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'Sem reduzir custos, não teremos sucesso', diz criador da SPFW

Paulo Borges cita a pesada carga tributária brasileira como o maior entrave para a indústria da moda e design do País

Por MARIA RITA ALONSO
Atualização:
Paulo Borges cita a pesada carga tributária brasileira como o maior entrave para a indústria da moda e design do País Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Paulo Borges tem uma visão da moda em perspectiva. Criador da São Paulo Fashion Week, a semana de desfiles mais importante da América Latina, o empresário movimenta as várias pontas do setor há 20 anos e virou uma espécie de porta-voz da moda nacional. Em entrevista ao Estado, ele fala sobre os problemas que o segmento enfrenta para competir com produtos estrangeiros, especialmente os de fabricação asiática, e sobre a falta de um plano do governo para estimular a produção criativa do País. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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Nos últimos anos, os brasileiros passaram a viajar mais e a consumir moda fora do País. Por que as marcas nacionais perderam competitividade?

O maior problema da moda nacional é o preço. Sem um preço adequado, você pode ter o produto mais incrível do mundo que não vende. A gente tem uma produção limitada e que custa muito caro. O alto volume de impostos encarece os produtos e atrapalham tanto a competitividade no mercado interno quanto as exportações.

A carga tributária é um dos maiores entraves para o crescimento da moda brasileira hoje?

Sem dúvida, uma simplificação e uma unificação tributária ajudariam muito. Na moda, a carga tributária é reincidente no processo todo, como um efeito cascata. Além disso, cada Estado tem alíquotas regionais diferentes. Se produzo em São Paulo e vendo em Minas, pago outro imposto. Então é uma loucura! As pessoas sempre imaginam que o empresário fica chorando e pedindo subsídio. Mas na moda o subsídio não funciona porque, diferentemente da indústria automobilística que é comandada por poucas empresas, a moda é uma indústria de cauda longa: são 300 mil empresas, sendo que 270 são micro e pequenas.

O que o setor, de forma geral, espera do próximo governo?

Quase tudo aquilo que era importante há 20 anos continua sendo importante hoje, porque a coisa mudou pouco. Em termos de processo, planejamento e gestão, estamos na mesma. Para a indústria criativa, que envolve essa cadeia longa, é preciso pensar de forma transversal, criando uma estratégia de governo que envolva vários ministérios e áreas. Temos de pensar em um plano a longo prazo. No Brasil, só se consegue pensar no longo prazo para indústrias como a automobilística, a do agronegócios e as petroquímicas. Setores que são comandados por poucas empresas. Nesse período de mudança, nosso papel é levantar uma questão complexa: o novo governo terá de entender a força e o gigantismo da indústria criativa de moda e design como um todo.

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O que falta para que as marcas brasileiras ganhem projeção internacional e se consolidem em outros mercados?

Faltam preço e estrutura financeira. Uma coisa é vender um pouco, outra é vender o suficiente para conseguir que um negócio se sustente. Foi isso que a primeira geração de estilistas que se lançou no exterior não alcançou. Na hora em que uma marca brasileira expõe o seu produto lá fora com o custo que ela já tem, mais as taxas de exportação, esse produto fica tão caro que não tem chances de competir. Chegamos a ter vários estilistas com pontos de venda nas melhores lojas de Paris, Londres, Nova York, Milão. Mas eles não se sustentaram porque o negócio precisa de volume de margem, se a gente não diminuir o custo não teremos casos de sucesso duradouros nos mercados externos.

Quais são os desafios para o desenvolvimento da indústria no Brasil?

Nós somos o maior produtor de jeans do mundo. Mas não temos a marca mais bacana de jeans do mundo, por quê? Somos um dos quatro maiores produtores de algodão e também não temos uma marcar incrível de algodão. Ao contrário, nossas empresas de camisa fazem propaganda dizendo que o seu algodão é egípcio, quando na maioria das vezes, o algodão egípcio significa apenas 30% e 70% vem do algodão brasileiro mesmo. A gente produz o maior e melhor casulo de seda do mundo, em vez de incentivar a produção de matéria-prima e fazer isso virar um produto para que a gente possa exportar o tecido, com valor agregado, a gente vende o casulo para a marca francesa Hermès, que faz o tecido e o lenço caríssimo. Depois, a gente compra deles o lenço. Não é uma empresa, um setor sozinho que vai conseguir mudar a situação da moda hoje no Brasil, é uma inteligência de governo, que tome uma decisão estratégica, que funcione como uma base para o desenvolvimento.

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Como isso pode ser feito?

Em todo o lugar do mundo, os protagonistas da cadeia de moda compartilham os riscos. Na grande maioria dos países, quando um designer lança uma coleção, e o comprador faz o pedido, ele imediatamente se compromete com, pelo menos, 20% dos custos da encomenda. No mundo inteiro existe essa divisão do risco. Aqui, no Brasil, não. Quem financia todo o processo é a confecção e o estilista. O estilista paga antes o tecido, cria a roupa e depois financia o varejo, porque os lojistas não dão nem um sinal quando fazem o pedido.

Este ano, a Moschino colocou parte da coleção nas vitrines logo depois de ser desfilada. Você enxerga possibilidade dos lançamentos de moda no Brasil serem simultâneos aos desfiles? A São Paulo Fashion Week pode mudar seu calendário?

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Sim, eu acho que isso poderá acontecer no sentido em que o processo evoluir. Hoje, o ciclo de comunicação se encurtou muito e se alastrou com a internet, que é a invenção do século. As mídias sociais elevaram ainda mais a velocidade da informação e consolidaram um novo modelo de comunicação. Enquanto isso, o ciclo de produção continua o mesmo nas marcas tradicionais. O que temos de novo na questão de produção é o fast fashion. Se o estilista conseguir fazer coleções mensais e estabelecer um processo com uma velocidade maior para colocar o produto na vitrine, ele vai sobreviver. As empresas que conseguirem a cada 21 dias entregar um pacote de produtos novos ao consumidor estará na frente.

Com a aceleração da produção, a moda perdeu parte do seu encanto?

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O que eu acho que está acontecendo na moda no mundo inteiro, não só no Brasil, é que o sistema de moda está em uma crise de processos. A gente vem de uma indústria que se estabilizou, se estabeleceu e se agigantou em um formato, no qual havia seis meses para desenvolver, pensar, vender, criar uma marca de desejo. A partir dos anos 2000, com a internet, isso ruiu. Hoje, todo mundo quer ter tudo rápido, o fast fashion se consolidou como uma forma de sucesso porque entrega o que o consumidor deseja de forma rápida e imediata.

O próximo movimento será o do consumo consciente na moda? Você acha que o consumidor vai começar a se preocupar com a procedência da roupa como já ocorre hoje no mercado de alimentos?

Sim, mas isso é uma evolução para o futuro. A imprensa precisa ter papel preponderante que é o de passar a informação. Mas não sozinha. Cada produtor precisa dizer como seu produto é feito para que o consumidor possa escolher. Mas para isso acontecer ainda vai levar tempo. Hoje, o que o consumidor de moda preza mesmo é o preço.

A moda brasileira é inovadora?

As pessoas gostam de dizer que a moda não está mais tão criativa. Mas calma: estamos na era da meritocracia, na década da velocidade, das metas e resultados. Como incentivar a criatividade e a inovação numa era em que é preciso arriscar o mínimo possível? Hoje, em todo o mundo, a mensagem do mercado é a seguinte: produza o que vai vender rápido.

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Como fica o papel dos desfiles na era da internet?

O desfile é a poesia, é o drama, se você não tem o desfile, tudo o que resta é publicidade, propaganda e catálogo. E isso não tem mais tanto efeito hoje. O desfile está para o estilista, assim como a poesia está para o poeta. O desfile é alma pura. Esse é o grande valor da comunicação que surge do desfile. Por que a Chanel encenou uma manifestação feminista em seu último desfile? O que protesto de rua tem a ver com a Chanel? Nada! Mas aquela imagem cria inquietude que chama a atenção, que faz todo mundo observar e falar disso. Esse é o papel do desfile. Ele não é mais feito para 50 jornalistas e 100 compradores. Hoje, ele é partilhado na internet em tempo real. E depois se espalha pelas redes sociais. Por isso mesmo ficou ainda mais poderoso.

Como foi a decisão de renovar o grupo de marcas da Fashion Week?

Acho que é um processo normal da moda. Quando a gente começou, há quase 20 anos, 33 marcas desfilavam. Hoje, são 37. A semana de moda tem de estar ligada a um novo protagonismo da moda, ela precisa retratar o que está acontecendo no mercado em vários aspectos. Desde de um jovem talento em um pequeno atelier, como eram os casos do Vitorino Campos e do Pedro Lourenço, até as grandes marcas.

O que muda na São Paulo Fashion Week com a entrada da Riachuelo, que é um magazine popular, desfilando uma linha especial feita em parceria com a Versace?

Isso é um caminho natural para o que está acontecendo na moda mundial e na moda brasileira. O hi-low é uma realidade. A partir do momento em que você tem algo de qualidade para apresentar, não há porque ter preconceito. É até feio, vira quase sinônimo de burrice. Não enxergar qualidade em uma roupa de fast fashion hoje é ignorância. Ela tem uma qualidade reservada ao coeficiente financeiro.

O que você diria a um profissional que está ingressando no mercado de moda hoje?

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Sempre recomendo aos formandos que não se arrisquem em um negócio próprio de cara. O mundo está tão dinâmico e num processo de transformação tão intenso que é preciso primeiro adquirir o mínimo de experiência. Eu tenho talento para quê? O que eu gosto de fazer? Procure os seus semelhantes, tente trabalhar ali, se desenvolver, consiga experiência, faça networking, aí você poderá partir para um negócio só seu, com chances de evoluir.

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