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‘Situação do Brasil é difícil, mas nem tudo é negativo’

Vice-presidente do Banco dos Brics diz que primeiros projetos da instituição saem no segundo trimestre

Foto do author Adriana Fernandes
Foto do author Murilo Rodrigues Alves
Por Adriana Fernandes e Murilo Rodrigues Alves
Atualização:
O quadro é frágil por causa da China, diz Batista Foto: Divulgação

BRASÍLIA - O economista Paulo Nogueira Batista, vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco do Brics, informou que a instituição vai anunciar sua primeira leva de projetos a serem financiados no segundo trimestre deste ano. Segundo ele, no Brasil, os projetos escolhidos serão na área de energia eólica. O economista também avalia que o Brasil atravessa um período muito complicado, mas lembrou que há pelo menos um ponto positivo, que é a melhora das contas externas. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado:

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Quais são os planos para o Novo Banco de Desenvolvimento?

Ele está deslanchando. Tem sete meses de existência, cumpriu uma série de etapas e entrou a primeira parcela do capital. Estamos com US$ 1 bilhão em caixa, porque não só os cinco países fizeram o aporte previsto, como a Rússia resolveu antecipar a segunda parcela. Estamos com mais capital que o previsto e há planos de emitir o primeiro bônus no mercado chinês ainda no primeiro semestre, em moeda chinesa.

E quando saem os primeiros projetos?

Estamos em negociação, e a expectativa é de fazer uma primeira leva no primeiro trimestre. Pelo menos um em cada um dos cincos países fundadores. O foco dessa primeira leva será energia renovável.

Como será a operação no Brasil?

Nessa primeira leva, o banco vai operar muito conservadoramente. Vai fazer empréstimos com garantia soberana ou os bancos nacionais de desenvolvimento farão repasse de recursos a projetos específicos. Rússia e Brasil vão operar com esses bancos. No caso do Brasil, com o BNDES, em projetos específicos vinculados à energia eólica. Estive na semana passada no BNDES com uma missão do banco que veio fazer a apreciação dos projetos.

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Como vocês escolhem a empresa? O projeto brasileiro já está escolhido?

Será o que se chama de projeto em dois passos. Será aberta uma linha de crédito ao BNDES em dólares vinculada a projetos específicos da área eólica. A equipe técnica esteve visitando os projetos no Nordeste. Estamos andando para fazer a coisa movimentar. Podemos anunciar um primeiro projeto no segundo trimestre, o que é um feito, porque o acordo de constituição do banco foi ratificado em junho de 2015, há menos de um ano.

O sr. mora atualmente na China. Como está vendo a situação econômica por lá?

A economia chinesa teve um período excepcional de crescimento, com estabilidade monetária e financeira. Era uma economia que vinha em marcha super forçada, investindo 50% e num ritmo de expansão muito acelerado. Agora, o grande desafio para eles é fazer a economia se desacelerar de maneira relativamente ordenada, num modelo de desenvolvimento que não vai ser tão baseado em investimento. Vai ser mais baseado no mercado interno, consumo, menos exportação, mais serviço e menos em indústria.

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E como está essa transição?

Ela já começou. Tem capacidade ociosa em muitos setores importantes da indústria. O país tem de fazer toda uma adaptação para um desenvolvimento de maior qualidade. Não é nada fácil, porque há dilemas agudos delicados, por exemplo, para o Banco Central. Ele é chamado a fazer uma política anticíclica, baixando a taxa de juros e os depósitos compulsórios. Mas, ao mesmo tempo, a China vem sofrendo, além da desaceleração, uma fuga de capitais, que pressiona o balanço de pagamentos e a taxa de câmbio.

Há uma preocupação dos mercados com a adoção de controle de capitais. Qual a sua avaliação sobre isso?

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Acredito que se o chinês seguir mesmo esse caminho, falará pouco e fará discretamente. Eles têm um problema, porque estão engajados há alguns anos numa estratégia de internacionalização da moeda chinesa. Eles não vão fazer nada que possa abalar a confiança nessa estratégia. Deixar o câmbio depreciar muito não é uma opção, fechar abruptamente a conta de capitais também não é. Eles acabaram de ter uma vitória política no final do ano passado, com a inclusão do renminbi (a moeda chinesa) na cesta de moeda no direito especial de saque do FMI. Eles não podem malbaratar isso por causa do agravamento da situação de curto prazo.

Qual o potencial de ameaça para o Brasil com o problema da China?

O quadro internacional é delicado, frágil, por causa da China. Mas não é só a China. Com a queda do petróleo e o recuo quase generalizado das commodities, especialmente metálicas, há uma série de tensões rompendo em setores da economia ligados a petróleo e gás, de países inteiros que se tornaram super dependentes dessas receitas. Um risco que pode se materializar este ano é o de simultâneas dificuldades de pagamento em vários países que dependem de exportação de commodities. Tem de lembrar que metade da economia mundial é composta pelos países emergentes e em desenvolvimento. Ninguém ficará a salvo se houver uma desaceleração muito abrupta da China e de outros países emergentes.

O Banco Central brasileiro tem feito alertas em relação ao aumento da preocupação com a China e o seu efeito desinflacionário no Brasil.

Vai haver uma pressão desinflacionária para nós. O cenário internacional conturbado em vários países aponta para isso. A recuperação americana não está tão forte assim. A Europa continua numa recuperação frágil. Fora o câmbio, o componente externo de preços de produtos importados e exportados pelo Brasil não parece apontar para uma alta e isso favorece moderação na política de juros pelo BC. De umas semanas para cá, a percepção de curto prazo sobre a economia mundial piorou. O BC brasileiro está tentando comunicar isso para dentro do Brasil para que os agentes econômicos levem em conta essa variável quando forma as expectativas.

A sua avaliação é de que alguns países terão problemas de balanço de pagamentos. E em relação ao Brasil?

Esse é o nosso ponto forte. A situação brasileira é complicada, mas nem tudo é negativo. Tivemos um ajuste muito forte em 2015. Quando se tem a combinação da retração da demanda agregada interna com a depreciação muito forte do câmbio, a economia responde. Há substituição de importação por bens e produtos locais, e estímulo às exportações. Isso já se faz sentir em alguns setores da economia e nas contas externas. A contração do déficit em conta corrente foi rápida e a balança comercial se recuperou. Os ativos brasileiros ficaram baratos e isso estimula a entrada de capitais. A nossa posição de balanço de pagamento melhorou muito e as reservas estão intactas. Nossos problemas são internos, fiscais. A inflação é alta.

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Qual o maior perigo externo para o Brasil?

A combinação de perda de ajuste de troca, por causa da reversão do super ciclo de commodities, os choques dos outros emergentes, que também têm dificuldades, e o aperto da política monetária, que talvez seja adiado. A maioria dos analistas não prevê um cenário de crise tipo 2008. Não é que se pode excluir isso. Mas não é o cenário mais provável. O mais provável é o semelhante ao de 2015, com dificuldades em vários lugares e poucas fontes de crescimento na economia mundial. O mar não está para peixe, mas não significa que virá um tsunami.