Senado aprova MP que viabiliza privatização da Eletrobrás com placar apertado

Como os senadores alteraram a versão aprovada pela Câmara, texto precisará ser novamente analisado pelos deputados; votação está prevista para a próxima segunda, 21, um dia antes de a MP perder validade

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Por Anne Warth e Marlla Sabino
5 min de leitura

BRASÍLIA - O Senado aprovou nesta quinta-feira, 17, por 42 votos a 37, a medida provisória que viabiliza a privatização da Eletrobrás, estatal com foco em geração e transmissão de energia. Repleto de “jabutis” – como são chamadas as emendas estranhas à proposta original – incluídos tanto por deputados quanto por senadores, o texto vai aumentar o custo da energia para os consumidores em R$ 84 bilhões, segundo diversas associações do setor, onerando as contas de luz de famílias e empresas “por décadas”.

O governo, por outro lado, afirma que a privatização da Eletrobrás pode reduzir a conta de luz em até 7,36%, sem detalhar como o cálculo foi feito. Como houve mudanças por parte dos senadores na versão aprovada primeiro pelos deputados, o texto precisará ser novamente analisado na Câmara

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A votação está prevista para a próxima segunda, um dia antes de a MP perder a validade. De acordo com o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), relator da matéria na Casa, os deputados vão manter o texto do Senado. “Foi tudo acordado”, disse.

Senadores aprovam MP que permite privatização da Eletrobrás em uma votação apertada Foto: Pedro França/Agência Senado

Hoje, a União tem pouco mais de 60% das ações da Eletrobrás e controla a estatal. Com a emissão de novas ações da companhia, essa fatia será reduzida para cerca de 45%. Será a primeira privatização do governo Bolsonaro. Até agora, a equipe liderada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, não conseguiu vender nenhuma empresa de controle direto da União. Ao contrário, criou a NAV, ligada à área militar e responsável pela navegação aérea.

Enviada pelo governo em 23 de fevereiro, a proposta é uma das prioridades do Executivo e aposta da área econômica para ampliar investimentos da empresa, que é a maior companhia de energia elétrica da América Latina. Anteriormente, a equipe de Bolsonaro tentou viabilizar a operação por meio de um projeto de lei, que não avançou. Também houve tentativas frustradas de privatização durante o governo Temer.

Mudanças

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O governo passou a madrugada e o dia todo em negociações com sua base para garantir a aprovação do relatório apresentado pelo relator, Marcos Rogério (DEM-RO), que não apenas manteve os “jabutis” da Câmara como incluiu outros no Senado. Nesse esforço, o governo precisou aumentar os benefícios para diversas bancadas para obter apoio à proposta.

Em seu relatório, Rogério aumentou a quantidade de energia de usinas térmicas a gás que a União será obrigada a contratar. O dispositivo é um dos mais criticados por entidades do setor, por prever que as usinas devem estar localizadas mesmo em locais onde não há reservas ou infraestrutura. Na prática, será necessário construir gasodutos a custos bilionários para levar gás até elas, que poderão ser pagos pelos consumidores por meio das tarifas.

A proposta aumenta de 6 mil megawatts (MW) para 8 mil MW o volume de energia que vai ser contratado de térmicas a gás. A alteração beneficia Estados do Sudeste, que não estavam contemplados no texto da Câmara.

O texto do Senado ainda detalha a localização das térmicas, preferencialmente em capitais, regiões metropolitanas e Estados sem qualquer ligação de gás. As regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste também serão atendidas. Para essas regiões, a entrega de energia deverá acontecer entre 2026 e 2028, com período de fornecimento de 15 anos.

A proposta mantém a permissão da prorrogação dos contratos das usinas contratadas no âmbito do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). Com o vencimento dos contratos, as usinas teriam de disputar leilões de energia velha e reduzir seus custos. A MP, no entanto, vai permitir que elas tenham as outorgas estendidas a preço de energia nova – que inclui o valor da construção de empreendimentos, embora elas já estejam prontas.

Entre as propostas do Senado, foi acatada também a que prevê que os diretores do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) deverão passar por sabatina no Senado, como acontece com diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Diferentemente dos dirigentes dos órgãos reguladores, os diretores do ONS não cumprem mandatos e podem ser demitidos a qualquer momento, exceto o diretor-geral.

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Para garantir a aprovação, o governo também acatou uma emenda que atropela o Ibama e a Funai no licenciamento para a construção da linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista.

O linhão, leiloado em 2011, nunca saiu do papel por um impasse com a comunidade indígena waimiri atroari. Pela proposta, a União fica autorizada a iniciar as obras imediatamente após a conclusão de plano básico ambiental, traduzido na língua originária e apresentado aos indígenas.

O texto define que R$ 35 bilhões serão destinados para atenuar as tarifas, por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Antes, o montante previsto era R$ 25 bilhões.

Veja quais são os jabutis da MP da Eletrobrás

  • Térmicas a gás natural: 

União terá de contratar 8 mil MW de usinas termoelétricas movidas a gás natural, mesmo em locais sem o insumo. Será necessário construir gasodutos, que podem onerar as contas de luz.

  • Proinfa:

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Prorrogação dos contratos das usinas no âmbito do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica. A crítica é que esse programa incentiva a contratação de fontes alternativas de energia, como a eólica, mas o preço pago pela energia dos projetos do Proinfa está acima do de mercado, gerando custo adicional para os consumidores, segundo os especialistas.

  • PCHs:

Texto determina contratação mínima de 40% de Pequenas Centrais Hidrelétricas nos próximos leilões. As PCHs são pequenas usinas com potência de geração de energia de até 50 MW, com área total do reservatório de água igual ou inferior a três quilômetros quadrados. Essa exigência também gerará repasse de custos aos consumidores.

  • Reservatórios:

Obriga o Executivo a estabelecer plano para recuperação dos reservatórios de hidrelétricas em 10 anos. A medida atende ao pleito do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que nos últimos dias manifestou incômodo com a intenção do governo de reduzir o nível do reservatório da hidrelétrica de Furnas, no sul de Minas Gerais, para priorizar o uso da água para energia elétrica.

  • Linhão de Roraima:

Medida atropela Ibama e Funai para garantir que a União possa iniciar obras do Linhão Manaus-Boa Vista, que interligará Roraima ao Sistema Interligado Nacional.

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  • Cepisa:

União terá de ressarcir o Estado do Piauí pela federação da distribuidora há 20 anos. A empresa foi privatizada em 2018.