07 de julho de 2020 | 05h00
BRASÍLIA - Para quem começou o mandato prometendo vender e acabar com várias estatais, o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe terão de correr contra o tempo para cumprir a meta de arrecadar um R$ 1 trilhão em ativos, conforme a promessa feita ainda durante a campanha. Em um ano e meio de governo, a gestão não concluiu nenhuma privatização ou liquidação de empresas públicas de controle direto da União.
O maior desejo do governo ainda é privatizar a Eletrobrás, mas, para isso, será preciso convencer o Congresso a aprovar um projeto de lei que autorize capitalizar a companhia e reduzir a participação da União, hoje em 60%, para algo próximo de 40%. Com a ambição de vender uma das maiores empresas de energia do País, o governo pode ter de se contentar, neste ano, em liquidar a Ceitec, conhecida pelo apelido pejorativo de “chip do boi”.
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O Ministério da Economia contabiliza seus feitos nessa área de forma diferente. Segundo a pasta, no início de 2019, a União detinha 698 ativos entre estatais de controle direto, subsidiárias, coligadas e simples participações em empresas. Desde então, 84 ativos deixaram essa lista – entre subsidiárias, coligadas e participações. Com isso, o rol de ativos caiu para 614.
O balanço da pasta não inclui nenhuma estatal federal de controle direto que foi privatizada ou liquidada. Pelo contrário: o governo ainda criou a NAV, a ser responsável pela navegação aérea, que antes cabia à Infraero.
Entre as realizações que o governo menciona está a venda da TAG e da BR Distribuidora, subsidiárias da Petrobrás. Esse tipo de processo, no entanto, não é considerado uma privatização, mas um desinvestimento – venda de subsidiária pela matriz, que coordena todo o processo. As leis que regem o processo também são diferentes.
O início do processo da venda da TAG se deu em 2017, ainda no governo anterior, quando a companhia anunciou seu plano de desinvestimentos. A conclusão da venda, no entanto, só se deu em 2019, por causa de uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) dada em 2018 e derrubada no ano passado.
No caso da BR Distribuidora, a abertura de capital ocorreu em 2017, mas a transformação da empresa numa corporation – sem controle definido – ocorreu, de fato em 2019.
Economista e diretora da área de privatizações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Elena Landau avalia que o programa de desestatização do governo não anda porque, na verdade, o presidente e a maioria de seus ministros são contra a venda e liquidação de estatais.
“Todos sabiam que não existia tanta empresa para vender e que havia um enorme desconhecimento sobre esse valor de R$ 1 trilhão das empresas”, afirmou Elena. “Não estou preocupada com a pressa, porque o processo é lento mesmo. A questão é a falta de decisão.”
A economista diz ainda que usar o aumento de gastos públicos em saúde e programas de apoio à população com a pandemia como motivo para privatizar empresas é um erro. "A justificativa para privatização só em cima do fiscal não ajuda. A privatização é muito mais que isso. É mais eficiência e produtividade na economia e melhores serviços", afirmou. Ela destacou ainda que a venda de subsidiárias não arrecada dinheiro para o Tesouro, mas sim para a empresa-mãe.
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07 de julho de 2020 | 05h00
BRASÍLIA - Estatal produtora de semicondutores com sede em Porto Alegre (RS), a Ceitec recebeu recomendação para ser liquidada. A decisão foi do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), órgão que reúne diversos ministros do governo e presidentes de bancos públicos. A resolução que formaliza essa medida, porém, ainda precisa ser publicada no Diário Oficial da União, e, depois ser ratificada por decreto presidencial. Até lá, empregados da empresa e políticos locais e da oposição lutam para evitar seu fim.
O senador Paulo Paim (PT-RS) e os deputados federais Henrique Fontana (PT-RS) e Elvino Bohn Gass (PT-RS) enviaram ofício ao ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto. Para eles, a decisão “representa um grave erro estratégico, pois anuncia a renúncia do governo federal em apoiar a indústria de microeletrônica do País”, afirma o ofício.
A Ceitec foi criada em 2008, durante o governo Lula, mas os empregados afirmam que a ideia de uma estatal na área de semicondutores já era cogitada ainda durante o regime militar. Em abril, ela tinha 183 empregados, concursados sob regime de CLT, a maioria com mestrado, doutorado ou pós-doutorado.
A empresa é uma das 19 estatais dependentes do Tesouro Nacional, ou seja, precisa de recursos do Orçamento para bancar despesas de custeio e com pessoal. É vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). O patrimônio líquido da empresa era de R$ 130 milhões em 2018 e o prejuízo, naquele ano, foi de R$ 7,6 milhões.
A estatal fabrica oito tipos de chips e mais de uma dezena de diferentes aplicações, nos segmentos de identificação logística e de patrimônio, identificação pessoal (chip do passaporte), identificação veicular e identificação de animais. A Ceitec desenvolve também projetos de pesquisa de ponta na área de saúde para detecção precoce de câncer e de exames mais rápidos e baratos.
Porta-voz da Associação de Colaboradores da Ceitec (ACCeitec), Julio Leão afirma que há uma mobilização de políticos e empresários locais para tentar chegar a uma alternativa diferente da liquidação – seja privatização, seja parceria. Os empregados, porém, continuam a defender a manutenção do status da Ceitec como empresa pública.
No dia em que informou a decisão de liquidar a empresa, o PPI disse que a opção pela liquidação ocorreu porque não havia interesse do mercado em comprar a companhia. Para manter parte das atividades hoje executadas pela Ceitec, a ideia seria transformá-la em uma entidade privada, sem fins lucrativos, a ser qualificada como organização social, que herdaria as 42 patentes depositadas pela companhia.
Antes da decisão, em nota técnica em defesa da Ceitec, o MCTI ressaltou a importância da empresa para o desenvolvimento de tecnologias como “internet das coisas, inteligência artificial 5G e suas demandas por componentes”, bem como para políticas como cidades inteligentes e a indústria 4.0. A pasta, explicou que a pandemia evidenciou a “dependência quase que total de tecnologias, know-how, insumos, peças e componentes elétricos, mecânicos, eletrônicos, plásticos, da Ásia”.
Em nota, o Ministério da Economia informou que o processo de liquidação é regido por leis e decretos que “não estabeleceram a audiência pública como fase do processo de liquidação” e tampouco exigem debate público ou aval do Tribunal de Contas da União (TCU).
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07 de julho de 2020 | 05h00
BRASÍLIA - Com ajuda do Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional pode se tornar um obstáculo aos planos do governo para vender estatais. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pediram ao STF a concessão de uma cautelar para impedir a venda das refinarias da Petrobrás na Bahia e no Paraná. Eles consideram que a companhia burlou a legislação para repassar esses ativos à iniciativa privada sem aval do Legislativo.
A venda de refinarias é parte do plano de desinvestimentos da Petrobrás, anunciado em 2016, por meio do qual a companhia informou que iria focar sua atuação nas atividades de exploração de petróleo e gás em águas profundas. Utilizando-se da Lei das Estatais (13.303/2016) e de um entendimento do STF, que deu aval prévio à venda de subsidiárias pela empresa-mãe sem que seja necessária autorização do Congresso, a companhia deu início às tratativas para a venda dessas duas refinarias. O problema é que, tecnicamente, elas não seriam subsidiárias separadas – como a transportadora TAG e a BR Distribuidora, já privatizadas – e sim ativos da holding Petrobrás.
Para o Congresso, a companhia não poderia ter transferido as refinarias para novas empresas criadas apenas para serem vendidas ao setor privado. Isso seria uma infração à Lei do Petróleo para driblar outra lei, a que criou o Plano Nacional de Desestatização, que veda a privatização de estatais que exploram e refinam petróleo.
A interpretação que a Petrobrás deu à legislação é um desvio de finalidade para driblar o Congresso, afirma o senador Jean-Paul Prates (PT-RN). “Em algum momento do passado, o Estado, com aval do Congresso, decidiu, por lei, que haveria presença estatal nesse segmento. Para desfazer isso, terá de haver lei também.”
O senador diz que a empresa pode até convencer o Congresso de que precisa criar uma subsidiária para sair do refino, mas o Legislativo precisa saber o motivo dessa decisão. “Não importa o tempo que leve. Se levou 20 anos para dizer que precisava de estatal, pode levar outros 20 para dizer que não precisa mais. É a lei”, disse. “Essa não é uma decisão de diretoria ou conselho de empresa. É uma decisão de Estado, e o Legislativo faz parte e deve fazer parte disso.”
Em nota conjunta, os Ministérios da Economia e de Minas e Energia informaram que a venda de refinarias está alinhada às diretrizes e objetivos estratégicos da Petrobrás. As pastas avaliam também que essa medida promove a livre concorrência no setor e preserva os interesses do consumidor.
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