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'Se o Brasil não construir acordos, vai ficar excluído do cenário internacional'

Para presidente do Iedi, País não aproveitou a maré positiva, mas ainda é possível ampliar inserção no mercado global

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Atualização:

Cobrar postura mais atuante do governo na busca por acordos comerciais que tirem o Brasil do isolamento no jogo do comércio mundial é o novo desafio assumido por Pedro Passos, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), entidade que reúne pesos pesados do setor produtivo. Apesar de limitado pela falta de competitividade, ele diz que o País tem "de enfrentar a agenda de América do Norte, Europa e Ásia", do contrário, ficará para trás.

Quando começou esse movimento?

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Passada a maré positiva do cenário mundial, começaram a aparecer as pedras no caminho. As importações de manufaturados continuaram aumentando e as exportações, caindo. As empresas olham para o mercado interno que já não tem o mesmo vigor e falam: 'E agora, para onde vamos?' É uma pena não termos aproveitado o período de crescimento para investir em plataformas básicas para este momento.

A indústria achou que o mercado interno bastaria?

Durante a fase de estabilização houve uma reorientação da economia para o mercado interno, com a introdução da nova classe média, mais crédito e inserção de mais gente no consumo. A indústria voltou-se para esse crescimento, também apoiado pelo cenário externo favorável. As exportações cresciam porque o mundo crescia. Esse movimento se arrefeceu em razão do crescimento mundial menor, queda dos preços das commodities, demanda interna por produtos e serviços que elevou os custos acima do ganho de produtividade. A situação da indústria de manufatura se deteriorou na inserção internacional. Saiu de um superávit de US$ 10 bilhões para um déficit de US$ 50 milhões.

É possível reverter isso?

As condições são melhores do que tínhamos no passado. Temos reserva, economia mais organizada e uma base industrial diversificada. Podemos traçar uma estratégia para nos inserir novamente no comércio internacional, não através de recursos naturais, mas de produtos de maior valor agregado. Nos últimos tempos nos transformamos num polo fornecedor de matérias-primas básicas e boa parte do consumo que cresceu no Brasil foi abastecido por importados.

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O País não se preparou para o cenário mundial mais apertado?

O Brasil foi lento nas suas propostas de adaptar-se a um cenário mais competitivo e de inserção no comércio mundial com outro tipo de produto que não commodities. E não buscamos acordos. Ficamos parados, diferente de outros países. Acordos comerciais são difíceis, exigem negociação responsável, prazos. Mas há algum tempo não existe determinação para novos acordos, sejam amplos ou bilaterais.

Por que o Brasil ficou parado?

Acho que foi falta de prioridade em verificar que precisávamos nos preparar para uma situação diferente da que vivíamos. É bom lembrar que fizemos coisas muito boas: estabilizamos a economia, fizemos uma inserção de novas classes. A disposição para competir no cenário internacional foi atenuada porque havia posição confortável no mercado interno. E a conta externa era mantida pelo agronegócio. Se a situação era confortável, porque cutucar a onça com vara curta?

E agora, o que pode ser feito?

Agora isso é absolutamente necessário para colocar o País num cenário que se agrava com a possibilidade de acordos de multipaíses ou de grandes blocos. Há maior aproximação dos EUA com a Europa, com parte da Ásia. Recentemente teve o acordo andino - México, Colômbia, Chile e Peru. Há setores que vão sofrer, mas, por outro lado, o nível de inovação, tecnologia, sofisticação e de inserção será enorme.

Foi uma acomodação por parte do governo ou dos empresários?Foi uma opção da sociedade. Nunca vivemos uma situação de estabilidade de preço, de reservas internacionais, de crescimento intenso de consumo. Era uma sensação muito razoável não só do empresariado. O mundo lia dessa forma. Publicações que hoje criticam o Brasil, há dois anos viam o País como queridinho do mercado.

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Dá para recuperar a perda?

É uma situação que preocupa, mas temos ativos para reagir. Não somos um país só de recursos naturais. Temos indústria diversificada, que perdeu participação no mercado mundial, mas ainda é relevante. Existe competência gerencial, capital acumulado e conhecimento. Só precisamos reorientar a política comercial.

Como fazer isso?

É um processo delicado, porque estamos lidando com variáveis macroeconômicas e com mudanças fundamentais que precisam ser feitas na base: desregulação, aumento de eficiência, educação relevante. E temos de enfrentar a agenda do comércio internacional. É preciso entrar em novos tratados, começar a construir essas pontes, dar condições a que determinadas cadeias produtivas tenham maior competitividade e maior produtividade. Portanto, é preciso desonerar matérias-primas que estão nas bases da cadeia produtiva.

E se essa competitividade não for alcançada?

Caso algumas indústrias não se adaptem, precisamos ter a possibilidade de abrir o mercado para receber essas matérias-primas, do contrário a gente mata o restante das cadeias produtivas. Mas não se pode fazer abertura irresponsável.

Como imagina esses acordos?

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Precisamos começar menos pelo lado das tarifas e mais pelo lado da harmonização da legislação fitossanitária, pela harmonização com relação ao consumidor. Um exemplo do que não deu totalmente certo, embora tenha sido uma grande evolução, é o Mercosul. Não tenho uma fórmula para construir acordos, mas o Brasil precisa saber, em todas as esferas, que se não fizer vai ficar excluído do cenário mundial. Ser produtor de milho, minério e petróleo é ótimo, mas o País pode mais. Se abrir mão do crescimento da indústria, vai abrir mão de um vetor importante do desenvolvimento. E o crescimento passa por uma indústria inserida no comércio global.

Que avaliação o sr. faz dos acordos que o Brasil tem hoje?

O acordo que o Brasil tem hoje é o Mercosul, o restante são pequenos países que praticamente não contam no comércio internacional. Temos de enfrentar a agenda de América do Norte, Europa, Ásia. É lá que estão as fontes de inovação e de competitividade que podem manter nossa cadeia produtiva no nível de qualidade que precisa para operar.

O acordo Mercosul e União Europeia é prioridade?

Com a crise naquela região, não sei se essa prioridade pode persistir, pois não sei se para eles hoje é oportuno. De qualquer forma, os sinais de que o Brasil está puxando essa agenda com ênfase são muito baixos, porque tudo demora muito para se resolver com a Argentina, com a própria UE.

Que metas espera alcançar?

Que o País tenha mais setores integrados nas cadeias globais. Precisamos ter um nível de abertura de trocas que permita importação maior de equipamentos melhores, inovadores, mas também um nível de exportação maior. O Brasil ainda é muito fechado.

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Como o governo recebe isso?

Ainda é difícil entender a posição brasileira com relação a acelerar tratados internacionais. Nossa sensação é de que o Brasil poderia ir mais rápido, e isso não quer dizer fazer acordos de imediato, mas ter a determinação de construir pontes para que sejam feitos. Quer dizer colocar prioridade, gente de qualidade visível dentro da estrutura. Hoje, não sabemos de quem é essa governança.

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