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'Se o câmbio se estabiliza, consegue dissipar esse choque de inflação', diz Barbosa, do Bradesco

Diretor e economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa prevê que o componente da alta do dólar, ligado ao risco fiscal, tende a perder força daqui para frente com a aprovação da PEC do auxílio emergencial

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Por Adriana Fernandes
Atualização:

Diretor e economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa, avalia que a inflação no Brasil está sob um choque enorme e que a preocupação com a alta dos preços já está na vida dos brasileiros e das empresas. Em entrevista ao Estadão, Honorato detalha as razões do problema, mas prevê que o componente da alta do dólar, ligado ao risco fiscal, tende a perder força daqui para frente com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do auxílio emergencial aprovada na semana passada, que prevê também contrapartidas de cortes de gastos. “Se o câmbio se estabiliza, consegue dissipar esse choque de inflação”, diz. Na sua avaliação, o teto de gastos foi testado e funcionou. Honorato adverte, porém, que a incerteza sobre a política econômica deve persistir. “É, por isso, que dificilmente o real volta para o patamar de valor justo tão cedo”, avisa. 

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O Brasil vive um cenário de conjuntura econômica muito difícil de aceleração da inflação e ao mesmo tempo desaceleração da atividade econômica. O que está acontecendo?

O que ocorre com a inflação é produto de três fatores. De um lado, teve uma enorme alta dos preços das commodities da ordem de 30% em dólares. Isso não tem nada a ver com o Brasil. Está relacionado ao ambiente internacional. O segundo choque tem a ver com o câmbio. A nossa moeda também se desvalorizou mais ou menos 35%, 40%, o que se somou a essa pressão das commodities, que em reais subiram cerca de 70% desde junho do ano passado. O terceiro fenômeno tem a ver o quanto esse choque encontrou a economia Brasil, em particular, o setor de bens superaquecido.

Quais as razões desse superaquecimento?

Tivemos todas as transferências do auxílio emergencial. Houve uma migração do consumo de serviços para bens. A economia bem ou mal estava majoritariamente aberta, entre agosto e dezembro, no Brasil todo. O choque das commodities e do câmbio, então, encontrou espaço para repasse desde o ano passado. O que nós vimos foi uma enorme surpresa da inflação, que três quartos delas praticamente correspondem a alimentos, combustíveis e energia elétrica. São os grupos que levaram a inflação para cima. A piora dos núcleos foi só um quarto da explicação. Me parece que a inflação está sob um choque enorme.

E daqui para frente o que esperar com a taxa de câmbio alta?

O câmbio responde também a três outros fatores. O ambiente global do que está acontecendo com as treasuries (títulos do Tesouro dos EUA), o que ocorre com o dólar no mundo. Há uma depreciação de todas as moedas emergentes recentemente que soma a esse quadro. Mas tem duas explicações muito relevantes associadas à desvalorização do câmbio, relacionadas às incertezas sobre o regime fiscal e ao próprio diferencial de juros que o Brasil tem com o resto do mundo.  Se estivéssemos falando há uma semana, eu estaria muito preocupado porque vimos todas as inciativas para tentar romper com o regime fiscal. Felizmente essas tentativas não prosperaram. Teve desidratação da PEC (do auxílio emergencial), mas não prosperaram.

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Diretor e economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa. Foto: JF Diorio/Estadão

O que esperar?

O componente do câmbio ligado ao risco fiscal tende a perder força daqui para frente. Vai ter certa estabilização do câmbio vindo dessa fonte. Se o câmbio se estabiliza, consegue dissipar esse choque na inflação. A economia vai ter queda do PIB. A economia piorou e o desemprego não vai ceder. Não há nenhuma pressão relevante de salários, não tem demanda para sancionar uma inflação persistente. O que precisa é que o choque inicial se dissipe e depende que o câmbio pare de se desvalorizar. À medida que a PEC foi aprovada, esse choque inicial tende a se dissipar. E, aí, sobra o diferencial de juros, e o BC vai começar a subir a Selic (para diminuí-lo).

Qual é a sua previsão?

Nas nossas contas, o BC eleva a Selic a 4% em quatro reuniões sucessivas de 0,50 pontos. Isso ajuda a diminuir um pouco o diferencial com o resto do mundo e esse apetite por dólar diminui um pouco com a alta da Selic. Faz sentido, então, o BC subir os juros na intensidade que está precificado no mercado? A minha impressão é que não. Faz sentido é o BC remover o estímulo extraordinário que ele acabou provendo para a economia no ano passado. Mas não faz sentido ele sancionar os preços de mercado, que estimam que a Selic estará no final do ano que vem em quase 8,5%. Está longe de ser isso.

O que o BC precisaria, então, fazer ?

Precisa acomodar um pedaço desse choque. Não tem nada que a taxa Selic vá fazer para cair o preço do petróleo ou o preço da soja em dólar. O BC vai ter que acomodar. Paciência. A banda de inflação existe para isso. Os núcleos de inflação estão rondando ainda abaixo do centro da meta de inflação em 12 meses, estão em 3,2%, 3,30%, portanto, ainda num patamar confortável.

Qual a função da alta da alta de juros nesse quadro?

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A alta de juros serve para remover o estímulo extraordinário. No ano passado, no meio da pandemia, o BC levou a Selic a 2%. O governo promoveu expansão fiscal e acabou provendo o estímulo necessário ao crescimento. Agora, vamos ter em 2021 a maior expansão da economia global em pelo menos 45 anos. Espera-se que o processo de reabertura também aconteça. Vai atrasar um pouco, mas as vacinas em algum momento vão cumprir o papel de permitir que haja reabertura. Logo, não precisa de todo o estímulo que foi concedido em 2020. Pode ser menor.

E para 2022?

Em 2022, pode normalizar outro pedaço dos juros, levando a Selic para algo entre 6% e 6,5%.  Em 2021, eu veria a Selic entre 4% e 5% ao ano.

O efeito da alta de juros demora entre seis e nove meses? É muito mais para evitar uma piora em 2022?

É exatamente isso. O BC deveria e vai olhar o horizonte relevante que é 2022. Aí, temos que pensar quais são os canais de transmissão. Um é o canal da economia, do crescimento, é o de esfriar. Vamos combinar que a economia já está fraca, não precisa de um grande aperto. O segundo canal são as expectativas de inflação. O BC vai olhar para a inflação de 2022 e dizer: ‘eu não quero que ela descole do centro da meta’. Ela vai subir para conter, via a expectativa, essa piora de inflação. E tem o canal do câmbio, que é indireto. Nesse caso, o BC não opera no regime de meta de câmbio e tampouco vai ajustar a Selic para influenciar a moeda diretamente. Mas o câmbio é, sim, um canal de transmissão secundário de efeito colateral. Ao subir a taxa de juros, se espera que ele componha o fato de que a PEC foi preservada.  O BC vai tornar o diferencial de juros menor para tentar diminuir esse "gap" (vão) que o Brasil tem com os seus pares.

O calendário antecipado das eleições, com a entrada do ex-presidente Lula, está interferindo?

O que está interferindo é a incerteza sobre qual o regime fiscal que vai vigorar lá na frente. Quando os investidores veem tanto o ex-presidente Lula como o presidente Bolsonaro, a pergunta que fazem é: o regime fiscal vai ou não ser preservado? Em função da disputa política, vai incentivar um gasto maior de recursos públicos? É isso que está pesando. Por isso, foi tão importante a PEC ter sido aprovada porque ela ajuda a remover essa incerteza. Ela vai persistir. Uma parte da incerteza não tem que fazer. A PEC diz, independente de quem for candidato, não pode gastar mais do que o teto.

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Embora esse pico de inflação tenha efeito estatístico, quando ele chegar, como ficará o humor da população, dos políticos e do presidente?  

A pressão para valer está acontecendo desde outubro do ano passado. A percepção no bolso dos consumidores é agora. O efeito dos 7,8% (o aumento da inflação oficial em 12 meses que deve ser verificado em junho) é muito mais estatístico do que qualquer outra coisa. Olha o preço da gasolina e todo tema ligado, nas últimas semanas, ao diesel. Olha o que aconteceu com a história do arroz no ano passado. Essa pressão está aí. Não vai ser quando bater 7,80% que vai disparar. Os empresários estão falando em perda de margem desde outubro e novembro. A preocupação com a inflação já está na vida das pessoas.

Mas quando bater 7,8% não pode surgir uma nova onda de repasses?

Isso aconteceria se os dissídios, se a economia, se indexasse a essa inflação alta. Eu não vejo espaço para isso. O mercado de trabalho fragilizado não permite que essa inflação seja repassada plenamente aos salários e não há uma expectativa que o servidor público possa ter um dissídio. É o oposto. Meu sentimento é que isso não vai produzir uma espiral inflacionária.

Mas o empresário não pode fazer um reajuste preventivo?

O empresário do grupo de alimentação repassou integralmente para os preços do varejo tudo que tiveram de pressão inflacionária, não tem nenhum "gap". O brasileiro já sentiu isso. Já foi. Não vai ter uma nova rodada quando a inflação chegue a 7%, 8%. A menos que indexe. Os salários vão impedir.

Onde está o maior problema?

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A confusão está na indústria. No caso dos bens industriais, os empresários estão repassando tudo que eles conseguem dada ociosidade. O que pode acontecer quando a inflação chegar a 7,80%? Eles vão tentar. Esse repasse só vai acontecer se duas condições se verificarem: o cambio continuar se desvalorizando ou se a economia estiver muito forte. Esse repasse já está acontecendo na medida do possível. O 7,8% não é um desencadeador para novas rodadas. Meu ponto é a inflação já está na vida dos brasileiros e das empresas. É até curioso se o cambio se estabilizar pode ser que ali em julho tenhamos inflação bem baixinha, de 0,20%, 0,30%. O sentimento poderá estar, até curiosamente de forma paradoxal, um pouquinho melhor.

O que pode tirar do trilho a economia?

A pandemia é o fator de maior risco do cenário econômico. Eu suponho que esses lockdowns mais as vacinações vão ser eficazes para permitir uma redução da curva de mortalidade e mais internações. Não agora. Estou falando em abril, maio. Se a pandemia se intensificar, for mais longa pode levar a mais decisões de política econômica, estender mais apoio fiscal, o câmbio se desvaloriza mais, porque o País não cresce e tem um mau humor com o Brasil. Esse é o risco número um. O risco número dois, que acho é muito baixo a essa altura, é justamente o de uma mudança deliberada de política econômica. Ela foi tentada nas últimas duas ou três semanas, com a história de remover o programa Bolsa Família do teto de gastos e desidratação, mas não prevaleceu. Os fóruns para mudar também diminuíram muito.

E para 2022?

Deve ter uma folga de R$ 30 bilhões no Orçamento das despesas do teto que vão permitir que o governo gaste em obras de infraestrutura, no Renda Cidadã (programa substituto do Bolsa Família), no programa que achar. Certamente a tensão fiscal vai diminuir. O grande risco do Brasil é o regime fiscal. O teto cumpriu o seu papel disciplinador da decisão do Congresso e do governo. Ao flertar com a ruptura do teto, nas duas últimas semanas, o câmbio bateu em R$ 5,80 e a Bolsa sofreu, a curva de juros foi lá embora.

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