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Sem licença ambiental, Dnit contrata projeto executivo para asfaltar BR na Amazônia

Na prática, o Dnit vai gastar dinheiro público com um projeto que poderá sofrer várias mudanças no processo de licenciamento, ou seja, o projeto de engenharia tem grandes chances de ter de ser refeito

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) decidiu contratar um projeto executivo de engenharia para asfaltar a BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), embora não possua a licença prévia ambiental que comprova a viabilidade ambiental do empreendimento.

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Para especialistas em licenciamento, trata-se de uma atuação irregular do órgão responsável por administrar as estradas federais, já que o projeto executivo, uma peça detalhada de engenharia, só pode ser contratado depois de o Ibama liberar a licença prévia ambiental e apontar, neste documento, eventuais necessidades de ajustes, como mudança de traçado, por exemplo.

Na prática, o Dnit vai gastar dinheiro público com um projeto que poderá sofrer várias mudanças no processo de licenciamento, ou seja, o projeto de engenharia tem grandes chances de ter de ser refeito.

No dia 8 de novembro, o Dnit publicou o edital de licitação para contratação da empresa que vai elaborar o projeto básico e executivo de engenharia para o chamado “Trecho do Meio” da BR-319, no Amazonas. “Este é mais um passo para garantir o asfaltamento deste trecho não pavimentado da BR-319, que é a única ligação rodoviária entre Manaus, capital do Amazonas, e Porto Velho, capital de Rondônia”, declarou o Dnit, na ocasião.

A contratação e elaboração de projetos executivos só costuma ocorrer na fase da licença de instalação dos projetos, etapa seguinte à licença prévia. Ocorre que o Dnit passou nada menos que uma década sem apresentar os estudos ambientais necessários para o licenciamento da estrada.

Para o coordenador de políticas públicas do Greenpeace, Marcio Astrini, o Dnit tenta realizar a obra sem obedecer ao devido processo de licenciamento. “O governo comete uma ilegalidade. Além disso, a obra tem grande potencial de levar desmatamento para a região. Num momento em que o desmatamento está em forte alta, o ato do governo também demonstra a total falta de qualquer compromisso em cuidar da floresta. Pelo contrário, suas ações irão piorar ainda mais a situação”, disse.

Por meio de nota, o Dnit declarou que o projeto de engenharia é “peça técnica sine qua non” para que o processo de licenciamento possa evoluir e, por isso, deve ser desenvolvido em concomitância com o processo de licenciamento ambiental. “Não há, portanto, qualquer restrição legal ou jurisprudencial que impeça a contratação do projeto básico e executivo antes da fase do licenciamento de instalação do empreendimento”, afirmou o Dnit. “A restrição técnica que há é que um projeto de engenharia não deve ser tecnicamente aprovado sem considerar as condicionantes ambientais definidas no processo de licenciamento”.

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O próprio Dnit afirma, no entanto que, “normalmente, as informações técnicas de engenharia, necessárias à obtenção da licença prévia (LP), provém do projeto básico”.

“No caso específico da BR-319/AM, o cenário para o desenvolvimento do projeto de engenharia (básico e executivo) é bastante favorável do ponto de vista ambiental, visto que o processo de licenciamento, iniciado em 2005, já acumula muitas informações disponíveis que serão observadas no projeto. Isso certamente tornará mais robusto o projeto de engenharia, na perspectiva da sustentabilidade ambiental”, declarou.

Desde 2009, o Ibama aguarda complementos de um Estudo de Impacto Ambiental (Eia-Rima) para autorizar que essa parte central da BR-319, um trecho de 400 km de extensão que está em situação quase intrafegável, seja pavimentada. Há dez anos, o órgão submeteu seus estudos ambientais ao Ibama. A qualidade do material entregue, no entanto, considerada ruim, levou a autarquia a declarar, naquele ano, que o estudo “não reúne as mínimas condições e informações que permitam avaliar a viabilidade ambiental do empreendimento”. Oficialmente, o Ibama não se pronuncia. 

A pavimentação da BR-319 é cobrada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Com seus 870 quilômetros de extensão, a estrada ligava Manaus a Porto Velho (RO) e integrava a capital do Amazonas ao restante do País por uma malha viária. A rodovia foi construída e pavimentada entre 1968 e 1976, sendo o único caminho terrestre de chegada a Manaus. Chegou a ter tráfego em alta velocidade, com linhas de ônibus que faziam de Manaus a Porto Velho em 12 horas. Menos de uma década depois, a estrada já não permitia aceleração acima de 40 km/h, por causa do estado deplorável do asfalto.

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O pavimento, abandonado após o fim dos recursos do governo militar, foi rapidamente dissolvido pelas chuvas, pelas altas temperaturas e pela drenagem do solo. Em 1988, a rodovia era “intrafegável”, conforme registros históricos do Ministério dos Transportes.

A retomada da estrada divide opiniões. Ambientalistas afirmam que, caso as obras da BR-319 seja retomadas sem considerar a complexidade ambiental da região, podem resultar em experiências catastróficas, como o que ocorreu ao longo de toda a BR-163, a rodovia Cuiabá (MT) – Santarém (PA). Por falta de fiscalização e controle, o entorno da BR-163 é tomado por terras em situação irregular, áreas desmatadas irregularmente e focos de incêndio.

Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) Foto: DNIT/Reprodução
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