinícola brasileira. A Rússia é o quinto maior destino das exportações brasileiras de vinho, atrás do Paraguai, dos Estados Unidos, do Haiti e da China. E a Vinícola Aurora exporta vinho de mesa (aquele elaborado com uvas não viníferas) para lá.

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