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Sem auxílio emergencial, 7 de cada 10 moradores de favelas cortaram alimentos ou itens de higiene

Pesquisa do Instituto Locomotiva e da Central Única de Favelas mostra que 4,5 milhões de adultos que moram nessas áreas precisarão cortar grande parte das despesas com itens básicos; média de refeições já caiu para menos de 2 por dia

Por Fabrício de Castro
Atualização:

BRASÍLIA - Com o fim do auxílio emergencial em dezembro do ano passado, a fome voltou a ser fonte de apreensão para os moradores de mais de 6 mil favelas em todo o Brasil. Pesquisa do Instituto Locomotiva e da Central Única de Favelas (Cufa), obtida com exclusividade pelo Estadão/Broadcast, mostra que 4,5 milhões de adultos que moram nessas áreas precisarão cortar grande parte das despesas com itens básicos, como alimentos e produtos de limpeza. Sem o auxílio, a média de refeições já caiu para menos de duas por dia.

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“Essa é uma situação de caos”, diz Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva. “O auxílio emergencial fez com que, nesse território de favelas, as pessoas não tivessem morrido de fome no ano passado. Agora, nossa pesquisa já reflete dificuldades para a compra de alimentos.”

A pesquisa Data Favela, feita pelo Locomotiva e pela Cufa, realizou 2.087 entrevistas com moradores de favelas com 16 anos ou mais, entre 9 e 11 de fevereiro. Foram ouvidos moradores de 76 favelas de todas as regiões do País. Os resultados traçam um retrato da situação dos brasileiros que moram nessas áreas, que reúnem 16 milhões de pessoas, considerando adultos e crianças. É uma população equivalente à do Estado da Bahia.

Os dados mostraram que, nas favelas, 58% dos adultos pediram e receberam o auxílio emergencial no ano passado - uma população equivalente a 6,7 milhões de pessoas. Com o fim do auxílio, 67% das pessoas que o receberam - 4,5 milhões de pessoas - precisarão cortar despesas mensais com alimentos ou itens de higiene. Cerca de metade desses adultos (53%) disseram que o corte de gastos será feito na alimentação. A margem de erro da pesquisa é de 2,1 pontos porcentuais. 

Em outras palavras, o fim do auxílio, lançado pelo governo para combater os efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus sobre as populações mais pobres, forçou as famílias que moram nas favelas a comer menos.

“A maioria das pessoas que receberam o auxílio emergencial comprou comida. E grande parte dessas pessoas comprou alimentos para amigos e parentes. Então, há também uma importância econômica”, afirma o presidente Cufa, Preto Zezé.

A autorização para uma nova rodada de auxílio está prevista em uma proposta de emenda à Constituição (PEC), com votação prevista para esta quarta-feira, 3, no Senado. Se aprovada por três quintos dos senadores (49 de 81), em dois turnos, o texto segue para a Câmara, onde precisa do apoio de 308 de 513 deputados. Além da autorização para a retomada do benefício, o texto prevê medidas de cortes de gastos, principalmente com servidores, que podem ser acionados automaticamente em crises futuras. O Congresso tem mostrado resistência a essas contrapartidas que a equipe econômica não abre mão.

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No ano passado, o governo federal começou a pagar em abril o auxílio emergencial de R$ 600 por mês para pessoas de baixa renda. Mães solteiras recebiam o dobro, R$ 1,2 mil. Os pagamentos ocorreram por cinco meses. Depois disso, houve uma extensão por mais quatro meses (até dezembro) do benefício, que passou a ser de R$ 300 - ou R$ 600 para as mães solteiras.

Nas favelas, o pagamento do auxílio garantiu o sustento direto de milhões de pessoas e, ao mesmo tempo, manteve parte do giro do comércio local - algo precioso para a economia dessas áreas, em um momento em que o isolamento social impôs demissões e fechamentos de empresas em todo o País. 

Nas favelas, 58% dos adultos pediram e receberam o auxílio emergencial no ano passado - uma população equivalente a 6,7 milhões de pessoas. Foto: Wilton Junior/Estadão

Sem o auxílio, a rede de proteção social foi atingida. “O caso das mães é o mais grave”, afirma Zezé. “Porque a mãe solteira teve que ficar em casa, com os filhos, e o desemprego está maior.”

Esse cenário já era fonte de preocupação de deputados, senadores e economistas nos últimos meses de 2020. A percepção era de que, com o fim da ajuda, a fome voltaria a atingir a população mais pobre. Isso porque, apesar da redução do isolamento social, a atividade econômica no Brasil ainda está distante da recuperação, assim como o emprego. 

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Porém, a articulação política para o retorno do auxílio emergencial tem esbarrado nas limitações fiscais. Com um orçamento limitado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem pressionado o Congresso por contrapartidas - ou seja, redução de gastos - para que mais parcelas de auxílio sejam pagas em 2021.

O medo é que o pagamento de mais benefícios possa estourar o teto de gastos - o limite para despesas do governo que leva em conta o orçamento do ano anterior mais a inflação do período. O estouro do teto pode elevar a desconfiança em relação à capacidade de o Brasil pagar suas dívidas. 

Na semana passada, em transmissão nas redes sociais, o presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou que o novo auxílio será de R$ 250, a ser pago por quatro meses a partir de março. No mesmo dia, o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, defendeu em coletiva de imprensa que se o Congresso votar o auxílio emergencial sem contrapartidas será “pior para todos”.

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Enquanto governo e Congresso discutem o auxílio, a escassez já bateu nas comunidades. Os números do Data Favela mostram que, em fevereiro, faltou dinheiro para 68% dos moradores de favelas comprarem comida, considerando os 15 dias anteriores. A média diária de refeições já está em 1,9. Em agosto do ano passado, quando o auxílio emergencial era pago, a média era de 2,4 refeições.

“É um cenário de possível convulsão social”, alerta Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva. “Existe um senso de urgência para se reestabelecer a distribuição de alimentos, de cestas básicas e a retomada do auxílio emergencial.” 

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Preto Zezé, da Cufa, segue a mesma linha. “A favela teve equilíbrio emocional na pandemia. Não houve saques nem quebra-quebras”, afirma. “Mas tem a fome voltando. Este é o perigo. As elites econômicas e políticas estão sentadas em cima de uma bomba relógio.”

Como mostrou o Estadão, com o fim do auxílio emergencial, e se nada for colocado no lugar para amparar os mais vulneráveis, até 3,4 milhões de brasileiros a mais, como eles, podem cair na extrema pobreza - sobrevivendo com menos de US$ 1,90 por dia (algo como R$ 10), a linha de corte definida pelo Banco Mundial.

De acordo com uma pesquisa do especialista em política social Vinícius Botelho, publicada pelo Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), com isso, a pobreza extrema neste ano pode ser maior do que a verificada no País antes da covid-19.

Nesse cenário, o número total de pessoas na extrema pobreza chegaria a 17,3 milhões em 2021, segundo os conceitos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O aumento levaria o País ao pior patamar de pobreza desde o início da pesquisa, em 2012. 

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