06 de outubro de 2020 | 05h00
BRASÍLIA - O ex-presidente da república Fernando Henrique Cardoso disse ao Estadão que não defende furar o teto de gastos, mas que a circunstâncias podem levar a isso. “Nesse caso, é melhor explicar o motivo e tentar sempre não dar a impressão de que se quer um mero afrouxamento”, afirmou, por meio da assessoria da fundação que leva o seu nome.
Para FHC, é preciso explicar o que pode levar a não respeitar, eventualmente, a regra constitucional que começou a vigorar em 2017. “Entre deixar o povo sem dinheiro para comida e gastar, justifica-se abrir o cofre, isso é, endividar-se. Mas não por mera gastança”, recomendou.
O posicionamento do ex-presidente, manifestado em artigo publicado no Estadão no fim de semana, surpreendeu e tem sido usado como referência para os que defendem que o Renda Cidadã fique fora do teto. No artigo, Fernando Henrique diz que o governo poderia mexer na regra para, ao mesmo tempo, abrir espaço orçamentário para o gasto e não provocar uma reação muito negativa do mercado.
Para o ex-presidente, o pior que pode ocorrer é a irresponsabilidade, ou seja uma quebra desorganizada do teto. “Já vimos este filme e sabemos que não dá em coisa boa.”
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06 de outubro de 2020 | 05h00
BRASÍLIA - Sempre que os juros futuros e o dólar disparam com temor do risco, entra em cena o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que tem cumprido um papel de alertar o presidente Jair Bolsonaro das consequências da desconfiança dos investidores com a gestão das contas públicas pelo governo.
Apontado dentro do governo como um dos mais fiscalistas da equipe econômica, Campos Neto e sua equipe tem alertado Bolsonaro sobre qual seria o impacto do uso de criatividade para burlar o teto de gastos, a regra constitucional que atrela o avanço das despesas à inflação, para a manutenção dos juros básicos e da inflação baixos.
Na semana passada, o presidente do BC teve uma atuação intensa nos bastidores depois dos ruídos provocados no mercado financeiro pelo anúncio do financiamento do Renda Cidadã, o programa social do governo, com o uso dos precatórios (dívidas que o governo precisa pagar depois de condenação judicial) e do Fundeb, o fundo de educação básica, que tem recursos fora do teto de gastos.
Com a piora do mercado, o presidente teve duas reuniões com Bolsonaro: uma no dia 29 à tarde, no dia seguinte ao anúncio do modelo de financiamento do programa, e outra no dia no dia 30. Nesses dias, o BC teve que agir para conter a piora do mercado, como câmbio e juros disparados. Nos encontros, a preocupação que o ruído em torno do Renda Cidadã leve ao agravamento da situação.
Na semana anterior, em reunião ministerial, no Palácio do Planalto, Campos Neto apresentou gráficos com indicadores econômicos, como a desvalorização do real, apontando a piora do quadro fiscal diante das incertezas geradas em torno do teto de gastos. Nessa reunião, segundo apurou o Estadão, ministros reforçaram a necessidade de manutenção do teto de gastos, sem mudanças, para abarcar o Renda Cidadã. Mas depois a ação do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, para tirar o Renda Cidadã do teto de gastos acabou revelando que a equipe não está 100% voltada para a manutenção da regra fiscal. Esse grupo quer que seja criado um benefício temporário, fora do teto, até aprovação de medidas de cortes de despesas que bancaria o novo programa.
Em reuniões em Brasília, representantes de uma missão do Fundo Monetário Internacional (FMI), questionaram de autoridades do governo sobre a perspectiva de manutenção do teto de gasto.
Para o ex-vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Mundial, Otaviano Canuto, a desvalorização do real e o aumento dos juros que os investidores cobram para financiar papéis de longo prazo mostram a probabilidade maior é de um cenário pessimista devido ao temor de que o Brasil vai abandonar o arcabouço fiscal.
Para ele, a fuga de investidores já está acontecendo, mas a situação ainda pode piorar. “A ausência de sinais claro que apontem para o lado benigno a ponte do Rubicão fica mais próxima”, diz, em referência à decisão do general Júlio César, no ano 49 a.C., de afrontar o Senado romano e cruzar com tropas o Rio Rubicão, na Itália, o que era vedado pela lei da época.
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