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Sobre lebres e tartarugas

Por JOSEF e BARAT
Atualização:

A fábula da lebre e da tartaruga tem grande importância para a autoestima das crianças, uma vez que ensina a não desdenhar o adversário mais fraco e a valorizar a persistência e o discernimento. Confiante nas suas vantagens competitivas, a lebre descansa e tira uma soneca. Se a tartaruga se aproximar ou o ultrapassar, ela será capaz de alcançar rapidamente a linha de chegada. Mas não tendo discernimento, subestimou a persistência da tartaruga, que caminhou passo a passo, sem parar. Para as crianças, a fábula cumpre o importante papel de valorizar a persistência, ao invés da pressa e da velocidade.No mundo da economia globalizada, todavia, a fábula tem pouca serventia. A pressa e a velocidade são fatores decisivos para a evolução tecnológica, a geração de inovações e o poder de competição no mercado mundial. Nesta competição, países "lebres" sempre ganham dos países "tartarugas". Claro que o Brasil, pela sua histórica lentidão, estaria mais para uma tartaruga desajeitada, que simplesmente espera vacilos de lebres velozes. Não há dúvida de que o País tem as suas vantagens competitivas, mas o problema é que elas são enormemente prejudicadas por obstáculos criados por ele mesmo.Vejamos as vantagens. De acordo com dados de 144 países, que se traduzem no ranking do Fórum Econômico Mundial, o Brasil tem um dos maiores mercados internos do mundo (7.ª posição) - o que propicia importantes economias de escala na produção - e tem uma comunidade de negócios bastante sofisticada (33.ª posição). O acesso ao financiamento de projetos não é tão fácil, mas ocupa a 40.ª posição, bem melhor que outros países emergentes. O País tem posições privilegiadas, ainda, na agricultura moderna e em alguns segmentos industriais competitivos.Apesar dos pontos fortes, o Brasil está há muito tempo diante de desafios não resolvidos. Os indicadores de eficiência do governo põem o País na 111.ª posição, resultado da excessiva regulamentação governamental (144.ª) e de um enorme desperdício de gastos públicos (135.ª). A qualidade das infraestruturas de logística e transporte nos remete ao 79.º lugar e permanece um desafio insolúvel. A qualidade da educação (116.º lugar) é a grande tragédia do País e não corresponde à necessidade crescente de uma força de trabalho qualificada e capaz de assimilar inovações tecnológicas na velocidade requerida. O aumento na utilização das tecnologias de informação, com um avanço para a 54.ª posição, é animador, mas não supera a indigência da educação.No entanto, o que revela a impossibilidade de a tartaruga alcançar lebres é a sua impressionante lentidão no estímulo às inovações e à criatividade. Apesar dos grandes esforços visando a facilitar o empreendedorismo, especialmente para pequenas empresas, os procedimentos e o tempo para começar um negócio no Brasil permanecem entre os mais altos no ranking mundial (130.ª e 139.ª posições, respectivamente). E, no que diz respeito à tributação, a derrota da tartaruga é acachapante: além de absurdamente alta, tem efeitos distorsivos que desestimulam o empreendedorismo (144.ª posição!).Em 2014-2015 as dez lebres da inovação no mundo são Finlândia, Suíça, Israel, Japão, EUA, Alemanha, Suécia, Holanda, Cingapura e Taiwan. Esses países têm políticas estruturadas de apoio, financiamento, tributação e facilitação voltadas ao estímulo de startups geradoras de inovações. As ações de P&D ocupam lugar central nas políticas empresariais e a criação conjunta de encubadoras, pela interação de universidades e empresas, é a base do avanço tecnológico. Vinculam-se, assim, o conhecimento e a pesquisa pura ou aplicada às reais necessidades da sociedade. Essas lebres podem até tirar tranquilamente algumas sonecas, já a nossa tartaruga terá de andar bem mais rápido e estruturar políticas consistentes de inovação para alcançá-las. Ver uma mensagem do ministro de Ciência e Tecnologia no Twitter exibindo um calendário que ele ganhou no Azerbaijão com a imagem de Stalin não é um sinal lá muito animador...ECONOMISTA, CONSULTOR DE ENTIDADES PÚBLICAS E PRIVADAS, É COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS URBANOS DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO

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