BRASÍLIA - O secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Bruno Funchal, afirmou nesta sexta-feira, 20, que há possibilidade discutir a retirada dos precatórios ou pelo menos parte deles do teto de gastos, a regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. “A princípio não gosto, mas também não vou negar de partir de discussão sobre isso”, disse, em webinar promovido pelo Jota.
Precatórios são dívidas da União com pessoas físicas, jurídicas, Estados e municípios reconhecidas em decisões judiciais definitivas, ou seja, que não são mais passíveis de recursos e que devem ser pagas pelo governo. Este mês, o governo enviou ao Congresso uma proposta para parcelar em até dez anos esse tipo de dívida, cujo crescimento foi definido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como "meteoro".
O secretário destacou que é preciso discutir as consequências de cada uma das alternativas. Em relação a tirar os precatórios do teto, ele lembrou que pode gerar perda de credibilidade na sustentabilidade das contas públicas e há dúvidas como incentivo para lidar com esse tipo de despesa. Mas, por outro lado, concorda que as dívidas judiciais não são uma despesa que o governo e o Congresso controlam diretamente.
Funchal disse também que retirar uma parte dos precatórios relacionada ao Fundef, fundo para o desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério que vigorou até 2006, fora do teto é uma "tese" a ser discutida. Esta semana, o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) Daniel Couri comentou que isso seria uma possibilidade dado que o Fundeb, que substituiu o Fundef, fica hoje fora do teto.
O pagamento de dívidas do Fundef soma R$ 15,6 bilhões apenas para 2022. Para 2023, já há R$ 6 bilhões contratados. Ao todo, o provisionamento das perdas possíveis para a União em relação a esse tema chega a R$ 130 bilhões, equivalente a 2% do PIB, disse Funchal. "O mais importante é não machucar a credibilidade da principal regra fiscal", afirmou o secretário. "Tem que ver até que ponto é possível avançar", disse.
Segundo ele, o governo vai correr atrás de todas as alternativas para tentar resolver a questão dos precatórios no Orçamento de 2022. Nesta semana, a Advocacia Geral da União (AGU) entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a ordem de pagamento de dívidas judiciais com os Estados relativas ao Fundef. Essa suspensão poderia chegar a R$ 15,6 bilhões.
Funchal explicou que a AGU está tentando alguma forma de conciliação, baseada na regra que já existe de que um precatório que ultrapasse 15% do gasto total com essa dívida em um ano pode ser parcelado. "Olha o Fundef como um sistema e superou 15% do total."
O secretário também argumentou que a ação dos Estados nos processos judiciais é um dos motivos que explica a "surpresa" do governo com o crescimento de 61% dos precatórios no ano que vem. Segundo Funchal, embora o Ministério da Economia possa acompanhar os processos, nem sempre consegue cravar os prazos. No caso atual, o volume de precatórios ligados ao Fundef cresceu muito em relação à média dos últimos anos, para quase R$ 16 bilhões, e o prazo também foi mais curto, conforme o secretário.
Funchal ainda repetiu que, sem o fundo de liquidação a ser criado pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios, o parcelamento de parte desses débitos pode se tornar uma bola de neve, caso essas dívidas sigam crescendo. Ele disse que hoje o governo entende que o fundo de liquidação proposto pela proposta é o principal ponto de percepção de risco entre analistas de contas públicas e pelo mercado financeiro em geral.“[A gente entendeu] que pode ser um veículo que traz um furo maior no teto. Isso a gente já entendeu e estamos discutindo isso internamente. A discussão está aberta, mas não tem solução perfeita, estamos discutindo como minimizar problemas.”
Ao todo, a fatura dos precatórios em 2022 é de R$ 89,1 bilhões, crescimento de 61% ante 2021, expansão que ocupou todo o espaço que a equipe econômica tinha dentro do teto para ampliar o Bolsa Família – medida que é uma peça-chave nos planos do presidente Jair Bolsonaro para concorrer à reeleição.
A proposta enviada ao Congresso prevê a possibilidade de parcelamento de todos os precatórios acima de R$ 66 mil. Uma regra permanente estipula o pagamento em prestações de todas as dívidas maiores que R$ 66 milhões. Para débitos entre esses dois valores, a regra de parcelamento seria transitória, até 2029.
A PEC tem enfrentado resistências de diversos grupos, entre eles parlamentares, economistas, agentes do mercado financeiro e representantes dos Estados. O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega disse ao Estadão/Broadcast que a medida significa um “calote” nos credores da União. Guedes rejeita esse “selo”, mas defendeu o parcelamento. “Devo, não nego, pagarei assim que puder”, disse o ministro em evento recente.