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Segurem-se, essa crise não acabou

Por Steven Pearlstein
Atualização:

Você provavelmente já ouviu que o sistema financeiro dos Estados Unidos saiu da unidade de terapia intensiva, mas ainda exige cuidados o bastante para justificar sua permanência no hospital. Um dos principais motivos para tanto é o medo de uma recaída provocada pelo colapso do mercado imobiliário comercial. Para compreender o problema, temos de pensar no auge da bolha de crédito, em 2007, quando US$ 230 bilhões em prédios de escritórios, hotéis e shopping centers eram financiados pela magia da securitização - o processo por meio do qual os empréstimos eram combinados em pacotes e vendidos em pedaços aos investidores. Naquela ocasião, os empréstimos emitidos pelos bancos e pelas casas de investimento eram tipicamente feitos a 80% do valor de mercado de uma propriedade, com taxas que chegavam a superar em 1,5% a taxa paga pelo Tesouro sobre empréstimos com prazo de 10 anos. Havia, muitas vezes, uma hipoteca secundária para cobrir outros 10% do preço original de compra. E, para facilitar ainda mais as coisas, muitos dos empréstimos eram do tipo interest-only (que exige apenas o pagamento de juros ao longo da vigência de um determinado período, após o qual, além dos juros, deverá também ocorrer a amortização do principal), com base na teoria de que o preço das propriedades comerciais só poderia aumentar. Agora, é claro, a bolha de crédito estourou. O valor das propriedades comerciais caiu em média 35%, com a expectativa de um declínio ainda maior, conforme a recessão leva um número cada vez maior de inquilinos à falência ou os coloca em situação de inadimplência no pagamento dos aluguéis. O processo de securitização de novos empréstimos foi paralisado e o limitado financiamento atualmente disponível é oferecido pelos bancos e seguradoras sob condições muito mais difíceis. Os empréstimos agora correspondem tipicamente a não mais do que 60% do valor atual de uma propriedade, com uma taxa de juros 4% superior àquela paga pelo Tesouro. Os solicitantes devem também devolver o montante principal, o que equivale a um acréscimo de 2% sobre um empréstimo do tipo interest-only. Tudo isso teve um efeito devastador para a indústria imobiliária, especialmente para alguns dos seus maiores nomes, como a General Growth Properties, a Maguire Properties e a Tishman Speyer, que compraram durante a alta do mercado. Além da imensa desvalorização do patrimônio líquido desses grupos, aqueles que financiaram suas compras durante a bolha perderam entre US$ 0,35 e US$ 1 para cada dólar emprestado. Infelizmente, não se trata apenas de um problema dos ricos empreendedores imobiliários, banqueiros e investidores, mas de um problema que afeta o restante de nós. Para começar, bancos locais e regionais emitiram tantos empréstimos imobiliários comerciais atualmente em deterioração que eles começaram a falir num ritmo jamais visto desde... bem, já sabemos quando. O mais recente caso foi o do Banco Colonial do Alabama, que foi resgatado na semana passada ao custo de aproximadamente US$ 2,8 bilhões para a Sociedade Federal de Seguro de Depósito (FDIC), a sexta maior falência bancária da história. E, ao longo do próximo ano, será rara a tarde de sexta-feira na qual a FDIC não anuncie a aquisição de algum banco que emprestou demais às construtoras locais e empreendedores imobiliários comerciais, apesar dos abundantes sinais da formação de uma bolha. Existe boa chance de a agência ser obrigada a recorrer à sua linha de crédito no Tesouro, dirigido por Timothy Geithner, para reabastecer seus cofres. Há também o problema dos US$ 500 bilhões em empréstimos securitizados feitos durante a bolha que vencerão nos próximos anos. Esses precisarão de refinanciamento. A menos que a máquina da securitização volte a funcionar, simplesmente não haverá capacidade de empréstimo suficiente nos bancos e seguradoras para preencher a lacuna. Além disso, não pode haver refinanciamento até que os atuais proprietários das construções obtenham bilhões de dólares em patrimônio líquido fresco para compensar o que já foi perdido. Consideremos o exemplo de um hipotético prédio de escritórios comprado por US$ 100 milhões na época de prosperidade, com 90% da compra financiada com dinheiro emprestado. Agora, o empréstimo precisa subitamente de refinanciamento, mas o valor da propriedade caiu para US$ 65 milhões. No novo ambiente conservador, o proprietário só consegue um novo empréstimo de US$ 50 milhões, o que significa que, para evitar a execução hipotecária e manter a propriedade sobre o prédio, ele precisa obter outros US$ 50 milhões em patrimônio líquido. Levando em consideração que o valor do prédio teria de chegar a US$ 90 milhões antes de alguém conseguir lucrar um centavo com ele, os investidores não devem fazer fila para se aproveitar dessa oportunidade. Como podemos solucionar tudo isso? No caso das construções que ainda proporcionam aluguéis em volume suficiente para pagar os juros mensais, os credores - ou seja, aqueles que detêm os títulos lastreados em hipotecas - devem provavelmente concordar em prorrogar o empréstimo por alguns anos na esperança de que o valor das propriedades se recupere rapidamente e o mercado da securitização volte à ativa. "Retificar, prorrogar e fingir", como colocou meu amigo Arthur, especialista no mercado imobiliário. Entretanto, no caso dos projetos com taxas de desocupação ascendentes e aluguéis em declínio, o cenário mais provável consistiria nos credores solicitarem a execução hipotecária da propriedade, a qual tentariam vender pelo preço que conseguissem. O problema é que, caso um número excessivo de construções seja despejado no mercado simultaneamente, isso desencadearia um ciclo descendente e cada vez mais acentuado, que poderia levar o valor das propriedades a uma depressão ainda maior, provocando mais execuções hipotecárias e a falência de um número ainda maior de bancos. Foi isso que aconteceu na crise dos empréstimos e poupanças (décadas de 80 e 90). É por isso que as propriedades imobiliárias comerciais são agora uma das principais prioridades das autoridades responsáveis em Washington. No início desta semana, o Tesouro e o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) prorrogaram discretamente, até junho, o programa de oferta de empréstimos de baixo custo aos bancos, fundos de hedge e outros investidores dispostos a comprar títulos lastreados em hipotecas. Apesar de US$ 3 bilhões terem agora sido emprestados para a compra de valores mobiliários emitidos antes da crise, não foram feitos empréstimos para novos valores mobiliários, pois não foram emitidos novos títulos. Representantes do governo e da indústria dizem que isso reflete a persistência da desconfiança em relação ao processo de securitização, além de uma ampla preocupação, entre os investidores, com a possibilidade de os valores das propriedades caírem ainda mais. Eles citam também a dificuldade em encontrar o capital líquido adicional necessário para possibilitar o refinanciamento. Segurem-se, essa crise financeira ainda não acabou. *Steven Pearlstein é jornalista

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