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Doutor em Economia

Segredo do sucesso é conseguir algum grau de 'poder de monopólio'

Pessoas de sucesso tipicamente são bem-sucedidas não porque são as melhores de um ambiente supercompetitivo, mas por estarem livres de competição

Por Pedro Fernando Nery
Atualização:

A Olimpíada me fez lembrar um livro ruim que li na pandemia. Da jornalista Katie Couric, Os Melhores Conselhos que já Recebi: Lições de Vidas Extraordinárias coleciona dicas de pessoas de sucesso – em tese. Ele é recheado do que economistas e psicólogos chamam de “viés do sobrevivente”: as pessoas bem-sucedidas – as sobreviventes – aconselham outras a como chegar lá, raciocínios viesados porque ignoram todas as outras pessoas que fizeram as mesmas coisas e não conquistaram nada com isso (ou seja, as que não sobreviveram). 

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O viés do sobrevivente aparece na Olimpíada quando os que sobem no pódio demonstram gratidão por terem feito isso ou aquilo, atribuindo o sucesso frequentemente ao esforço, às privações, que teriam valido à pena.

Nada contra os vencedores emocionados, mas comentaristas e, em algum momento, os coaches, inevitavelmente se excedem nas lições de cada vitória, superestimando a importância da perseverança e dedicação por exemplo (grit é o termo da moda). Estas provavelmente não explicam o fracasso de vários competidores de alto nível que simplesmente não conseguem todo dia repetir sua melhor performance, inclusive no dia em que se distribuem medalhas.

Mark Zuckerberg, dono das maiores redes sociais do mundo, tem processos no FTC, o órgão americano que combate práticas anticompetitivas. Foto: Eric Thayer/The New York Times

O problema do viés do sobrevivente seria bem sintetizado em um ganhador da Mega Sena que desse dicas de como ficar milionário: “Sempre aposte as datas de nascimento de sua família – pois fiz isso por anos, não desisti e finalmente consegui”. Evidentemente, ignora todos que fazem isso semanalmente e jamais ganharam ou ganharão.

Se o presidente tomou cloroquina e não faleceu de covid, ele não é “comprovação científica” da sua eficácia – como argumentou Alexandre Garcia. A análise desse sobrevivente ignora os pacientes que tomaram cloroquina e não sobreviveram (ou mesmo que faleceram por efeitos adversos da droga).

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Se o concursado explica as estratégias que usou para passar no concurso, dificilmente vai contemplar tudo aquilo que o ajudou, mas estava fora do seu alcance. O candidato não vai ouvir conselhos realistas como “faça provas quando houver superávit primário nas contas do governo” ou “torça para acertar o que precisar chutar”.

Todos nós consumimos muita informação viesada, porque o conteúdo é moldado pelos sobreviventes. O day trader que perdeu tudo não tem uma página no Instagram para tirar onda, assim como empreendedores falidos não escrevem livros de autoajuda (Tudo o que eu fiz antes de quebrar em uma recessão!).

Em vez de absorver totalmente discursos meritocráticos, vale aceitar o papel do imponderável. O colunista de economia vai além: perceba que pessoas de sucesso tipicamente são bem-sucedidas não porque são as melhores de um ambiente supercompetitivo, mas exatamente por estarem livres de competição. Diríamos que o segredo do sucesso seja conseguir algum grau de “poder de monopólio” (conquistado desde por quem atua em mercado que naturalmente não comporta muitos players a quem consegue capturar reguladores do seu setor ou absorve seus competidores). 

O que Jeff Bezos, Bill Gates e Mark Zuckerberg têm em comum? Empresas com processos no FTC, o órgão antitruste americano que combate práticas anticompetitivas.

O leitor mais nerd pode querer ler também sobre preferential attachment, processo descrito pelo físico húngaro Albert Barabási, que sugere que mesmo que haja talento abundante, somente alguns poderão ter status de estrela (Barabási tem um eBook gratuito sobre teoria de redes). 

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Voltando ao livro de Couric: trata-se de um catálogo involuntário do viés de sobrevivente já que sucessivas estrelas dão dicas conflitantes de como seu sucesso pode ser reproduzido (passe bastante tempo com a família, chegue mais cedo que os outros, o lance é trabalhar duro, o negócio é pensar positivo). Passados dez anos do seu lançamento, ele ficou ainda mais problemático: vários ícones caíram em desgraça (Bill Cosby, preso por violência sexual) ou falharam de forma retumbante em novos projetos (Mike Bloomberg, que torrou meio bilhão de dólares para conseguir só 2% dos votos para presidente em seu partido).

Curta a Olimpíada, dispense qualquer moralismo. Bons jogos! (O colunista agradece a Daniel Couri.)

*DOUTOR EM ECONOMIA 

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