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Será que o desemprego não está crescendo?

Por Paulo Paiva
Atualização:

Depois de subir 2,3% em 2013, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve crescer menos do que 0,50% este ano. Essa redução já causou queda no volume total de bens e serviços no País nos dois primeiros trimestres, o que, segundo análises comparativas internacionais, significa que o Brasil está em recessão técnica. Há indicações de que no segundo semestre deverá haver uma lenta recuperação no crescimento do PIB. No primeiro semestre de 2014, em recessão, o Brasil não conseguiu produzir o suficiente para manter o mesmo nível das atividades do ano anterior. Produção em queda deveria corresponder à redução do nível de emprego. Produzindo menos, as empresas não geram tantos empregos. Produzindo menos do que no passado, as empresas deveriam demitir os empregados que ficaram ociosos. Assim, seria esperado aumento do desemprego. Pois bem, os dados disponíveis sobre o mercado de trabalho parecem dizer outra coisa. O indicador de desemprego utilizado usualmente com as informações da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, que cobre as seis maiores regiões metropolitanas do País - Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porte Alegre -, atingiu em outubro 4,7%, seu nível mais baixo desde 2003. As médias anuais dessas taxas mostram tendência de queda contínua do desemprego ao longo da última década. Partiram de 12,4%, em 2003, para 5,4%, em 2013. A exceção foi suave elevação de 7,9%, em 2008, para 8,1%, em 2009, acompanhando os impactos da crise financeira internacional naquele ano. Variação muito pequena, se considerados os efeitos da crise sobre o desempenho da economia. As medidas de desemprego disponíveis no Brasil não parecem sensíveis às flutuações conjunturais da economia e refletem mais tanto as condições estruturais no mercado de trabalho quanto as mudanças demográficas, como o envelhecimento da População Economicamente Ativa (PEA) e a queda da proporção dos que ingressam no mercado de trabalho, quer pela redução relativa desse segmento, quer pela opção de muitos jovens pela permanência nas escolas. Por exemplo, independentemente da desaceleração da economia, ao longo dos dez meses deste ano a taxa de desemprego apresentou considerável estabilidade, variando de 4,8% em janeiro a 4,7% em outubro. Seu nível mais alto foi de 5,1%, em fevereiro. O conceito de força de trabalho foi introduzido nas pesquisas correntes de população nos Estados Unidos nos anos 40 para oferecer um indicador de desemprego sensível às flutuações da economia. A taxa de desemprego variaria inversamente à variação do nível do PIB. Até então, os dados censitários captavam informações sobre a ocupação principal, e não sobre a condição do trabalhador, se estava empregado ou desempregado. A taxa de desemprego, expressa em porcentagem, corresponde à razão entre os trabalhadores que, no período de referência, estão à procura efetiva de emprego e a PEA, que é a soma dos trabalhadores empregados mais os que estão procurando emprego, e se move ao sabor das variações nos níveis do PIB. Aqui, no Brasil, o instrumento de coleta das informações da PME privilegia as informações sobre educação que, no questionário de coleta, antecedem à investigação sobre as condições de efetivo exercício ou de procura por emprego. Assim, por submeter hierarquicamente as informações sobre emprego a outras investigações, desconfio de que o indicador gerado esteja bastante afetado por condições estruturais do mercado de trabalho, tais como o peso relativo do setor informal, nível de rendimento dos membros da família e evolução da participação das mulheres nas atividades econômicas. Por essas razões, o IBGE define sua medida como taxa de desocupação, e não como taxa de desemprego. Comumente, são os analistas que tomam a primeira como significando a segunda, chegando a conclusões sobre um possível paradoxo no mercado de trabalho - recessão com pleno-emprego. Creio que mais sensíveis aos movimentos de curto prazo da economia são os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, oriundos das informações mensais que prestam as empresas sobre o número de trabalhadores admitidos e demitidos e que refletem variações na demanda no mercado formal de trabalho. As variações nessas informações podem ser interpretadas, em certa medida, como aquelas dos dados divulgados mensalmente nos Estados Unidos sobre "quem está procurando seguro-desemprego", que mostram os impactos de curto prazo na variação da demanda por trabalhadores. A evolução do Caged para o mês de outubro indica queda no emprego formal desde 2010, acompanhando a desaceleração da economia brasileira. Ao longo de 2014, esse indicador mostrou o pico de geração de emprego em fevereiro, quando também a taxa da PME foi a mais alta, e seguindo em queda até julho. Uma nova recuperação terminou em setembro. Depois, em outubro, foram fechados 30.283 postos de trabalho, dos quais 21.886 somente no Estado de São Paulo. Assim, muito embora não captado pela taxa de desocupação da PME, o desemprego já está crescendo no Brasil em razão da queda no crescimento da economia. A construção civil e a indústria de transformação são os setores mais atingidos. Considerada a extensão da queda do emprego formal, persistindo essa tendência até dezembro, é possível que seu desempenho ainda venha a refletir nas taxas de ocupação no início do próximo ano, apagando mais um indicador ufanista do governo. É enganoso se valer da taxa de desocupação da PME para afirmar que a economia brasileira está em crescimento. Diagnóstico correto é o primeiro passo para a formulação e a implementação de políticas econômicas adequadas e eficazes. Uma vez mais, a experiência comprova que irresponsabilidade fiscal e inflação alta não garantem emprego e renda. Ao contrário, populismo econômico gera custos sociais elevados. *Paulo Paiva é professor da Fundação Dom Cabral, foi ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento no governo FHC 

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