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''''Sem alegria e sem espanto''''

Por Ildo Sauer
Atualização:

Aos companheiros e amigos da Petrobrás, 1. Recebi a notícia de meu afastamento da diretoria da Petrobrás pelo presidente da República sem alegria e sem espanto. Fiquei na Diretoria de Gás e Energia da Petrobrás quatro anos e oito meses. Mas acompanho a área há quase duas décadas, como militante do Partido dos Trabalhadores e em boa parte do tempo como colaborador do Instituto Cidadania que assessorou o presidente Lula em suas campanhas pela presidência. 2. Todos sabemos que o setor de petróleo é um campo de dramáticas disputas econômicas e políticas. Nessa arena, o gás natural nas últimas décadas, cresceu enormemente de importância. Os negócios do gás natural foram a ponta de lança para a introdução das reformas liberais no setor elétrico brasileiro. O acordo de importação do gás da Bolívia foi decidido pelo governo Collor e implementado por Fernando Henrique Cardoso de forma a que a Petrobrás fosse o sócio menor numa partilha dos recursos naturais da Bolívia a ser feita pelas grandes petroleiras, empresas de gás e fabricantes de equipamentos para geração termoelétrica, que controlam esses negócios desde o início do século 20. O plano de Collor e Fernando Henrique incluía o desmantelamento de um dos maiores patrimônios do País e do povo brasileiro: o seu sistema de geração hidrelétrica nacionalmente interligado, o que foi feito em parte. O fracasso da reforma liberal não diminuiu a força e o empenho dos interesses que a tinham elaborado. Foram enormes as pressões, já no final de 2002, para que o governo novo, não desmontasse uma das peças básicas da reforma: a que determinara a ruptura dos contratos de fornecimento de energia elétrica de longo prazo das estatais a partir de 1º de janeiro de 2003, para que se instalasse um ''''mercado livre'''' de energia. O governo acabou cedendo às pressões. E estimo que os prejuízos para estatais e pequenos e médios consumidores decorrentes dessa decisão estejam na casa dos R$ 10 bilhões. 3. Na Petrobrás, na Eletrobrás, no BNDES, no governo encontrei inúmeros companheiros. Uma das primeiras ações de que participei foi registrar, em livro com alguns deles, minha opinião sobre a reforma do setor elétrico levada a cabo no início de 2004 a qual, a despeito de vários méritos, deixou margem, por exemplo, para os prejuízos impostos às estatais. Estou convicto de que na Diretoria de Gás e Energia da Petrobrás, com vários companheiros, formamos uma estrutura de gestão que livrou o setor de um vício que ronda dirigentes de empresas públicas: o de serem despachantes de interesses de minorias poderosas. Limpamos e reestruturamos as verdadeiras cavalariças em que tinha se convertido o plano emergencial de geração termoelétrica a gás natural elaborado pelo governo Fernando Henrique no desespero vão de tentar, a partir de 1999, evitar o apagão de energia. Dos 50 projetos daquela época afinal se concretizaram apenas 22. Destes, 12 foram construídos ou assumidos pela Petrobrás. Outros três são também estatais. Não porque a Petrobrás se oponha ao investimento privado: mas porque a Petrobrás foi a salvadora em última instância de vários desses projetos; e, em outros, não podia pactuar com contratos que, não só eu, como juízes e administradores públicos de notória responsabilidade, classificaram, com propriedade, como ''''imorais''''. Ao assumir ou adquirir esses projetos demos-lhes os nomes de: Mário Lago, Celso Furtado, Rômulo de Almeida, Jesus Soares Pereira, Luiz Carlos Prestes, Sepé Tiaraju, Fernando Gasparian, Leonel Brizola, Euzébio Rocha, Barbosa Lima Sobrinho, Aureliano Chaves. Isso porque temos partido. Eu e meus companheiros somos parte de uma história. Programamos, conseguimos a licença ambiental, obtivemos os financiamentos e contratamos investimentos que vão dobrar a rede de gasodutos do País até 2009, interligando Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul. Depois de duas décadas, o gás de Urucu finalmente chegará a Manaus em 2008, economizando mais de R$ 2 bilhões ao ano nas contas de energia dos brasileiros. Nosso projeto de instalação de terminais de regaseificação e de importação de gás natural liquefeito, ao lado das novas modalidades de contratação - firme flexível e inflexível, interruptível e preferencial - permitirá uma inédita otimização do setor energético nacional, racionalizando a integração dos derivados de petróleo, do gás com o setor hidrotérmico de geração elétrica. E, se prosseguirem os esforços de integração latino-americana a que demos total apoio e para a qual adiantamos idéias novas, mais poderá ser feito. Na área de biocombustíveis nos empenhamos decididamente. Não para reforçar os esquemas antigos de exploração e de integração subordinada da agricultura familiar. Nem para fomentar a demagogia de que o mundo será salvo se ampliarmos os canaviais e as plantações de oleaginosas para produzir álcool combustível e biodiesel. Mas para unir os interesses dos sócios controladores da Petrobrás, que somos nós, com os interesses dos trabalhadores e dos pequenos e médios produtores. Fizemos o projeto da Cooperbio, de produção de álcool integrada com a agricultura familiar, no Rio Grande do Sul. Fizemos as fábricas experimentais em Guamaré e estamos acabando de instalar as três unidades industriais no semi-árido para produção de biodiesel a partir das oleaginosas locais, inclusive a mamona. 4. Vivi na Petrobrás os quatro anos e oito meses desde minha nomeação. Minha filha Luisa tinha cerca de 13 anos quando praticamente deixei a casa onde vivia com minha mulher e com ela em São Paulo para cumprir minhas tarefas no Rio. Ao me preparar para voltar a morar em São Paulo e reassumir meu cargo de professor universitário encontrei dois textos dela na internet com reflexões sobre Queimada, o famoso filme do italiano Gillo Pontecorvo, sobre uma ilha onde o sistema colonial com base na escravidão dos portugueses é trocado pelo sistema colonial com base no trabalho assalariado e no ''''livre mercado'''', após manobras do império inglês. De repente me dei conta de que posso não ter sido afastado da Petrobrás por meus defeitos. Mas pelas virtudes das pessoas de cujas lutas participei e vou continuar participando. *Ildo Sauer, em carta de despedida do cargo de diretor de Energia e Gás da Petrobrás

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