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‘Sem crescer, não dá para atacar a desigualdade’

Para economista, países pobres e de renda média precisam ter altas taxas de crescimento

Por Lúcia Guimarães
Atualização:
Novo livro de Milanovic, que será lançado em abril nos EUA, expande o estudo da desigualdade Foto: Lucia Guimarães|Estadão

NOVA YORK - O economista sérvio-americano Branko Milanovic é desde 2014 professor visitante na City University of New York. Foi economista-chefe do Departamento de Pesquisa do Banco Mundial. Especialista em desigualdade, seu novo livro sobre o tema será lançado em abril nos EUA.

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A desigualdade é o mote central da campanha do senador Bernie Sanders, que continua soprando um bafo quente no pescoço da não mais inevitável democrata Hillary Clinton. Mas ela pode igualmente servir para explicar o fenômeno Donald Trump. O aumento de desigualdade nos EUA não é um fato recente, é uma tendência teimosa desde a década de 70. Num estudo da Universidade de Stanford, divulgado em fevereiro, o país aparece como o mais desigual e de maior índice de pobreza entre as dez economias mais ricas do mundo.

Dois fenômenos ajudaram a trazer esse debate para a berlinda: os efeitos da globalização, com seu deslocamento de emprego, e a revolução digital. O debate não se extingue tão cedo, afirma o economista e professor sérvio-americano Branko Milanovic, uma das principais autoridades no estudo da desigualdade. Milanovic é autor de um dos livros mais esperados sobre o tema este ano, Global Inequality: A New Approach For The Age of Globalization. A fartura crescente de dados estatísticos, diz o acadêmico, vai manter economistas cada vez mais ocupados com a desigualdade.

O novo livro de Milanovic expande o estudo da desigualdade subitamente celebrizado pelo francês Thomas Piketty no best-seller O Capital no Século 21. Milanovic, ex-economista-chefe no Departamento de Pesquisa do Banco Mundial, recebeu o Estado em seu espartano escritório da City University of New York, na Quinta Avenida, para falar do livro que será lançado nos EUA em abril.

Primeiro, a boa notícia. Houve um aumento na renda global?

Sim, entre 1988 e 2008, a renda principal aumentou no mundo e aumentou mais na Ásia, essencialmente puxada por China e Índia. É claro que, na crise de 2008, a renda não subiu nos países ricos, agora se recuperou um pouco. Mas basicamente os países ricos atravessam uma estagnação desde 2007. Então a má notícia é que, nos países ricos, a renda das classes média e baixa não sobe. Podemos dizer que a metade inferior das faixas de renda dos países ricos não tem visto crescimento nos últimos 15 ou 20 anos.

O sr. pode nos dar exemplos do que chama de redução benigna e maligna da desigualdade?

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Nós já sabemos que a desigualdade pode ser reduzida. A questão é, a redução ocorre por forças benignas, como através de melhoria em educação, como aconteceu no Brasil nos últimos 20 anos, com crescimento da população universitária? Forças malignas também podem reduzir a desigualdade e são historicamente, duas: as epidemias, como a Peste Negra do século 14 que reduziu a população, e a oferta de mão de obra, que provoca aumento de renda. A mais recente forma de redução maligna de desigualdade é a guerra. Ela requer aumento de impostos, especialmente sobre os mais ricos, provoca a destruição de capital e aumenta a inflação, erodindo as reservas financeiras.

Por que não se deve separar globalização e tecnologia para aferir seus efeitos na desigualdade?

Olhe à nossa volta e veja quantos exemplos de avanço tecnológico: tablet, computador, smartphones. Esses aparelhos nos tornam mais produtivos mas, para produzi-los, é necessário mão de obra barata, essencialmente asiática. Assim, o progresso tecnológico precisou da globalização para ser incorporado nos aparelhos. E, se não pudessem ser fabricados com mão de obra barata, seu smartphone não teria aplicativos como o Uber. O número de pessoas que poderiam pagar por um iPhone fabricado na Suécia seria tão baixo que o Uber não teria razão de existir.

Qual a relação da desigualdade com o trabalho em escala hoje?

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O chamado scalable job ocorre quando você pode vender a mesma unidade de trabalho inúmeras vezes. Quando faço uma palestra e ela é colocada à venda online, eu não continuo a proferir a palestra, só a ser remunerado por ela. De novo, a tecnologia e a globalização caminhando juntas para fazer com que mais ocupações sejam beneficiadas por escala. E isso leva a uma forte concentração de renda. O público global vai querer assistir só ao vídeo do tenista número um do ranking mundial. A Metropolitan Opera de Nova York transmite seus concertos ao vivo para o mundo em salas de cinema. Como pode uma companhia de ópera regional competir com isso?

Por que o fenômeno Donald Trump é um sintoma da desigualdade?

Acredito nisso. Primeiro, quando você examina números de distribuição de renda nos EUA, como já disse, não houve crescimento real de renda para os que estão na base. A pressão é sentida de dois lados, da abertura do mercado americano para a China e da imigração. Além disso, assistem enorme ganho de renda no topo, seja 1% ou até 10% da população. Ela apela para o ressentimento.

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Acredita que o capitalismo deve continuar a produzir desigualdade?

Duas características do capitalismo emergente chamam atenção. Temos um grupo de profissionais de alta renda de trabalho e alta renda de capital, o que não existia há cem anos. Quem tinha grande renda de capital não trabalhava ou trabalhava pouco. Agora temos que quem trabalha duro, ganha muito e recebe ganhos de capital, seja por herança ou participação proprietária. Isso é novo e leva à concentração maior de renda. E mais, estão se casando entre eles mesmos, formando famílias de profissionais altamente educados e remunerados. Não há governo que previna isso.

É a tendência que o sr. descreve como separatismo dos afluentes?

O leitor brasileiro vai compreender bem. Acho que os EUA e a Europa estão ficando mais parecidos com o Brasil. Começa quando crianças afluentes passam a frequentar escolas particulares exclusivas e continuam pelo resto da vida. São as mesmas pessoas que têm acesso a melhor networking e a empregos melhores. E andam mais de avião, usam menos a infraestrutura pública, hospitais públicos. Por segurança, passam a viver em condomínios fechados. Se você vive num mundo à parte, não terá empatia pelo resto. E o resto encontrou eco na mensagem de Donald Trump.

Qual o peso do crescimento econômico na redução da desigualdade?

É crucial. A locomotiva da redução da desigualdade global e também da pobreza é o crescimento econômico. É imperativo, para países pobres e de renda média, ter altas taxas de crescimento, não só para suas populações. O crescimento deles reduz a disparidade de renda média no mundo. Não adianta um país desistir de crescer e tentar atacar apenas a desigualdade.

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