
03 de novembro de 2020 | 22h03
BRASÍLIA - O Senado aprovou nesta terça-feira, 3, por 56 votos favoráveis e 12 contrários, o projeto de autonomia formal do Banco Central. A medida é defendida por agentes do mercado financeiro e uma das bandeiras da equipe econômica do governo Jair Bolsonaro. A proposta estabelece mandatos de quatro anos para os diretores da instituição, que hoje podem ser nomeados e demitidos livremente pelo presidente da República. A proposta segue para a Câmara dos Deputados.
"O que a autonomia formal faz é conceder uma importante blindagem institucional ao Banco Central, retirando-o das pressões e das disputas políticas de curto prazo, e isso gera benefícios notáveis para os países que adotaram esse modelo", disse o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), logo após o texto ser aprovado. "A razão é muito simples: a credibilidade do Banco Central junto aos agentes econômicos sobe exponencialmente quando se sabe que o seu compromisso básico é inarredável, é com o controle da inflação, e que ele está livre das injunções e disputas políticas para atingir tal objetivo".
O projeto prevê mandato de quatro anos para os dirigentes da instituição, quarentena para ex-diretores e novas metas acessórias à autoridade monetária. O texto estabelece mandato de quatro anos para o presidente e oito diretores do Banco Central, incorporando o modelo adotado em outros países, como nos Estados Unidos. Se a proposta for aprovado também pela Câmara e sancionada por Bolsonaro, cada mandato começará em um determinado momento, sendo permitida uma recondução. A intenção é que os dirigentes da autoridade monetária não estejam suscetíveis às políticas do governo da ocasião.
A nomeação dos dirigentes do BC é feita pelo presidente da República e depende de aprovação no Senado. De acordo com o texto discutido pelos senadores, o mandato do presidente terá início em janeiro do terceiro ano de mandato do governo. A nomeação dos demais diretores aconteceria em outros momentos, em uma escala diferente. Após o projeto virar lei, o presidente do BC e oito diretores deverão ser nomeados em um prazo de 90 dias. O Executivo poderá escolher os dirigentes atuais ou novos.
Após emendas apresentadas por parlamentares, o relator do projeto no Senado, Telmário Mota (PROS-RR), fixou no projeto uma quarentena de seis meses para autoridades da instituição financeira. Nesse período, após deixarem o Banco Central, ex-presidentes e ex-diretores não poderão exercer qualquer atividade profissional junto a instituições financeiras. Durante os seis meses, eles terão uma remuneração compensatória a ser paga pelo BC.
O projeto do Senado mantém a estabilidade de preços como objetivo central do Banco Central. A proposta inclui ainda duas novas metas acessórias, sem prejuízo à principal: suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego no País. O governo concordou com a redação da proposta, apesar de o BC ser historicamente contrário a ampliar o escopo da atuação.
No último dia 29, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, se reuniu com o senador Plínio Valério (PSDB-AM), autor da proposta, e deu aval ao projeto, de acordo com o parlamentar. O entendimento é que a proposta não configura um duplo mandato para a autoridade monetária, mas apenas objetivos acessórios.
Atualmente, cabe ao BC garantir o poder de compra da moeda nacional, zelar pela liquidez da economia, manter as reservas internacionais em nível adequado, estimular a formação de poupança, zelar pela estabilidade e promover o aperfeiçoamento do sistema financeiro.
Entenda o projeto do Senado que estabelece novos objetivos para o BC e mandato fixo para dirigentes
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03 de novembro de 2020 | 22h41
A pandemia da covid-19 conseguiu o que anos de polêmica impediram de avançar no Congresso: a aprovação do projeto de autonomia do Banco Central.
É provável que a situação tivesse sido diferente num cenário fora dos tempos da pandemia, quando projetos sensíveis como esse são alvo de debate mais acalorado antes e depois de ir à votação pelo plenário.
Na pandemia, os temas estão sendo discutidos de forma remota e a votação é feita no plenário virtual. Remotamente, as discussões são muito mais superficiais e perde-se muito no debate.
Aperfeiçoamentos técnicos, que poderiam conferir maior transparência à atuação do BC, acabaram ficando de fora, mas podem ainda ser incluídos na votação da Câmara.
Uma das emendas, do senador José Serra (PSDB-SP), que não avançou, exigia a divulgação da transcrição das reuniões do Comitê de Política Monetária após oito anos, prática que é adotada pelo Federal Reserve, Fed, o banco central dos Estados Unidos, e que tem sido cobrada no Brasil em diversos momentos ao longo da última década.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), colocou um projeto da oposição (que cria os depósitos voluntários remunerados) antes de votação e inviabilizou qualquer possibilidade de obstrução. Costurou com sucesso até aqui a retomada das votações de projetos da agenda econômica, enquanto as votações na Câmara estão obstruídas pela briga política da sucessão do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Venceu a narrativa usada pelas lideranças do governo de que a proposta dá uma blindagem para a política monetária afastando riscos de ingerência política nesse momento em que a política fiscal está na berlinda com a pressão política por mais gastos.
Uma resposta à crise de desconfiança que passa a política econômica do governo, mas que não pode ser confundida, em hipóteses nenhuma, com as medidas de correção da trajetória de desequilíbrio das contas públicas e aumento do endividamento.
Para quem não lembra, a autonomia do BC já estava prevista no plano de governo de Bolsonaro, batizado de “O Caminho da Prosperidade”, e chegou a ser tema de debate durante a campanha eleitoral de 2018.
Mas o primeiro teste será mesmo para o presidente Bolsonaro que volta e meia gosta de repetir que quem manda é ele. Vamos ver no caso de o BC logo mais a frente ser obrigado a subir os juros, hoje no patamar histórico de 2% ao ano.
*REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
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