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'Se não fossem as reservas, real poderia estar sob ataque especulativo', diz ex-diretor do BC

Ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, afirma que, graças às reservas internacionais, hoje da ordem de US$ 360 bilhões, o real está livre de um ataque especulativo

Por Simone Cavalcanti
Atualização:

Aldo Mendes, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, afirma que, graças às reservas internacionais, hoje da ordem de US$ 360 bilhões, o real está livre de um ataque especulativo nesta atual conjuntura em que existem dois fatores preponderantes pressionando o câmbio: a instabilidade financeira global e animosidades políticas locais que atrapalham o andamento das reformas em ano curto do Legislativo, devido às eleições municipais.

"A situação só não está pior porque, dado o montante de reservas que temos, ninguém vai apostar contra o real. Se não tivesse isso, seria aposta contra o real tempo todo, estaríamos correndo o risco de ataque especulativo agora".

O ex-diretor de política monetária do Banco Central, Aldo Mendes Foto: André Dusek/Estadão (6/1/2011)

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Segundo ele, que atualmente tem assento no Conselho de Administração da Cielo e no Conselho Fiscal da Ambev, o BC consegue, com as intervenções, modular a velocidade de depreciação da moeda local. Em consequência disso, consegue "comprar tempo" tentando adiar o impacto da subida do dólar na inflação, mesmo que, por agora, os preços estejam bem comportados. Isso porque as empresas têm um período de fôlego para acomodar a alta da divisa americana, se a trajetória de subida se mantiver.

"O dólar hoje não é inflacionário. Porém, em seis ou nove meses pode ser, mesmo com expectativa muito baixa de crescimento". A seguir, leia trechos da entrevista:

Quais os principais fatores que estão impactando os ativos?

Há dois fatores preponderantes e o primeiro deles é o coronavírus. Eu já estava preocupado com essa história do vírus desde antes da reunião do Copom e, se eu tivesse lá, colocaria na ata um ponto maior de interrogação em relação ao desenrolar da questão. Acho que o vírus significa demanda agregada para baixo, na veia. As commodities certamente terão uma queda de demanda bastante forte em função do que está acontecendo na China e contaminando o resto do mundo. Veja o que ocorre com as ações de Vale e Petrobrás.

Essa queda de demanda não é boa do ponto de vista inflacionário?

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Sim. No entanto, há um outro lado, que é a instabilidade financeira, o aumento da aversão a risco gerado nesta conjuntura. E, na aversão a risco, as pessoas correm para ativos tradicionais, como iene, título do Tesouro americano e o próprio dólar, que pode até perder valor frente ao iene, mas vai ganhar muito valor frente a moedas de emergentes.

O câmbio é nosso ponto de contágio?

A questão do vírus nos contamina pelo câmbio, sim. Mas tem outra questão aqui dentro, que é muito mais séria, muito mais grave, que parece que as pessoas estão custando a se dar conta, que é a questão política, a animosidade entre os poderes que já está instalada. Com isso, não conseguimos avançar com as reformas que o País precisa. Como será possível aprovar uma dúzia ou mais de emendas à Constituição que estão na fila tramitando no Congresso? Na minha opinião, a chance dessas emendas serem aprovadas é muito baixa. É preciso haver uma boa articulação política para isso. Mas, ao contrário, temos um conflito que só atrapalha. Como vamos fazer uma reforma tributária que o País precisa tanto? Temos um problema interno, que é longo, porque é estrutural. Não há como ver o câmbio se estabilizar ou deixar de se depreciar em uma situação como esta.

Principalmente pela dificuldade de andar com as reformas...

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Sim, e os estrangeiros já perceberam isso há bastante tempo e saíram da Bolsa desde lá atrás. Os locais compraram porque a taxa de juros caiu muito. O estrangeiro sai e o local entra. Isso é dólar saindo do País e pressão em cima do câmbio.

Então dobra a aposta de alta do dólar?

Eu não consigo ver o câmbio para baixo, em hipótese alguma. A pressão toda é para cima, de curto prazo e de longo prazo. A única coisa que ainda segura são as reservas internacionais. É por causa delas e com intervenções que o BC consegue ir modulando a velocidade de alta. A situação só não está pior porque, dado o montante de reservas que temos, ninguém vai apostar contra o real. Se não tivesse isso seria aposta contra o real o tempo todo, estaríamos correndo o risco de ataque especulativo agora.

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No contexto atual, o câmbio no Brasil já está fora do lugar?

Eu acho que está, sim, caminhando para ficar fora do lugar, se é que já não está.

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O Sr. pontuou que está forte a queda da demanda, mas, ao mesmo tempo, o câmbio segue pressionado. O que esperar de efeito sobre a inflação?

Por um lado, o componente de demanda para baixo vai fazer com que a nossa previsão de crescimento comece a se frustrar. Pelo lado da inflação, é um componente que não afeta. Já a questão do câmbio, quando estamos em um momento de capacidade ociosa como agora, as empresas conseguem acomodar o aumento do dólar por algum tempo. Mas com o passar do tempo e se continuar subindo muito, essa capacidade se dilui. Assim, mais no médio prazo, essa subida do dólar certamente poderá significar um impacto na inflação, vindo geralmente pela questão dos preços de produtos importados. Mas temos fôlego, o dólar hoje não é inflacionário, porém, em seis ou nove meses, pode ser, mesmo com expectativa muito baixa de crescimento. No contexto atual, o BC está comprando tempo. Esse tempo que o dólar demora para impactar a inflação. O BC vai jogando para frente na expectativa de que, em um dado momento, tenhamos um cenário melhor, seja pela questão do PIB ou pela questão da política interna.

Para esse cenário mais perigoso de contágio inflacionário, o dólar deveria se manter em que nível?

O nível em que estamos, por volta de R$ 4,50, é razoavelmente elevado. Se continuar na direção mais para cima, buscando o caminho dos R$ 5,00 lá na frente, complica. E a pressão vai continuar se resolver (as questões) lá fora, mas não resolver nossa questão política interna. Me parece uma tarefa hercúlea aprovar uma reforma tributária, que precisa de muita discussão, num clima de confronto.

Mas se o Legislativo conseguir tocar a reforma, quem sai perdendo não é o Executivo?

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A impressão que dá é que o Executivo aposta no confronto e abre mão para o Legislativo liderar o processo. Ora, se ele não lidera, ele é liderado. E isso está acontecendo. Veja o exemplo do Orçamento Impositivo. Só não foi pior para o Executivo porque na última hora se costurou um acordo. Tinha de apostar na negociação, e não no conflito. Daqui a pouco corre-se o risco de ter técnicos importantes, extremamente competentes, querendo sair. Isso vai gerando um descrédito e aquelas fichas que foram apostadas em uma direção começam a ser retiradas. E todo aquele otimismo que levou a Bolsa a 119 mil pontos começa a se desfazer igual a um castelo de cartas.

Nesse sentido, 2020 pode ser visto como um ano de inflexão?

É um ano muito desafiador para o País porque, além de ter de enfrentar uma questão que não nos diz respeito, como o coronavírus que vem lá do Oriente, temos questões domésticas que nos desafiam também. Como vamos transformar em realidade aquelas expectativas positivas que se formaram ao longo de 2019? Ano passado o mercado imobiliário reaqueceu, as vendas deram sinal de que a economia poderia voltar a crescer, ainda que os dados de empregos, indústria e serviços não tenham sido muito brilhantes, as expectativas para a economia estavam melhorando. Mas diante de tudo isso, esse otimismo que veio de 2019 pode virar uma grande frustração em 2020. Será um balde de água fria e, mais uma vez, teremos um voo de galinha. A política voltou a dominar a economia de alguma forma. A política está se sobrepondo e deixando o País em uma situação mais fragilizada. Sobre aquela esperança de que o restante das reformas ia passar, eu não tenho mais tanta certeza.

Broadcast - Nesse contexto, o Sr. achou adequado o Banco Central dar uma parada técnica?

Sim, adequadíssimo. Eu acho até que o BC deveria ter sido mais enfático na ata e chamado mais atenção para a questão do risco que o vírus trazia, principalmente pela instabilidade financeira. O BC foi muito econômico, dedicando um parágrafo pequeno na última ata para essa questão do coronavírus. Principalmente pela questão do câmbio, pois fica mais difícil reagir quando se tem uma taxa de juros baixa. No passado, conseguimos segurar e trazer certo alívio para o mercado de câmbio via taxa de juros. Hoje, como chegamos a um nível de juro muito baixo, isso não é possível.

O coronavírus é uma questão pontual? E depois?

Chutando um pouco serão uns três meses de muita pancadaria, insegurança e medo. Na hora que isso passar, já estaremos em junho ou julho e todo mundo olhando para as eleições municipais em outubro. O Congresso vai para o recesso no meio do ano e praticamente não reabre em agosto, porque todo mundo estará preocupado com a eleição municipal. E aí não se aprova mais nada. O nosso azar é que essa epidemia e o ruído político que se gerou durante o carnaval vieram em um momento que não se podia perder, com um ano legislativo muito curto. Aí compromete 2020.

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